Penitenciária de São Paulo realiza reconhecimento de paternidade coletivo

    Às vésperas do Dia dos Pais, oito reeducandos de Potim, no interior do estado, passaram seus sobrenomes aos filhos, de cinco meses a 11 anos de idade

    Daniel e seus filhos, em Potim (Foto: Divulgação/SAP)
    Daniel e seus filhos, em Potim (Foto: Divulgação/SAP)

    Cerca de 5,5 milhões de crianças no Brasil não têm o nome do pai na certidão de nascimento, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Graças a um evento realizado pelo Centro de Ressocialização e Atendimento à Saúde (CRAS) da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) do Estado de São Paulo, nove crianças foram retiradas dessa estatística ao serem reconhecidas por oito pais presos na Penitenciária 1 de Potim, que fica a 186 quilômetros da capital paulista. O evento de reconhecimento de paternidade coletivo aconteceu na última quinta-feira (11), às vésperas do Dia dos Pais, neste domingo (14).

    Os oito detentos de Potim registraram formal e oficialmente os seus respectivos filhos. As nove crianças, de 5 meses a 11 anos de idade, ganharam o sobrenome paterno em seus documentos civis. Houve, inclusive, dois casos de reconhecimento socioafetivo – quando o pai não é consanguíneo, mas, sim, de coração. Para a coleta de assinaturas, uma tabeliã do Cartório de Potim foi à penitenciária. Ao todo, os trâmites burocráticos para o reconhecimento de paternidade coletivo tramitaram por um mês.

    Daniel, um dos presos, diz que queria há muito tempo repassar o sobrenome “Souza” a seus dois filhos. Criado apenas pela mãe, Daniel quer servir de exemplo a seus dois filhos, uma menina e um menino. “Só quero que meus filhos tenham um futuro diferente. Eles podem me ter como exemplo de que precisamos ‘pagar’ por nossos erros”, dizia enquanto a pequena Clara lhe agarrava o pescoço num gesto carinhoso. Agora, Clara e outras oito crianças de São Paulo deixam de passar pelo constrangimento de não ter a filiação completa na certidão de nascimento e no RG.

    Menina no colo do pai, em Potim (Foto: Divulgação/SAP)
    Menina no colo do pai, em Potim (Foto: Divulgação/SAP)

    Os pais que assumiram os filhos foram presos por tráfico, homicídio e roubo, segundo a SAP. Os olhos da menina Clara se encheram de lágrimas assim que Daniel entrou no pavilhão educacional. Ali, o sentimento da saudade dominou o espaço. Embora quisesse parecer forte e estivesse engolindo o choro, ela estava visivelmente emocionada. Fazia sete meses que não se viam.

    O diretor geral da unidade, Gustavo Testa, disse que a ação fortaleceu os laços familiares. “O objetivo do reconhecimento de paternidade foi atender aos dispositivos da Lei de Execução Penal, considerando o desígnio de que o sentenciado não deve romper com os vínculos familiares estabelecidos nem com a sociedade – que, ainda restritos, devem ser mantidos”.

    Segundo a diretora do CRAS da penitenciária, Karina Prates, a iniciativa serviu como um exercício de conscientização das responsabilidades que os sentenciados devem ter junto aos filhos. “A subjetivação da regularização dessa documentação caracteriza a percepção do importante papel de um pai na formação de uma criança”, diz.

    Quem são os presos?

    Eder, 31 anos (pai de uma menina de 7 anos, cumpre 10 anos de pena)

    Foi criado pelo pai e pela mãe, que se separaram quando ainda tinha 7 anos. Nessa época, ele foi morar com o pai. Sempre teve um relacionamento forte com o pai, pois este nunca lhe deixou faltar nada, tanto material como afetivamente. Diz que quer fazer o mesmo com seus filhos. Assim, a assunção da paternidade de sua filha é uma demonstração de carinho, responsabilidade e amor.

    Gilson, 49 anos (pai de uma menina de 4 anos, cumpre 17 anos de pena)

    Criado pelo pai e pela mãe, desde pequeno trabalhou com os pais na roça. Contudo, não havia muito diálogo, dado o trato rústico da família. “O pessoal do Norte é fechado, sisudo”, fala. Possui uma filha biológica, da qual não teve, por circunstância da vida, oportunidade de participar da criação. Por isso, o reconhecimento de paternidade socioafetiva será uma oportunidade de dar amor, carinho e orientação para a criança. “Sobretudo para que ela nunca pare em um lugar como ‘este’”, explica. Meses atrás, durante a festa junina na escola, foi requerido que ela tirasse uma foto como recordação do momento, mas a garotinha não queria. Apenas quando a mãe disse que a foto seria enviada ao pai é que a menina concordou, prontamente.

    Reconhecimento paterno coletivo aconteceu no dia 11 (Foto: Divulgação/SAP)
    Reconhecimento paterno coletivo aconteceu no dia 11 (Foto: Divulgação/SAP)

    Ivan, 32 anos (pai de um menino de 5 meses, cumpre 2 anos de pena)

    Criado pelo pai e pela mãe, sempre teve bom relacionamento com ambos, em especial com o pai, a quem considera amigo, parceiro. “Ele é tudo pra mim. Abaixo de Deus, somente meu pai”, revela. Esse companheirismo que experimentou com o pai quer transmitir para seu filho, pois sabe que isso será importante para o futuro dele. Acredita que ter um pai faz toda diferença na vida.

    Ciro, 29 anos (pai de uma menina de 4 anos, cumpre 1 ano de pena)

    Criado apenas pela mãe, não teve sua paternidade reconhecida. A função paterna foi cumprida por seu avô materno, a quem reconhece como um excelente ‘pai’. Inclusive, o avô criou 14 filhos (todos honestos e trabalhadores), sendo um verdadeiro exemplo de homem e pai. Desse modo, quer poder ter a oportunidade de ser ao menos um pouco do que seu avô foi e reconhecer civilmente sua filha e dar a ela tudo aquilo que o pai não lhe deu: atenção, carinho, amor. Quer ser um bom pai e amigo.

    Daniel, 30 anos (pai de uma menina de 5 anos e de um menino de 3 anos, cumpre 5 anos de pena)

    Foi criado pela mãe, pois seu pai faleceu quando ainda era bebê. Sentiu muito a ausência durante toda a vida. Sempre quis reconhecer legalmente seu filho, porém, estava foragido da Justiça. Embora não tenha feito o reconhecimento da paternidade, garante que jamais deixou de amar a criança. Para ele, a oportunidade de reconhecer civilmente seu filho será o primeiro passo para um futuro melhor junto com sua família.

    Cristiano, 40 anos (pai de um menino de 14 anos, cumpre pena de 7 anos de pena)

    Foi criado pelo pai e pela mãe, e sempre mantiveram um bom relacionamento. Em casa, havia liberdade e diálogo. Acredita que o reconhecimento da paternidade proporcionará um estreitamento de laços com seu filho, pois quer tê-lo por perto e fortalecer o vínculo. Gostaria de repetir com seu filho a boa relação que teve com seu pai.

    Lucas, 23 anos (pai de uma menina de 6 meses, cumpre 4 anos de pena)

    Criado pela mãe, não teve o reconhecimento paterno e isso lhe fez enorme falta. Inclusive acredita que sua história poderia ter sido outra se tivesse um pai presente. “Talvez não estivesse aqui”, acredita. Ele não quer que a dor que sofreu seja replicada na criança. Assim, o reconhecimento de sua filha servirá para que ela não se sinta desamparada e sofra com a dor que é crescer sem pai.

    Alisson, 20 anos (pai de um menino de 2 anos, cumpre 1 ano de pena)

    Criado pelos avós maternos, pois sua mãe faleceu e seu pai o abandonou. A relação com o avô foi muito conflituosa, pois havia muitas brigas por conta da rigidez de sua educação. Com o reconhecimento da paternidade, deseja que o filho tenha um pai presente, ao contrário do que ocorreu com ele, e acredita que isso será determinante para que o menino não cometa os mesmos erros que ele quando se deparar com as coisas erradas da vida.

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