Impedido de fumar narguilé em bar, PM mata cabeleireiro

    O soldado Samuel Pine Garcia Rosa, 30 anos, usou pistola .40 da Polícia Militar de SP para promover terror em bar da zona leste de SP; ele e o irmão, que é professor, foram presos após o crime, no fim da madrugada deste domingo (14/12)
    Bar onde o soldado da PM de SP Samuel Pine Garcia Rosa matou cabeleireiro, após não conseguir tragar narguilé
    Bar no Itaim Paulista, zona leste de SP, onde o soldado da PM Samuel Pine Garcia Rosa, 30 anos, matou o cabeleireiro José Raimundo Ribeiro dos Santos, 40, após não conseguir tragar narguilé | Google Street View/Reprodução

    O soldado da Polícia Militar de SP Samuel Pine Garcia Rosa, 30 anos, e seu irmão, o professor Daniel Pine Garcia Rosa, 29, foram presos em flagrante no começo da madrugada deste domingo (14/11), após o PM assassinar com um tiro o cabeleireiro José Raimundo Ribeiro dos Santos, 40, disparar contra um comerciante e dar coronhadas em um pedreiro.

    Os crimes aconteceram em um bar no Itaim Paulista, na zona leste de São Paulo e, segundo testemunhas ouvidas pela Polícia Civil e pela Corregedoria da Polícia Militar, foram motivados porque o soldado Samuel e seu irmão foram impedidos de tragar um narguilé (cachimbo de vidro utilizado para fumar tabaco aromatizad0) no local. 

    Apesar de cometido com uma pistola .40 da Polícia Militar do Estado de São Paulo, em poder de um soldado treinado pelo Estado para integrar as suas forças de segurança, o assassinato do cabeleireiro José dos Santos não entrará para a estatística oficial sobre letalidade policial.

    Quando a Secretaria da Segurança Pública apresentar as estatísticas criminais em seu site, a morte do cabeleireiro José dos Santos será classificada como um homicídio doloso praticado por qualquer cidadão comum. A pasta estadual explicita apenas “mortes em decorrência de intervenção policial”, antes chamadas de “resistência [à prisão] seguida de morte”.

    A não classificação de assassinatos cometidos por PMs fora do horário de trabalho como parte da letalidade policial, como no caso da morte do cabeleireiro José dos Santos, representa uma omissão de 18,5% do total de mortos por PMs no Estado de São Paulo. Essa constatação só é possível a partir da análise dos dados do Centro de Inteligência da Polícia Militar.

    Conflito entre PMs e população mata 50 por mês em SP. Desde 1995, PMs mataram 10.379 no Estado de São Paulo; 1.190 PMs foram vítimas
    Conflito entre PMs e população civil mata 50 por mês em SP. Desde 1995, PMs mataram 10.379 no Estado de São Paulo; 1.190 PMs foram vítimas

    Entre mortes cometidas durante o trabalho e na folga, PMs mataram 10.379 pessoas em São Paulo, no período de julho de 1995 a julho deste ano. Foram 8.453 mortos por PMs em “mortes decorrentes de intervenção policial”, os supostos confrontos e mais 1.926 mortes, como a do cabeleireiro José dos Santos, em situações como brigas de trânsito, por motivos passionais, vingança e etc.

    Ao todo, os supostos enfrentamentos entre PMs e parte da população civil fizeram 11.569 mortos, entre julho de 1995 e julho deste ano — 10.379 civis e 1.190 PMs. São, em média, 50 mortos (45 civis e cincos PMs) a cada mês.

    Tragada no narguilé

    Na versão do crime apresentada à Polícia Civil por três testemunhas, por volta das das 4h50 de domingo (14), o soldado da PM Samuel, armado com uma pistola .40 pertencente à Polícia Militar de SP e e vestido com roupas comuns, foi com seu irmão ao bar para beber.

    Depois de alguns goles na parte interna do bar, o PM Samuel e seu irmão pegaram algumas cervejas para tomá-las do lado de fora do local.

    Quando chegaram à calçada do bar, o PM Samuel e seu irmão caminharam na direção de um grupo de jovens que fumavam narguilé e pediram para dar umas tragadas.

    Ao ouvir como resposta que esperassem os jovens que já estavam ali fumar primeiro, o PM Samuel se revoltou e chutou o cachimbo de vidro, o destruindo em vários pedaços.

    Logo após destruir o narguilé, o PM Samuel agarrou um dos adolescentes pelo pescoço e o ameaçou de morte. Enquanto o policial apertava a garganta do jovem, o dono do bar, Nivaldo Gonçalves de Sousa, 49 anos, partiu em defesa do rapaz e tentou puxar o policial militar.

    Ao mesmo tempo em que Nivaldo afastava o PM Samuel do jovem, o irmão do soldado, Daniel, puxou Gláucia Molina de Sousa, 37 anos, pelos cabelos e acertou um tapa em seu rosto. Gláucia é mulher de Nivaldo e o ajudava no atendimento aos clientes. Após a agressão, ela fugiu correndo do bar para chamar a polícia.

    Impedido por Nivaldo de continuar a tentar esganar o jovem, o PM Samuel tirou sua arma da cintura e atirou, uma vez contra o rapaz e outra contra o comerciante Nivaldo de Sousa, mas não acertou em nenhum dos dois, que correram.

    Pânico 

    Ainda segundo as testemunhas, fora de controle, o PM Samuel passou a apontar sua arma contra os outros frequentadores do bar e também deu uma coronhada na testa do pedreiro Paulo Ferreira da Silva, 41 anos, tio do jovem que foi pego pelo pescoço pelo policial militar.

    Quando se virou na direção do cabeleireiro José Raimundo Ribeiro dos Santos, 40, o PM Samuel o acertou com um tiro. Antes de fugir do bar, o policial militar e seu irmão ainda continuaram a agredir as outras pessoas que lá estavam.

    O cabeleireiro José dos Santos foi levado pelo comerciante Nivaldo para o Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, mas já chegou morto ao pronto-socorro.

    O PM Samuel e seu irmão Daniel foram localizados por policiais militares a cerca de cem metros do bar onde aconteceram o homicídio contra o cabeleireiro José, a tentativa de homicídio contra o comerciante Nilvaldo e a lesão corporal contra o pedreiro Paulo.

    PM fica calado. Irmão nega briga por narguilé

    Questionado pelo delegado Marcelo Marques de Oliveira, do 50 DP (Itaim Paulista), o PM Samuel não quis apresentar sua versão sobre o crime. Até a conclusão desta reportagem, ele não havia constituído advogado de defesa.

    Na tentativa de justificar a morte do cabeleireiro José dos Santos, o professor Daniel, irmão do PM que cometeu o crime, disse ao delegado que a confusão no bar começou quando a vítima os provocou ao questionar o motivo dos irmãos ficarem à porta do banheiro do bar, um esperando o outro utilizá-lo.

    Segundo a versão do professor Daniel, ele e o cabeleireiro José discutiram enquanto o PM Samuel estava no banheiro. Daniel afirmou ter levado uma gravata de José e, caído no chão, foi agredido por ele com um chute no rosto. Foi no momento da agressão que, de acordo com o professor, o PM Samuel deixava o banheiro e partiu em sua defesa, identificando-se como policial militar.

    O professor Daniel disse ao delegado que o cabeleireiro José também tentou aplicar uma gravata no PM Samuel e ainda quis pegar a arma do policial que, somente nesse momento, o acertou com um tiro.

    Em depoimento, Daniel negou que os crimes no bar foram motivados pela discussão após os jovens terem impedido ele o PM Samuel de fumar narguilé. Daniel também não tinha constituído advogado de defesa até a conclusão desta reportagem.

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