7 anos depois, Janot pede federalização de chacina dos Crimes de Maio

    Procuradoria-Geral da República levou sete anos para levar adiante pedido, feito em 2009, para que Polícia Federal investigue chacina ocorrida no Parque Bristol. Janot afirma que investigações do crime em São Paulo cometeram “falhas e omissões gravíssimas”

    Procurador-geral da República Rodrigo Janot. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
    Procurador-geral da República Rodrigo Janot. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

    A Procuradoria-Geral da República levou sete anos para atender ao pedido de federalização de uma chacina relacionada aos Crimes de Maio. Na segunda-feira (9/5), o procurador-geral Rodrigo Janot pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que transfira para a Polícia Federal a investigação da morte de quatro jovens, baleados por encapuzados no Parque Bristol, zona sul de São Paulo, em 14 de maio de 2006. Para Janot, a polícia paulista, comandada pelo governador Geraldo Alckmim (PSDB/SP), e o Ministério Público Estadual cometeram “falhas e omissões gravíssimas” em “todo o processo investigatório do crime”.

    Janot atendeu a um pedido feito em 11 de maio de 2009 por familiares das vítimas da chacina do Parque Bristol e pela ONG Conectas, que, na época, já apontava uma série de indícios que indicavam “a incapacidade a justiça estadual em lidar com o caso de forma adequada”. A solicitação de Janot, enviada anteontem, repete vários dos argumentos presentes no documento de 2009, mas não explica porque a Procuradoria-Geral da República levou sete anos para agir.

    Para entidades que lutam pela punição dos autores dos Crimes de Maio, a atitude do procurador-geral é um avanço, mas insuficiente. Débora Silva, da ONG Mães de Maio, formada por pais e mães de vítimas dos crimes de 2006, disse à Ponte que vai solicitar uma reunião com Janot para pedir ao procurador-geral que inclua outras vítimas no pedido de federalização, incluindo os casos de 11 jovens mortos na Baixada Santista. “São casos que podemos provar, com riqueza de detalhes, que foram vítimas de execução sumária pela polícia”, afirma Débora.

    A federalização dos crimes é uma bandeira antiga das Mães de Maio, uma exigência feita em vários documentos, entre eles uma carta enviada em 2012 à presidente Dilma Rousseff, que nunca deu uma resposta. “Queremos que a história seja contada do começo ao fim, doa a quem doer”, diz Débora. Outra reivindicação do movimento é a punição da promotora estadual Ana Maria Frigério Molinari, que, no ano passado, sem apresentar provas, acusou as Mães de Maio de serem traficantes de droga.

    A ONG Conectas elogiou a atitude de Janot, mas pediu a retomada das investigações de todos os Crimes de Maio. “Apesar da longa espera, o reconhecimento da Procuradoria-Geral da República das graves falhas e omissões nas investigações conduzidas pelas autoridades do Estado de São Paulo é fundamental e escancara mais uma vez a necessidade de se reabrir todos os inquéritos sobre os Crimes de Maio”, afirmou em nota o advogado Rafael Custódio, coordenador do Programa Justiça da Conectas.

    “Meramente formal”

    Entre 12 e 20 de maio de 2016, em reação a ataques do PCC (Primeiro Comando da Capital) que mataram 43 agentes públicos, a ação de policiais e grupos de extermínio matou 493 pessoas — mais do que os 434 mortos e desaparecidos ao longo dos 21 anos da ditadura militar.

    Entre eles, estavam as vítimas da chacina do Parque Bristol: Edivaldo Barbosa de Andrade, Fábio de Lima Andrade, Israel Alves de Souza e Fernando Elza, baleados por três homens encapuzados na Rua Jorge de Morais. A Polícia Civil encerrou o inquérito sem apontar culpados e o Ministério Público do Estado pediu o arquivamento do caso, aceito pela Justiça.

    Segundo Janot, a investigação da chacina deixou de realizar perícias, ignorou pistas e terminou deixando de lado todos os indícios que apontavam para o envolvimento de policiais no crime. Um exemplo é o testemunho de um sobrevivente da chacina, Fernando Elza, que declarou ter visto os assassinos saírem de um Vectra escuro que teria avistado no pátio do batalhão de polícia da área. Seis meses após a chacina, Fernando foi assassinado e a investigação acabou “interrompida bruscamente”. A informação de que pelo menos quatro PMs tinham automóveis compatíveis com a descrição acabou esquecida.

    “A inércia das instâncias e autoridades estaduais, caracterizada, neste caso, pela realização de investigação meramente formal, protocolar, ignorando a busca da verdade material, das conexões existentes entre crimes quase simultâneos e extremamente similares, impossibilitou a responsabilização dos autores, sendo inafastável a necessidade de revisão dos atos de instrução e a reabertura das investigações, dessa feita por parte da Polícia Federal”, afirma o texto assinado pelo procurador-geral.

    Em nota, a Secretaria da Segurança Pública, comandada por Alexandre de Moraes, afirmou que “todas as ocorrências de morte foram apuradas à época com rigor, assim como as denúncias de eventuais homicídios que poderiam ter policiais como autores”. Para a SSP, o pedido de Janot “não tem procedência e não deve prevalecer”.

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