​​​​Lésbicas e bissexuais negras lembram dois meses da morte de Luana dos Reis

    Em protesto, grupo reivindica volta do processo que investiga a morte de Luana para a Justiça comum

    Por Alê Alves, especial para a Ponte Jornalismo

    Em meio a lágrimas e gritos como  “Não é mole, não, ser feminista, mãe solteira e sapatão”, lésbicas e bissexuais negras marcharam no sábado (18/06), em Ribeirão Preto (interior de SP), para reivindicar a volta do processo que investiga a morte de Luana Barbosa dos Reis para a Justiça comum. Luana morreu na noite do dia 13 de Abril, cinco dias após ter sido espancada por policiais militares, no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto.

    O ato “Nenhuma Luana a menos” durou pouco mais de três horas e teve início na Praça Sete de Setembro. “Queremos que o processo volte para a Justiça comum e seja julgado como homicídio, não como lesão corporal seguida de morte. Policiais militares são treinados e fizeram o que fizeram sabendo que podiam matar. O povo preto para eles é um corpo descartável”, afirmou Poliana Kamalu, integrante do coletivo negro da USP de Ribeirão Preto.

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    Poliana Kamalu, integrante do coletivo negro da USP de Ribeirão Preto – Foto: Alê Alves

    “Vivemos numa falsa democracia. Nós, mulheres negras, LGBT’s, indígenas e quilombolas existimos também e temos voz. Queremos direitos iguais. Somos nós que mais sofremos com essa violência. Queremos ser respeitadas e queremos justiça para Luana” afirmou Adria Maria Bezerra Ferreira, presidente da ONG Casa da Mulher de Ribeirão Preto.

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    Manifestantes pedem que PMs responsáveis por espancamento contra Luana sejam julgados pela Justiça Comum – Foto: Alê Alves

    No ato também estiveram presentes mulheres de outras cidades como Araraquara, Franca e São Paulo. “Eu vim porque sou mãe, sapatão e preta. Temos medo de andar na ruas e dos nossos filhos andarem na rua. Tenho um filho homem e preto, que já é vulnerável. Se eu já fico preocupada quando ele sai pra brincar hoje, quando ele tiver 15 eu não vou nem dormir. Nem a esquerda nem a direita falam sobre o genocídio do povo preto. Precisamos de resposta pra isso e de políticas públicas feitas por nós também”, afirmou Fernanda Gomes, moradora do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo, que foi ao ato com seu filho Rhyan, de 5 anos de idade.

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    Fernanda Gomes, moradora do Campo Limpo, zona sul de SP, foi ao ato com seu filho Rhyan, de 5 anos de idade – Foto: Alê Alves

    “Estou emocionada de estar aqui. Minha mãe é negra, lésbica e criou 22 filhos sozinha. Podia ter sido ela. Mulher negra é silenciada, principalmente quando não se submete a limpar privada de playboy. Esse protesto aqui vale vida. Quando eu e meus irmãos voltamos pra casa de madrugada, contamos para ver se está faltando alguém, se todo mundo chegou, para você ver como o genocídio está inflamado. Na quebrada, a ditadura militar sempre existiu e continua. Nossa cor é a cor da morte”, afirmou Laíssa Sobral, moradora do Grajaú, na zona sul paulistana, e integrante da Secretaria Estadual de Mulheres Catadoras de São Paulo.

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    “PM conivente, você não me engana, eu sei que nas suas mãos também tem sangue da Luana”, gritaram as manifestantes ao passarem na frente de uma unidade da PM em Ribeirão Preto – Foto: Alê Alves

    Durante o ato, que contou com cerca de 300 pessoas, foram distribuídos panfletos para pessoas que caminhavam nas ruas. “PM conivente, você não me engana, eu sei que nas suas mãos também tem sangue da Luana”, gritaram os manifestantes ao passarem em frente ao distrito da Polícia Militar na Avenida Independência.

    Janaína de Oliveira, integrante do coletivo negro Abisogun e estudante de Ciências Sociais da Unesp de Araraquara, também esteve presente. “Vivo numa cidade conservadora, mas o preconceito não está só lá. As pessoas sempre dão aquela olhada e insistem em não reconhecer a minha relação com a minha companheira. Acham que a gente é irmã mesmo quando vêem a gente se beijando. Era chocante na faculdade também. A gente já ouviu gritos de “lésbicas” andando de mãos dadas na rua. Se por ser negra já rola um estranhamento ao entrar em espaços dominados por brancos, se for lésbica também aí é catastrófico. Me identifiquei com a Luana pois também não me encaixo nos padrões de feminilidade”, afirma Janaína.

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    Manifestantes marcharam o tempo todo com a bandeira do movimento LGBTT – Foto: Alê Alves

    Bia Ferreira, artista de Aracaju que mora hoje em São Paulo, esteve no ato e cantou algumas músicas. “Estou cansada de ver nossos irmãos morrendo. E não é em um combate, mas quando estão caminhando nas ruas. Morrem por existir. Eu mesma já apanhei da polícia várias vezes. No carnaval, um cara me bateu dizendo que eu não podia fazer isso [beijar mulher] na rua. Tenho dois filhos, o Francisco e a Maria Luiza, e é difícil pra galera entender que tem mulher lésbica criando filho sozinha, sem pai. Sempre penso como vai ser o mundo quando meus filhos crescerem. Será que a pauta daqui a 20 anos vai ser a mesma porque a gente vai continuar morrendo?”, questiona a artista.

    O ato terminou com uma apresentação do coletivo Levante Mulher. “Isso aqui não é uma mera intervenção artística. É uma arma de luta. A gente tem que gritar, ocupar a rua e todos os outros lugares. Se a gente se calar, eles vão nos exterminar”, disse Míriam Selma, integrante do coletivo. “Estamos com você, irmã”, disse Míriam abraçando Roseli Barbosa dos Reis, irmã de Luana, que esteve no ato.

    A morte de Luana Reis 

    Luana Barbosa dos Reis foi espancada por policiais militares na noite do dia 08 de Abril, no bairro Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto. Ela saiu de moto para levar seu filho a um curso de informática no centro da cidade quando parou em um bar, ao lado de sua casa, para cumprimentar um amigo.

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    Várias mulheres participaram do protesto contra a morte de Luana Reis acompanhadas de seus filhos – Foto: Alê Alves

    Testemunhas relataram que policiais chutaram Luana para fazê-la abrir as pernas, o que a fez cair no chão.  Ao se levantar, ela deu um soco em um dos policiais e chutou o pé  de outro. A partir de então, os policiais começaram a espancá-la com cassetetes e com o capacete que ela usava ao dirigir a moto. Após cinco dias internada no Hospital das Clínicas da cidade, Luana faleceu devido a uma isquemia cerebral causada por traumatismo crânio encefálico, segundo constatou exame necroscópico realizado pelo Instituto Médico Legal de Ribeirão Preto.

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    Outras vítimas da violência do Estado também foram lembradas na manifestação contra a morte de Luana Reis – Foto: Alê Alves

    No dia 13 de Maio, o juiz Luiz Augusto Freire Teotônio, da 1ª Vara do Júri de Ribeirão Preto, negou o pedido de prisão temporária dos policiais Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo, do 51º Batalhão da Polícia Militar, investigados sob suspeita do espancamento. Na decisão, o juiz também remeteu os autos do processo à Justiça Militar, por “não se tratar de um crime contra a vida”.

    No dia 18 de Maio, o promotor de Justiça Eliseu José Berardo Gonçalves recorreu da decisão do juiz, pois avaliou que houve um homicídio. Na próxima terça-feira (21), ocorrerá uma audiência na Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto sobre as investigações da morte de Luana.

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