Justiça nega pedido de prisão temporária de PMs acusados de espancar Luana Reis

    Segundo o juiz Luiz Augusto Freire Teotônio, “não houve provas da intenção homicida dos investigados” e cabe à Justiça Militar julgar o caso. Ministério Público recorreu da decisão

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    Luana Reis tinha 34 anos e era mãe de um menino de 14 anos. Ela morreu em 13/04, após ser espancada por três PMs

    Por Alê Alves,
    especial para a Ponte Jornalismo

    O juiz Luiz Augusto Freire Teotônio, da 1ª Vara do Júri de Ribeirão Preto (SP), negou o pedido de prisão temporária dos policiais Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo, do 51º Batalhão da Polícia Militar, investigados sob suspeita do espancamento que teria matado Luana Barbosa dos Reis, na periferia de Ribeirão Preto. O pedido de prisão temporária havia sido feito pelo delegado que acompanha o caso, Euripede Stuque, do 3º Distrito Policial da cidade do interior paulista.

    Na decisão, publicada na última sexta-feira (13/05), o juiz afirma que “não existe nos autos prova da intenção homicida dos investigados a autorizar prisão por tal razão”, e que não há comprovação de que os policiais “tenham agido com dolo” (deliberação de violar a lei com pleno conhecimento do que se faz) “na prática de homicídio”.

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    Por entender que não houve homicídio, mas “quiçá prática de lesão corporal seguida de morte”, o juiz indeferiu o pedido de prisão dos policiais “no que toca à indiscriminação de homicídio” e remeteu os autos do processo “ao juízo competente (Justiça Militar) por não se tratar de crime contra a vida”.

    No documento, o juiz afirma também que uma “testemunha presencial” declarou não ter visto os policiais agredindo Luana no local dos fatos e que ela, “mesmo com as pernas amarradas ou algemadas, dava cabeçadas dentro do veículo”.

     Clique na imagem para ler a decisão do juiz Luiz Augusto Freire Teotônio

    Clique na imagem para ler a decisão do juiz Luiz Augusto Freire Teotônio

    Na quarta-feira (18/05), o promotor de Justiça do Ministério Público de Ribeirão Preto, Eliseu José Berardo Gonçalves, recorreu da decisão do juiz. Na avaliação dele, houve um homicídio. “Pelo espancamento severo, pelo local em que ela foi atingida, com os golpes na cabeça que causaram a isquemia cerebral. Mesmo que essa moça tenha resistido no início e tentado agredi-los, eu tenho certeza que o policial militar, ainda mais o que atua na rua, com a experiencia que tem, sabe a força que deve usar para conter. Eles sabem os seus limites. Foi um espancamento, uma crueldade, no mínimo. Eles assumiram o risco: bater na cabeça é óbvio que pode matar”, afirma.

    Com a decisão do juiz, os autos foram enviados à Justiça Militar. Segundo o delegado Euripede Stuque, os inquéritos não foram concluídos e a denúncia não foi formalizada: “Faltaram pessoas para serem ouvidas. Os policiais militares nem os policiais de plantão na delegacia naquela noite ainda não tinham sido ouvidas.” O depoimento da mãe de Luana, que estava agendada para a terça (17/05), não ocorreu porque  “a Polícia Civil não está mais acompanhando o caso”, afirmou Stuque.

    O recurso protocolado pelo Ministério Público de Ribeirão Preto, que solicitou a permanência dos autos na Justiça comum e não na Militar, será agora avaliado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

    Proteção a testemunhas

    Segundo o promotor Eliseu Gonçalves, o pedido de prisão foi feito pelo delegado, pois ele precisava investigar e ouvir depoimentos. “As testemunhas estavam com medo de depor. O próprio fato, a simples condição de se tratar de policiais já atemoriza as pessoas. Com os policiais soltos, as testemunhas têm mais medo”, afirma.

    Na avaliação de Luiz Carlos dos Santos, relator da Comissão de Violência Policial e Letalidade do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo  (Condepe), está havendo uma “postura protetiva” pelo comando militar da região. “A prisão dos policiais seria para estabelecer uma ordem de proteção aos que já testemunharam e aos que vão testemunhar”, afirma.

    Para Santos, o caso de Luana é “emblemático” e requer atenção do Poder Judiciário. “A gente vê crimes de racismo e discriminação nesse caso, pela cor dela e pelo bairro onde morava. Eles tentam desqualificar a Luana pelo fato de ela já ter tido passagem pela polícia, mas ela já havia cumprido pena e não tinha mais pendências com a Justiça”, afirma.

    Daniel Rondi, advogado da família de Luana, também criticou a negação do pedido de prisão temporária. Em sua avaliação, “uma decisão justa só existe se os policiais forem julgados pelo povo a que eles servem. Não numa situação em que eles são condicionados por seus companheiros de batalhão e julgados pela instituição à qual servem”. Rondi complementa: “O filho de Luana disse no depoimento que os policiais colocaram as pernas dela para fora da viatura e bateram nelas com a porta várias vezes. Os policiais são treinados pelo Estado, eles assumiram o risco de matar Luana quando desferiram os golpes. Eles bateram a porta nas pernas dela mesmo ela estando imobilizada.”

    Renata Martins, coordenadora da Comissão do Negro e Assuntos Antidiscriminatórios da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Ribeirão Preto, lamentou a decisão. “Entendemos que já há provas suficientes para esse mandado de prisão. Para além de atrapalhar as investigações com eles soltos, é um sentimento de inconformismo de ver que os policiais encontram-se soltos. Familiares e vizinhos falaram que viaturas passaram bem devagar na porta da família dias depois do que aconteceu, como tentativa de intimidar”, diz Martins.

    Relembre o caso

    Segundo familiares de Luana entrevistados pela Ponte, na noite do dia 8 de abril ela levava seu filho a um curso de informática no centro de Ribeirão Preto quando parou em frente a um bar para cumprimentar um amigo. Ao ser abordada por policiais militares que circulavam no bairro Jardim Paiva II, recebeu um soco e um chute ao perguntar por que estava sendo revistada, agressões que a fizeram cair no chão. Ao se levantar, Luana desferiu um soco na boca de um policial e um chute no pé de outro, sendo então espancada pelos PMs com socos, chutes, cassetetes e o capacete que usava, ainda de acordo com familiares.

    Levada para o 1º Distrito Policial da cidade, ela estava com hematomas, semiconsciente e sem forças para permanecer em pé quando teve de assinar um TC (Termo Circunstanciado) registrado por desacato à autoridade e lesão corporal. Após cinco dias internada, alguns dos quais em coma, Luana morreu em decorrência de uma isquemia cerebral causada por um traumatismo cranioencefálico.

    (Veja abaixo vídeo em que Luana relata os acontecimentos)

    Segundo o exame necroscópico emitido pelo Instituto Médico Legal (IML) de Ribeirão Preto, a morte de Luana foi causada por “traumatismo crânio-encefálico com isquemia cerebral provocada por dissecção de artéria vertebral à esquerda secundária a espancamento”.

    A ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH) solicitaram uma “investigação imparcial com perspectiva de raça e gênero na elucidação das violências cometidas contra Luana.” Em nota, publicada no dia 4 de maio, a ONU diz que sua morte é um “caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil.”

    Os policiais acusados de espancar Luana foram afastados de suas funções após solicitação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Ribeirão Preto e região, que foi notificada pela Polícia Militar, no dia 7 de maio, de que os policiais acusados passarão a atuar em atividades administrativas. Na segunda (16/05), houve uma audiência na Câmara dos Vereadores de Ribeirão Preto para discutir o caso.

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