“É um ato ditatorial”, afirma defensor de direitos humanos sobre decisão do ministro da Justiça

    Portaria de Alexandre de Moraes que suspende atos administrativos do Ministério da Justiça para áreas de direitos humanos por 90 dias ignora a Constituição Federal, afirmam especialistas

    Moraes
    O ministro interino Alexandre de Moraes

    A decisão do ministro interino da Justiça, Alexandre de Moraes, que impede a realização de atos administrativos, como convênios, assinatura de novos contratos, nomeação de novos servidores de gestão do Ministério da Justiça e Cidadania, por 90 dias, é alvo de críticas e preocupação de defensores de direitos humanos.

    Publicada no dia 13 no Diário Oficial, a decisão prevê que realização dos atos só poderá ocorrer mediante a aprovação de Moraes. Só ficam de fora da portaria as áreas policiais. A decisão afeta o funcionamento das secretarias de Direitos Humanos, das Mulheres e da Igualdade Racial.

    “É um ato ditatorial. Além do atual governo ter rebaixado o status da Secretaria de Direitos Humanos, agora o governo federal está praticamente paralisando ações relacionadas à defesa e proteção dos direitos humanos, incluindo crianças e adolescentes, indígenas, refugiados, sistema penitenciário, programas de proteção de vítimas e testemunhas, enfrentamento à homofobia, direitos dos idosos e de pessoas com deficiência, entre outras áreas e programas relevantes vinculados ao Ministério da Justiça”, afirma Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) e Coordenador Estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos.

    ‘Nada vai funcionar’

    Para ele, ao tomar para si todas as decisões sobre contratos, convênios e nomeação de servidores, o ministro da Justiça “demonstra que não confia nos servidores do Ministério nem em seus próprios subalternos, que ocupam cargos de confiança na pasta, como a própria secretária nacional de Direitos Humanos Flávia Piovesan”. Além disso, “sem delegação de competências nada vai funcionar. Tudo vai depender de passar diretamente por ele. Vai engessar a gestão das secretarias, diretorias, gerências, paralisando tudo, até ele apreciar cada procedimento, como convênios, repasses de recursos para entidades, contratos, e outros”.

    O conselheiro do Condepe apontou que, com a medida, o ministro ainda pode suspender as atuações de todos os Conselhos vinculados ao Ministério, como o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, Conselho Nacional do Idoso,Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, Conselho Nacional LGBT, entre outros, que dependem das diárias e passagens para que funcionem e realizem reuniões e audiências públicas.

    Constituição ignorada

    Kenarik  Boujikian, magistrada do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e cofundadora da Associação Juízes para a Democracia, afirma que esse ato “ignora solenemente a determinação constitucional que  diz que um dos fundamentos da nossa República é a dignidade humana  e que um de seus princípios é justamente a prevalência dos direitos humanos ( artigo 4º, II da CF)”.

    “Todas as políticas, programas e ações dos Conselhos, que têm por essência a promoção da dignidade, estão bloqueadas. Não haverá neste período qualquer  possibilidade de ação dos conselhos que existem para dar proteção aos mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, idosos, LGBT, os que sofrem discriminação racial, deficientes e todos os que necessitam da proteção, em razão das inúmeras violações de direitos humanos que acontecem no cotidiano deste Brasil”, lamenta a magistrada.

    Falta de compromisso com democracia

    A medida também foi criticada pelo advogado e mestre em direito pela USP, Renan Quinalha, que acredita que é “uma tentativa clara de centralização e interrupção das políticas públicas em curso no campo dos direitos humanos, submetendo-as à nova linha política do Ministério da Justiça. Isso desarticula as iniciativas, suprime a diversidade das ações da pasta e cria entraves para a defesa e a promoção dos direitos humanos, considerada uma área secundaria e desimportante”.

    Para ele, “é preciso questionar por que tal restrição se aplica apenas aos temas de direitos humanos. Não justifica economia de recursos ou qualquer outro argumento racional aplicável apenas aos direitos humanos. Isso é escolha política e ideológica de quem não tem compromisso com a democracia e os direitos humanos”.

    Outro lado

    Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça e Cidadania informou: “A portaria do ministro Alexandre de Moraes não suspendeu gastos mas sim as delegações administrativas. A partir de agora, todos os gastos deverão ser autorizados pelo ministro”.  A Ponte Jornalismo também solicitou uma entrevista com Alexandre de Moraes, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.

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