“É lamentável que o Exército oculte autores de crimes gravíssimos”, diz procurador

     

    Sérgio Suiama, do Ministério Público Federal, comemora avanços no tema da punição a crimes cometidos durante a ditadura mas lamenta a postura do Exército, que “tenta criar obstáculos para nossas investigações”

     

    Foto: Milton Bellintani

     

     

    O Procurador da República, Sérgio Suiama, integra o Grupo de Trabalho Justiça de Transição, do Ministério Público Federal (MPF), responsável por investigar e levar a julgamento agentes do Estado envolvidos em crimes de lesa-humanidade, cometidos durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Ele é um dos autores da denúncia feita, em maio deste ano, contra cinco militares da reserva pelo envolvimento no homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens Paiva.

    O tema da punição aos crimes cometidos durante o regime militar esbarra na interpretação de que a Lei de Anistia de 1979 se estenderia aos agentes do Estado. Porém, em 2010, em uma sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil foi condenado a investigar e punir as violações cometidas durante o período, que não seriam passíveis nem de anistia, nem de prescrição.

    É com esse entendimento que o MPF vem movendo ações desde 2011. No total, foram abertas cerca de 200 investigações criminais e ajuizadas 9 ações penais contra 22 agentes da ditadura acusados de sequestros, homicídios e ocultação de cadáveres. Para o procurador, desde então, vem ocorrendo uma mudança de mentalidade. “Não apenas no meio jurídico, mas a sociedade como um todo parece ter compreendido que a responsabilização criminal dos autores desses crimes é necessária para que a democracia brasileira se consolide e a impunidade não mais persista.”

    Dois episódios recentes indicam avanço na responsabilização criminal dos torturadores da ditadura. Um deles foi a decisão do Tribunal Regional Federal da  2.ª Região, que negou o pedido de habeas corpus para os militares acusados da morte de Rubens Paiva. “Foi a primeira vez que um tribunal brasileiro reconheceu que os crimes cometidos por agentes da ditadura militar podem tecnicamente ser qualificados como crimes contra a humanidade e, assim, ser imprescritíveis e não passíveis de serem anistiados. É um importantíssimo precedente, verdadeiro marco da Justiça brasileira”, disse, em entrevista à Ponte. O segundo episódio foi um parecer emitido pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no qual defende a não aplicação da Lei de Anistia nos casos de crimes contra a humanidade, como desaparecimento, tortura e homicídio.

    Porém, o Exército brasileiro não pretende colaborar com o esclarecimento das violações praticadas durante a ditadura, já que o comandante da instituição, general Enzo Peri, proibiu os quartéis de colaborar com investigações sobre abusos ocorridos dentro dos quartéis, levando a familiares e defensores de direitos humanos a enviar uma carta à presidenta Dilma Rousseff pedindo a demissão do general. De acordo com Suiama, “é realmente notável a tentativa do comando do Exército de obstaculizar as investigações desenvolvidas por nós. A proibição de que as unidades do Exército forneçam diretamente os documentos requisitados pelo MPF não apenas atrasa as investigações; o que vemos é que as informações são submetidas a um filtro, e são suprimidos das respostas os dados necessários à identificação dos agentes que estavam diretamente envolvidos na repressão política”.

    Ponte- No começo de setembro, o TRF negou um habeas corpus impetrado pelo advogado dos militares acusados pela morte do ex-deputado Rubens Paiva em ação penal movida pelo MPF. Qual a importância dessa decisão?
    Sérgio Suiama-
    Foi a primeira vez que um tribunal brasileiro reconheceu que os crimes cometidos por agentes da ditadura militar podem tecnicamente ser qualificados como crimes contra a humanidade e, assim, ser imprescritíveis e não passíveis de serem anistiados. Antes dessa decisão, nós tivemos quatro juízes federais de primeira instância dizendo a mesma coisa, mas agora a decisão foi do Tribunal Regional Federal e foi tomada por três desembargadores. É um importantíssimo precedente, verdadeiro marco da Justiça brasileira.

    Ponte – No dia que a Lei de Anistia completou 35 anos, em 28 de agosto deste ano, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu um parecer defendendo a não aplicação da lei em casos de crimes contra a humanidade. Há mais de dois anos o Grupo de Justiça de Transição do MPF move ações contra agentes do Estado que cometeram crimes contra a humanidade durante a ditadura militar. Está havendo uma mudança de posicionamento sobre o tema da verdade, memória e justiça no país?
    Sérgio Suiama –
    Sim, a mudança é visível desde 2011, quando foram abertas cerca de 200 investigações criminais e ajuizadas 9 ações penais contra 22 agentes da ditadura – civis e militares – acusados de sequestros, homicídios e ocultação de cadáveres. Agora, as iniciativas dos procuradores de primeira instância foram ratificadas pelo procurador-geral da República em parecer na ADPF 320, que trata exatamente do cumprimento da sentença da Corte Interamericana. Acredito que não apenas no meio jurídico, mas a sociedade como um todo parece ter compreendido que a responsabilização criminal dos autores desses crimes é necessária para que a democracia brasileira se consolide e a impunidade não mais persista.

     

    “A sociedade como um todo parece ter compreendido que a responsabilização criminal dos autores desses crimes é necessária para que a democracia brasileira se consolide e a impunidade não mais persista”

     

    Ponte- Em fevereiro deste ano, o comandante do Exército, general Enzo Peri, proibiu os quartéis de colaborar com as investigações sobre as violências praticadas em suas dependências durante a ditadura. E em agosto, atendendo a tal proibição, um oficial da reserva e um da ativa negaram-se a comparecer em audiências da Comissão da Verdade. Qual é sua avaliação sobre tal postura? O que ela significa?
    Sérgio Suiama- Posso falar mais em relação ao Ministério Público Federal. É realmente notável a tentativa do comando do Exército de obstaculizar as investigações desenvolvidas por nós. A proibição de que as unidades do Exército forneçam diretamente os documentos requisitados pelo MPF não apenas atrasa as investigações, o que vemos é que as informações são submetidas a um filtro, e são suprimidos das respostas os dados necessários à identificação dos agentes que estavam diretamente envolvidos na repressão política. Por exemplo, nas informações prestadas sobre o general José Antônio Nogueira Belham, envolvido no homicídio do deputado Rubens Paiva, o Exército omitiu que o general comandou o DOI do Rio de Janeiro entre 1970 e 1971, e que, mais tarde, chefiou a seção de operações do Centro de Informações do Exército, onde chefiou o coronel Paulo Malhães, falecido em abril deste ano. A informação sobre a lotação do general só foi obtida porque o MPF cumpriu um mandado de busca na casa de Malhães e lá encontrou um documento contendo a referência. O prejuízo para as investigações é evidente e é realmente lamentável que uma instituição de um Estado democrático esteja empenhada em ocultar autores de crimes gravíssimos.

    Ponte- O MPF pretende tomar alguma medida para responsabilizar agentes que se negam a dar informações?
    Sérgio Suiama- O Grupo de Trabalho Justiça de Transição, do qual faço parte, representou ao procurador-geral pedindo providências contra os atos e omissões do comando do Exército.

    Ponte-  Como fica a decisão do STF sobre a Lei de Anistia?
    Sérgio Suiama- O julgamento, pelo Supremo, da ADPF 153, em maio de 2010, não resolveu todos os problemas e dúvidas gerados pela lei de 1979. Seis meses depois desse julgamento, um tribunal internacional condenou o Brasil à obrigação de investigar e punir os agentes do Estado que cometeram graves violações a direitos humanos durante o período ditatorial. A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tomada em relação aos desaparecidos políticos do Araguaia, não é um mero parecer ou recomendação; é uma sentença judicial que deve ser cumprida, uma vez que o Brasil espontaneamente resolveu submeter-se a essa Corte internacional, ao ratificar, em 1998, o artigo da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata da matéria. Assim, do ponto de vista do Direito, a decisão deve ser cumprida. Esse ponto não foi abordado pelo Supremo Tribunal na ADPF 153, estando, portanto, ainda em aberto.

    Ponte- Poderia falar brevemente sobre o funcionamento e objetivos do Grupo de Justiça de Transição?
    Sérgio Suiama- O Grupo de Trabalho Justiça de Transição foi criado em 2011, por iniciativa da Câmara de Coordenação em matéria criminal da Procuradoria Geral da República. Podemos dizer que o MPF é atualmente a única instituição brasileira comprometida integralmente com o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no que se refere à responsabilização criminal dos agentes estatais envolvidos em graves violações. Não se trata de iniciativas individuais e voluntaristas de um ou outro procurador, mas de uma posição defendida por toda a instituição, que soube reconhecer, desde a primeira hora, o caráter vinculante da sentença internacional.O objetivo do grupo é o de investigar e levar a julgamento os agentes do Estado envolvidos em crimes de lesa-humanidade. O trabalho dos procuradores do grupo é feito sem dedicação exclusiva, ou seja, cada um continua com suas responsabilidades e tarefas regulares.

     

     

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    osvaldo oliveira
    osvaldo oliveira
    9 anos atrás

    É lamentável que fatos dessa natureza ainda exista, prova de que houve crimes hediondos em Quarteis esta comprovados então que se prossiga as investigações e com base em depoimentos já tomados seja encaminhado ao setor competente, certamente o Comandante do Exercito não aprovaria lastrear que houve torturas nos quarteis, faltou com a verdade com a NAÇÃO, isso é depreciativo seria louvável que desse o ar de grandeza e abrisse a caixa preta da DITADURA referente o que aconteceu, ora falar meias verdades não foi bom para o País, também deixou a CNV em uma situação delicada, ora o que passou já existiu quem participou das maldade não foi o EXERCITO, e sim alguns poucos que se intitularam donos da razão, que sejam responsabilizados perante a opinião publica e na justiça. Vale ressaltar que fatos horríveis ainda persegue veja os atingidos por Atos de Exceção, em recente o senhor Presidente da Comissão de Anistia declarou a existência de que a corporação de farda cor azul, tenta no TCU desletimizar ações julgadas na comissão, ora não dar para entender que julgamentos transitados sentenciados por Órgãos responsáveis sejam levados a outros para desacreditar ações. A FAB neste caso esta dando mau exemplo, participar do Governo e adotar procedimentos que não esta cabível a sua competência. COMISSÃO DE ANISTIA, por Lei tem seu papel definido por sinal cumprindo religiosamente dentro dos parâmetros constitucional, ser questionada em Órgão por decisão tomadas é também desletimizar competência da comissão, os atos julgados pela Pasta esta embasada na sumula administrativa 2002.07.003/CA do Ministério de Justiça, Lei de Anistia 10.559/02, Item XI, então tentar desvirtuar, desacreditar vai de encontro com a Carta Maior do País.

    Pedro Leal
    Pedro Leal
    9 anos atrás
    Responder a  osvaldo oliveira

    A pergunta que não pode calar é: E a Dilma Vana Rousseff e seu grupo terrorista, quando sentarão no banco dos réus pelos crimes cometidos expressadas pela ficha criminal de Dilma Vana Rousseff Linhares, registrando que: no dia 6.10.1968 assaltou o Banespa; no dia 12.10.1968 fez Planejamento de assassinato do Cap. Charles Chandler; no dia 11.12.1968 assaltou à Casa de Armas Diana; no dia 24.01.1969, assaltou o 4º RI Quintauma; no dia 18.07.1969, assaltou à casa do governador Adhemar de Barros; no dia 1.08.1968, assaltou o Banco Mercantil de São Paulo; no dia 20.09.1969, assaltou o Quartel da Força Pública Barro Branco.” ?! O povo espera uma resposta!

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