Após Temer se comprometer com refugiados na ONU, 30 estrangeiros são isolados em aeroporto

    Grupo foi surpreendido com nova portaria do governo federal e não pôde entrar no Brasil

    caramante
    Estrangeiros estão dormindo no chão há pelo menos três dias – Foto: Cedida por Michael

    Neste momento, mais de 30 estrangeiros de diversas nacionalidades como libaneses, senegaleses, guineenses e nigerianos estão na área de desembarque do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, sem poder entrar no Brasil. Solicitantes de refúgio, eles saíram do País com autorização de retorno e foram surpreendidos por nova normativa quando regressaram. Agora estão isolados de qualquer conhecido, numa zona obscura do aeroporto e da lei.

    A nova portaria foi baixada pelo Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, dois dias depois de o presidente Michel Temer dizer em reunião da ONU que estuda facilitar a inclusão de refugiados no País. A Nota Informativa 09/2016 da Divisão de Polícia de Imigração, emitida dia 21 de setembro, fala sobre a necessidade de estrangeiros portadores de protocolo de solicitação de refúgio requererem visto para retornar ao País.

    Isso quer dizer que os solicitantes de refúgio terão trâmites a mais do que pessoas que viajam ao País como turistas por exemplo, mesmo muitas vezes sendo originários de países em situação de conflito, onde é ainda mais difícil ter acesso à burocracia.

    Três estrangeiros que conversaram com a reportagem afirmam que viajaram antes da emissão da portaria, por motivos diversos, e que não foram  informados sobre a necessidade do visto quando desembarcassem novamente. A autorização de saída concedida pela Polícia Federal seria válida por 90 dias.

    Isolado no aeroporto há cinco dias, Abulai Camara, de 41 anos, conta que saiu do Brasil há três meses para acompanhar o enterro do pai na Guiné Bissau. Retornou na última semana com a certeza de reencontrar a namorada, grávida de oito meses.

    — Saí do Brasil com o protocolo e agora volto e o governo diz que não vale mais. Fui com a consciência tranquila.  Se tivessem dito que precisaria de visto para voltar, nem teria saído.

    Situação semelhante vive o nigeriano Michel, de 24 anos. Foragido de perseguição do grupo extremista Boko Haram, ele vive no Brasil há dois anos, onde construiu carreira e família. Ele trabalha como técnico de manutenção de ar condicionado em São Paulo e organizou a viagem à Nigéria, por poucos dias, para buscar seus documentos para se casar no Brasil. A namorada de Michel está grávida de três meses.

    — Peguei meus documentos, como pediram, e comprei a aliança. Quando cheguei aqui, disseram que iam me deportar. Essa situação é muito difícil para mim, quero ficar. Minha namorada precisa de mim, não posso abandonar ela aqui sozinha com a minha filha na barriga. Ela me liga e chora todos os dias.

    caramante
    O grupo reclama da pequena quantidade de comida oferecida –
    Foto: Cedida por Michael

    Abandono

    Além do isolamento, os estrangeiros contam que foram instalados de maneira absolutamente precária no maior aeroporto do País. O grupo enfrenta, há dias, noites geladas dormindo no chão — alguns com cobertores oferecidos pelas companhias aéreas, outros nem isso. A comida é pouca e gelada, como relata Abulai.

    — Estamos deitando no piso mesmo. Nos dão comida três vezes por dia, mas é muito pouco. De manhã, vem um pão francês com azeite queimado. Na hora do almoço, berinjela com batata. E só.

    Com os objetos pessoais nas malas, longe da sala, o banho fica inviável. O grupo relata que não teve acesso nem mesmo a produtos de higiene pessoal. Segundo o senegalês Birani Meayue, de 34 anos, alguns deles já começam a perder peso.

    — Só dão salada com batata todos os dias, o frango não presta. Todo mundo aqui está emagrecendo muito. Nós não merecemos isso na vida. Todo mundo aqui é trabalhador e responsável.

    Meayue mora no Brasil há sete anos e conta que viajou no dia 4 de maio para visitar a família no Senegal. Ele trabalha em um frigorífico em Santa Catarina, onde mora de aluguel e vive cercado de dezenas de amigos. Agora, preso em Cumbica, perdeu o direito até mesmo de defesa.

    A advogada Patrícia Vega, que tem três clientes entre o grupo, conta que não lhe informaram nem onde fica a sala. Ela foi impedida pela Polícia Federal de encontrar seus clientes e está inconformada com a decisão do governo.

    — Essa normativa pegou todo mundo de calça curta. Ainda mais depois que o presidente disse que o Brasil está de braços abertos para os refugiados. Não dá para dizer que eles podem sair com o protocolo e na hora que voltam a regra mudou. Essas pessoas têm trabalho e família aqui. Não pude acessá-los nem para pegar os documentos e entrar com mandado de segurança.

    Greve de fome

    De acordo com Abulai, agentes da Polícia Federal estiveram, na tarde desta terça-feira (27), na sala onde estão retidos e chegaram a intimidá-los.

    — Estão dizendo que, se a gente não voltar, vamos ficar nessa situação péssima, por dois, três anos. Estão intimidando a gente. Só que já decidimos: se não reverem nossa situação, vamos entrar em greve de fome, amanhã a partir do meio dia.

    Governo

    Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça afirmou, na noite desta terça-feira (27), que o Conare [Comitê Nacional para os Refugiados] estava “tomando as providências para solução imediata do problema”.

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    7 Comentários
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    hb cwb
    hb cwb
    7 anos atrás

    Os golpistas que usurparam o governo tentam sobreviver contando mentiras ao mundo!

    Sandro Molina
    Sandro Molina
    7 anos atrás

    Sendo MUÇULMANO, mande TODOS de volta, pra não INFESTAR nosso país com a cultura de Satanás, ops!, Alá!!!

    Niedja Nora Durans Kinjo
    Niedja Nora Durans Kinjo
    7 anos atrás

    Escândalo, um após outro. Vergonha. Este não é o Brasil dos brasileiros.

    Jorge Luiz Santos
    Jorge Luiz Santos
    7 anos atrás

    Quando se depara com a palavra emigrante, qual imagem surge na sua cabeça? Será a de brancos europeus vindo para o Brasil? A maioria não vê os negros como emigrantes ou refugiados!

    Angela Arruda
    Angela Arruda
    7 anos atrás

    O que o Alto Comissariado das Nações Unidas está fazendo sobre isto? Ele precisa tomar a frente disto diante do governo brasileiro, quenão sabe o que quer – faz declaração humanitária na ONU e depois deixa as pessoas nessa condição absurda.

    Deward
    Deward
    7 anos atrás

    Eu tenho protocolo de refugiado e sai do pais o dia 9 e ninguém falou nada pra mim eu vou voltar em 2 semanas eu vim para o meu pais porque minha mãe está muita doente e pedia pra mim vim ver ela eu não acredito que isto esta acontecendo tenho minha namorada trabalho e casa contas no banco e todo e não pode ser que agora que vou contar aconteca isso

    Antonia Fernandes de Medeiros
    Antonia Fernandes de Medeiros
    7 anos atrás

    Que Horror! Misericórdia! Quanta maldade, esse impostor não nos representa.FORA TEMER!

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