Laudo aponta falta de dados em GPS de viatura onde jovem algemado teria se matado

    Perícia não encontrou informações sobre o trajeto do veículo da PM em que, segundo versão oficial, José Guilherme da Silva teria dado um tiro na cabeça mesmo algemado com os braços para trás. Caso aconteceu em Limeira (SP), em setembro de 2013

    José Guilherme da Silva

    Por Arthur Stabile,
    da Ponte Jornalismo

    Laudo pericial do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo não conseguiu colher informações do GPS da viatura em que José Guilherme da Silva, então com 20 anos, morreu com um tiro na cabeça, em setembro de 2013. O caso aconteceu em Limeira, cidade distante 145 km da capital paulista, após o jovem, acusado de roubo, ser preso por policiais militares. Segundo os agentes, no trajeto entre o local da ocorrência e a delegacia José Guilherme teria dado um tiro na própria cabeça, mesmo algemado com os braços para trás.

    A análise do tablet da viatura tentou verificar o histórico de navegação e o trajeto entre as 21 horas do dia 14 de setembro e a 1 hora do dia seguinte, período em que se desenvolveu a ocorrência. Nenhum dado foi gravado no cartão de memória de capacidade de 2 GB nessas quatro horas. Ainda houve falha na leitura do cartão SIM do aparelho. Além de a memória do GPS não apresentar dados, o Núcleo de Perícias Criminalísticas de Campinas (SP) também não encontrou registros desse dispositivo específico no servidor da Polícia Militar de São Paulo.

    Laudo não conseguiu colher informações do GPS da viatura da PM (clique na imagem para ler o documento na íntegra)
    Laudo não conseguiu colher informações do GPS da viatura da PM (clique na imagem para ler o documento na íntegra).

    Sem obter informações, a perícia acionou a fabricante do produto, Maxtrack, que respondeu: “Não possuímos quaisquer informações a respeito do histórico de utilização do mesmo, tendo em vista que, após a saída da fábrica, o cliente utiliza o produto de acordo com sua operação de rastreamento”, argumentou, repassando a responsabilidade dos dados à PM. “As informações em questão deveriam estar armazenadas em servidor da própria Polícia Militar do Estado de São Paulo”, diz a resposta da empresa, incluída no laudo.

    Procuradas pela reportagem, a Polícia Militar de São Paulo e a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não haviam se manifestado até a publicação desta matéria.

    Ao analisar o laudo inconclusivo, o promotor de Justiça substituto, Jonas Mariezo Moyses, requereu o retorno dos autos com diligências à delegada do caso, Siddhartha Carneiro Leão. O documento foi assinado no último dia 21 de junho.

    Moyses solicitou diversas informações que faltavam no processo quase três anos depois da ocorrência: o GPS da viatura de apoio presente na ocorrência, na qual José Guilherme não estava; a resposta da autoridade policial se houve exame residuográfico nas mãos dos três policiais militares envolvidos na ocorrência, análise na qual é verificada a presença de pólvora; a busca por testemunhas que acompanharam a abordagem; e, por fim, o envio dos laudos para o Instituto de Criminalística analisar o local exato de partida do tiro que matou o jovem.

    Um dos pedidos, a entrega do tablet da viatura de apoio, ainda não foi atendido, segundo Fernanda Felix, a advogada que defende a família de José Guilherme da Silva no caso. “Ainda não mandaram o GPS da viatura de apoio. Não está bem explicado esse caso. É estranho não haver registros do período da ocorrência [no aparelho da viatura onde ele estava],  e ter dados de trajeto realizado no mesmo dia, em outros períodos. Se fosse um problema no dia todo, não era de se estranhar tanto”, questiona.

    O caso

    Na noite do dia 14 de setembro de 2013, em Limeira (SP), José Guilherme da Silva foi preso pelo roubo de uma mercearia, em que o filho do proprietário acabou atingido por um disparo. Revistado pelos PMs, o jovem foi colocado no camburão da viatura da Força Tática e encaminhado para a delegacia. Aproximadamente 30 pessoas presenciaram a abordagem e a entrada de José Guilherme na viatura.

    Segundo a versão dos três policiais envolvidos na abordagem, o jovem conseguiu esconder um revólver calibre 38 da revista feita por eles. Utilizou essa arma para cometer suicídio, mesmo algemado e com os braços para trás, de acordo com eles. Ouviram o disparo na parte de trás da viatura e, na tentativa de socorrê-lo, levaram-no para um hospital da cidade. José Guilherme chegou com vida, mas não resistiu ao ferimento. Outro jovem suspeito acabou preso.

    A família estranhou a história contada pelos policiais desde o início. Segundo relato da mãe do jovem, Cláudia Bertaioli da Silva, ao “El País Brasil”, um dos policiais envolvidos no caso declarou a ela ser melhor “antes ver a senhora chorando do que ver a minha mãe. Bandido que mexe com polícia acaba assim”. Cláudia afirma que o filho foi executado.

    Seis meses após o caso, a Justiça determinou a realização de nova perícia por considerar inconsistente a versão de suicídio. De março de 2014 até o momento, novos laudos inconclusivos foram entregues para análise. “Já foram, ao menos, três perícias. Agora, a juíza tem de deferir os pedidos feitos pelo promotor no laudo. O problema desse caso é que houve erro desde o início. A falha maior é terem mexido no local da ocorrência e não terem feito exame nas mãos dos policiais na hora. O erro começou lá atrás”, aponta a advogada Fernanda Felix. “Cada vez aparece uma coisa a mais, mas só porque vamos atrás”, prossegue, citando a insistência da família em solucionar a morte de José Guilherme da Silva.

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