Houve excesso na ação da PM na praça da Sé, afirma tenente-coronel da corporação

    Segundo o PM Adilson Paes de Souza, os agentes não seguiram método que prevê que policiais disparem apenas duas vezes para conter agressor
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    Foto: Reprodução

     

    “O rapaz que fez a moça de refém recebeu vários tiros mesmo estando caído no chão. Isso é excesso”, afirma o tenente-coronel da Polícia Militar de São Paulo Adilson Paes de Souza. De acordo com ele, houve equívocos na operação da PM durante o sequestro que ocorreu na Praça da Sé, na última sexta-feira (04/09) e que resultou em tiroteios e duas mortes no centro de São Paulo. Uma das medidas que deveria ter sido tomada seria o isolamento da área, para evitar a aproximação de pessoas da cena. “Se a área tivesse sido isolada, ninguém teria entrado no perímetro”, diz Paes de Souza, na reserva desde 2012, após 30 anos de serviços prestados à PM. Além disso, o tenente-coronel explica que não foi seguido o método Giraldi, que prevê que o agente dispare apenas duas vezes e em pontos não vitais, como braço, ombro, cotovelo, mão, virilha, quadril.

     Como o senhor avalia a maneira que os policiais conduziram a ocorrência ocorrida na Sé, na última sexta-feira, 04/09, que resultou em duas mortes?

    Adilson Paes de Souza- Começo com uma ressalva: era uma situação muito complicada, eram duas horas da tarde, em plena Praça da Sé, com várias pessoas, imagino o foco de tensão para todo mundo, inclusive para os policiais. Esse é o pano de fundo. A pessoa que morreu estava fazendo uma mulher de refém e alguém da igreja fechou as portas. Acho que foi a medida correta, porque ele ficou contido: atrás dele só tinha a parede e a porta fechada. Porém, tecnicamente falando, numa ocorrência com refém, a primeira providência a ser tomada é o isolamento, o que se chama de cordão de isolamento.

    E isso não foi feito?

    Adilson Paes de Souza- Ao que parece, não. O morador de rua que se atracou com o rapaz chegou normalmente, ele nem estava correndo tanto assim, estava com passo acelerado e conseguiu entrar pela lateral da igreja. Isso mostra que cordão de isolamento não tinha sido feito. Aqui da minha casa, assistindo às imagens, é o que vejo.

    Tecnicamente, houve uma falha no isolamento, tanto é que a pessoa entrou e se atracou com o agressor. Não sei o que seria possível de se fazer lá, mas a norma manda isolar e depois se chama o negociador. Isso se chama de contenção de crise. Essas são as primeiras medidas que devem ser tomadas e não foram. Isso falhou, tanto é que a pessoa que fez a moça de refém deu dois tiros no morador de rua.

    Caso a área tivesse sido isolada, o senhor não teria entrado e consequentemente não teria sido morto

    Adilson Paes de Souza- Se a área tivesse sido isolada, ninguém teria entrado no perímetro. No cenário, havia a porta fechada e a parede da igreja atrás. É uma barreira física. Sobrou a lateral. A regra é clara, tem que isolar, para evitar o que aconteceu, evitar que mais pessoas se tornem reféns ou que aconteça o que aconteceu. O rapaz que estava fazendo a moça de refém deu dois tiros e pelo que vi nas imagens, os policiais deram vários tiros, mas nenhum acertou o morador de rua. Acho primordial que foi instaurado um inquérito para apurar. O que se percebe é que o rapaz que fez a moça de refém recebeu vários tiros mesmo estando caído no chão. E isso é excesso. Não foi seguido o método Giraldi.

    Poderia explicar o que é o método Giraldi?

    Adilson Paes de Souza- É um método excelente, chamado de tiro de defesa da vida, criado pelo coronel Nilson Giraldi, aposentado da PM há muito tempo. É um método tão bom que é copiado pela polícia de outros países como método ideal de tiro de defesa da vida, de conter alguém, mas visando a preservação da vida. E esse é o treinamento dado na PM há muito tempo. A PM, quando é questionada por seu padrão de letalidade, a primeira coisa que ela fala é: “temos o método Giraldi”. É a resposta padrão. Ele é utilizado como bela explicação de que a polícia está fazendo de tudo para preservar a vida. É um treinamento no qual o policial ganha mais pontos se acertar as áreas menos vitais do alvo, como braço, ombro, cotovelo, mão, virilha, quadril. E sempre na sequência de dois disparos com o objetivo de cessar a resistência. Porém, ao olhar no vídeo da ocorrência na Sé, foram dados vários disparos de maneira sequencial, mesmo com a pessoa caída no solo. Até acho acertado dar o tiro porque ele estava atirando contra o morador de rua. Mas era para dar dois tiros. E quando ele cai e lança a arma, leva mais tiros. Isso está errado.

    E esses disparos foram dados em pontos vitais ou não vitais?

    Adilson Paes de Souza- Não vi tiro que tenha acertado a cabeça, mas deve ter acertado o peito. Para ele ter morrido lá, na hora, é porque com certeza acertou área vital, como fígado, coração, peito. O método Giraldi não foi seguido, porque ele prevê que se acerte área não vital e com a sequência de dois tiros. O que acho mais grave é que a pessoa estava caída, lançou a arma e continuou levando tiro. Nesse sentido, houve excesso. É difícil falar em excesso quando uma pessoa pega uma mulher, agarra pelo pescoço, aponta uma arma contra ela, dá coronhadas.. Para a sociedade, esse cara é um monstro, então é difícil de falar tecnicamente em excesso porque os policiais são heróis para a sociedade.

    Os inúmeros disparos poderiam ter atingido outras pessoas?

    Adilson Paes de Souza- Poderiam sim, porque ao se atirar bastante, pode perfurar o corpo do alvo, bater na parede, ricochetear e acertar em alguém como parece que aconteceu, ou o policial acertar alguém mesmo. Fazendo novamente a ressalva que estávamos falando de Praça da Sé lotada, uma ocorrência de tensão extrema, fica a pergunta: os policiais estavam treinados? Quantas vezes nos últimos anos eles passaram pelo treinamento do método Giraldi? Esse treinamento é feito com rotina? Com assiduidade? Por mais grave que seja uma situação e o policial não é um robô, ele é um ser humano, se espera dele uma resposta diferenciada, tem que ter treinamento para ter o maior controle emocional possível para agir dentro das normas, que nós vimos que não foram seguidas. É isso que se espera deles. Não estou crucificando o policial, mas se espera do Estado uma resposta mais qualificada.

     

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