Em vídeo, PM suspeito de matar Gabriel agride homem com criança de colo

    Segundo testemunhas, policial que aparece agredindo seis pessoas, duas delas pelas costas, é o mesmo que matou a pauladas Gabriel Paiva, 16 anos

    O vídeo tem menos de dois minutos, mas é o bastante para flagrar o mesmo policial militar agredindo com golpes de cassetete seis pessoas diferentes, incluindo três mulheres e um homem com uma criança de colo. Todas estão desarmadas, andando tranquilamente: duas são atacadas pelas costas. O último agredido precisa se desviar e receber os golpes em seu corpo para impedir que atinjam a criança que carrega.

    A sequência de agressões foi registrada por uma câmera de segurança na zona sul de São Paulo e, segundo testemunhas, mostraria a atuação do policial militar Jefferson Alves de Souza, conhecido em Cidade Ademar como “Negão da Madeira”, por agredir os moradores do bairro com um pedaço de pau.

    Moradores da região afirmam que o mesmo PM, ao lado de outros três colegas, foi quem atacou o estudante Gabriel Alberto Tadeu Paiva com pauladas, chutes e murros na noite do último dia 16, no Jardim Domitila. Após passar quatro dias em coma, Gabriel morreu no Hospital Regional Sul. Três testemunhas do crime já fizeram o reconhecimento dos policiais suspeitos na sede do  22º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), que conduz um inquérito policial militar para apurar a conduta dos policiais, com o acompanhamento da Corregedoria da PM.

    Enterro de Gabriel Paiva, no último domingo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    O registro da ocorrência na Polícia Civil só foi feito dois dias após a agressão, na tarde do dia 18. No boletim de ocorrência registrado no 80º DP (Vila Joaniza), os PMs declararam que estavam passando pela rua quando uma mulher gritou por socorro e pediu que a viatura socorresse “um transeunte caído ao chão, que sangrava na cabeça”. Os policiais que fizeram o registro, Rogério de Siqueira Candelaria e Arivaldo Bavaresco Junior, afirmaram ao delegado que não participaram da ocorrência e apenas fizeram o registro em nome de dois colegas, Gabriel de Souza Ferla e Ronaldo Pinfildi Junior.

    A história contada pelas testemunhas é bem diferente. Segundo elas, Jefferson Alves de Souza, que seria o Negão da Madeira, e um outro PM foram até o bairro para dispersar um grupo com cerca de 50 adolescentes que havia se encontrado para conversar e fumar narguilé diante uma tabacaria. Ao chegar, a primeira atitude da dupla de policiais foi atirar um tijolo, de dentro do carro, em um motoqueiro que passava por ali. Em seguida, os policiais saíram da viatura e perguntaram aos adolescentes: “não vão correr, não?”. A molecada entendeu o recado: todos saíram correndo para suas casas, com medo de apanhar dos PMs.

    Gabriel não conseguiu voltar para casa. Segundo uma testemunha, uma menina de 17 anos, que espera se apresentar à polícia nos próximos dias, o menino caiu numa armadilha armada pelos policiais. À Ponte, ela relatou: “Ele correu para dentro de um beco, mas já tinha polícia esperando ele ali. O Gabriel deu meia volta e começou a correr para o outro lado. Foi quando o Negão da Madeira tacou um pedaço de pau na cabeça dele. Gabriel caiu. Quando foi levantar, bateu a cabeça na caçamba. O Negão da Madeira e mais três policiais chegaram perto e começaram a bater nele caído no chão, com murro, com chute, com paulada”.

    O delegado Pedro Luís de Sousa, titular do 80º DP, iniciou ontem as investigações do homicídio ouvindo familiares de Gabriel e testemunhas do crime, além dos PMs suspeitos. Não houve reconhecimento de policiais no DP: o delegado deve aproveitar no inquérito os reconhecimentos feitos pela investigação do 22º BPM/M.

    Atendimento médico

    A família de Gabriel ficou revoltada com as idas e vindas entre hospitais por que o menino passou durante os quatro dias em que ficou internado. “Transferiram meu sobrinho igual a uma bola de pingue-pongue”, reclamou Janete Paiva, tia do menino. Inicialmente levado ao Hospital Regional de Pedreira, Gabriel foi levado no dia 18 ao Hospital Regional Sul, onde “ficou aguardando em uma maca num corredor”, conforme a prima dele, Tatiane Godoy. De lá, conforme o relato da família, retornou ao Pedreira. Dois dias depois, foi para o Regional Sul, onde ficou poucas horas. Na ambulância que o levava de volta para o Pedreira, sofreu convulsões. A ambulância deu meia-volta e retornou ao Regional Sul, onde os médicos constaram: Gabriel estava morto.

    Enterro de Gabriel Paiva, no último domingo | Foto: Daniel Arroyo/Ponte

    A respeito das idas e vindas entre os dois hospitais, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde enviou a seguinte nota:

    O atendimento ao paciente Gabriel Alberto Tadeu Paiva seguiu todos os protocolos clínicos para o caso dele, bem como respeitou as diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde), que funciona em rede. Toda a assistência necessária foi prestada. Ele deu entrada no Hospital Geral de Pedreira na madrugada do dia 17 de abril, passou por avaliação e foi internado na UTI do hospital. O paciente precisava passar por avaliação de um neurocirurgião e foi encaminhado, no dia 18 de abril, para realizar exames no Hospital Regional Sul, referência para neurocirurgia na região. O paciente apresentava condições clínicas de realizar o procedimento externo e foi encaminhado ao Regional Sul de ambulância UTI, com todo aparato técnico e assistencial. O paciente retornou ao Hospital Geral de Pedreira, unidade de origem e onde já estava sendo cuidado por equipe especializada. Ele ficou em observação e em monitoramento da evolução do seu quadro, mas não respondeu ao tratamento. Por isso foi necessária uma nova avaliação com neurocirurgião. No dia 20, novamente em uma ambulância UTI, o paciente foi encaminhado ao Regional Sul, mas apresentou uma intercorrência e foi a óbito.

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