Operação policial joga bombas na Cracolândia e censura jornalista

    Uma ação das Polícias Civis e Militar cercou ruas do centro de São Paulo e lançou bombas de gás lacrimogêneo na população. PMs surrupiaram o celular de uma repórter e apagaram imagens

    Durante uma operação realizada hoje na Cracolândia, na região central de São Paulo, policiais militares detiveram a jornalista Daniella Laso, da rádio CBN, e apagaram do seu celular as imagens que ela havia gravado da ação policial.

    A repórter estava acompanhando a ação e, de dentro do carro da empresa – devidamente identificado – ao lado do motorista Carlos José da Silva, fotografava e filmava os policiais, que revidavam com bombas às pedras jogadas por moradores da região. Neste momento, foi abordada por um PM que questionou o fato de ela estar gravando e tentou tomar o celular dela. Daniella se negou a entregar o aparelho, dizendo que se tratava de um instrumento de trabalho. Tanto ela quanto o motorista estavam com os crachás da empresa pendurados no pescoço. O policial, então, a ameaçou. O relato da jornalista para a CBN, por volta das 10h30, foi assim:

    “Nesse momento, um policial abriu a porta do carro e puxou o motorista pra fora. Outro policial abriu minha porta e pegou o meu celular – peguei de volta e disse que não poderia entregar, eu estava trabalhando. Ele ficou muito nervoso, disse que iria me algemar, me jogar no chão e me retirar do carro pra fazer abordagem. Saí do carro e uma PM revistou a minha bolsa – aí sim ela pegou o celular da empresa e levou pra outros policiais, enquanto revistaram o carro, o motorista e a mochila dele, assim como a minha”.

    Policiais cercaram ruas do centro de São Paulo nesta manhã
    Policiais cercaram ruas do centro de São Paulo nesta manhã

    Daniella disse que uma policial feminina fez a revista nela. “Disseram que seríamos levados pra delegacia e enquadrados em crime de desobediência, mas, depois de meia hora, fomos liberados. Entregaram meu celular e, quando fui ver as gravações, elas tinham sido apagadas. Fiquei muito assustada pela atuação do policial. E não sei o motivo de as gravações terem sido apagadas. Se era uma ‘operação legal’, o vídeo não deveria ter sido apagado”, questiona Daniella, que também disse saber quais os nomes de todos os policiais que participaram da abordagem abusiva.

    Ao grupo Jornalistas contra o Assédio, que manifestou solidariedade à jornalista, Daniella afirmou que registrou boletim de ocorrência por abuso de autoridade no 77º Distrito Policial.

    Colegas de imprensa informaram que, no grupo de Whatsapp mantido pela Polícia Militar para troca de informações com repórteres, a ação da corporação foi criticada e questionada, mas ninguém se pronunciou.

    Sobre a ação

    A operação policial realizada nesta manhã envolveu o Departamento de Narcóticos da Polícia Civil de São Paulo (Denarc), o Grupo de Operações Especiais (GOE), também da Polícia Civil, e a Polícia Militar, com forte presença da Tropa de Choque. De acordo com o Denarc, uma investigação apontou a existência de uma espécie de QG do tráfico no coração da Cracolândia, ao lado da estação da Luz, no centro de São Paulo.

    O objetivo da ação, que contou com a participação de mais de 500 policiais, era o de cumprir 19 mandados de prisão, mas até o momento houve a confirmação de 15 capturas. Houve lançamento de bombas de gás lacrimogêneo sobre dependentes químicos e o arrombamento de hotéis que participam do programa De Braços Abertos e outros estabelecimentos. O Choque sitiou o local, fechando os acessos nas ruas Dino Bueno e Helvétia.

    Policiais em ação na Cracolândia
    Policiais em ação na Cracolândia

    Segundo o Coletivo Autônomo de Trabalhadores Sociais – Catso, a operação usa a justificativa de prisão de traficantes, mas foi, na verdade, fruto um acordo entre a Porto Seguro, que é mantenedora de um teatro inaugurado há pouco tempo na região, e o Governo do Estado de São Paulo para “limpar” a cracolândia. Segundo o coletivo, a PM usou de forte aparato de repressão, lançando bombas de gás lacrimogêneo e fazendo abordagens humilhantes dos dependentes químicos. Observando à distância a ação, havia um grupo de seguranças particulares contratados pelo Grupo Porto Seguro.

    Outro lado

    Procurada por e-mail, tanto a Polícia Militar de São Paulo quanto a Porto Seguro não se manifestaram até o fechamento desse texto. A SSP realiza uma coletiva de imprensa na sede neste começo de tarde.

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