“Rebelião Jornalística” mostrou nova fase do jornalismo independente

    Enquanto coletivos debatiam formação de redes e busca por novas narrativas, perto dali a violência de manifestantes fez lembrar porque esse jornalismo é tão necessário

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    Teve festa e porrada no sábado, 15/11. A festa rolou no encontro entre coletivos de comunicação formados por jornalistas e ativistas, alguns saídos da mídia tradicional, outros que sempre trabalharam criando a própria mídia e todos buscando outro jeito de contar o mundo, durante o evento Rebelião Jornalística, organizado por Ponte e Agência Pública. O encontro teve transmissão em streaming (abaixo) com a parceria do  Liquid Media Laab.

    Já a porrada rolou na avenida Brigadeiro Luís Antonio, próximo à sede da Ponte, que recebeu o evento. A manifestação pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff, juntou um grupo raivoso, que incluía até um garoto com indumentária skinhead armado de soco inglês, que ameaçou participantes do evento que foram ver a passeata.

    O ódio que gritava nas ruas ao lado serviu como mais um lembrete de como é necessária a rebelião do jornalismo comprometido com as causas sociais. O evento “Rebelião Jornalística” foi pensado para celebrar a parceria entre a Ponte e a Agência Pública, que atuou como incubadora da Ponte entre março e outubro deste ano. Também serviu para pensar sobre a comunicação sem patrão, feita a partir dos coletivos. Na fala de vários participantes, ficou claro que o jornalismo independente ingressa numa nova fase, em que a busca de novas narrativas, apoiadas na apuração jornalística bem feita, se torna mais importante do que o panfletarismo ou as críticas à “velha mídia”.

    Jornalismo que muda vidas

    O jornalismo independente baseado em reportagem é algo que faz parte tanto do DNA da Pública como da Ponte. “Nós valorizamos o repórter, que é o ‘sangue nos olhos’ do jornalismo”, disse Marina Amaral, fundadora da agência junto com Natália Viana e Tatiana Merlino (que hoje está na Ponte), na abertura do evento. Natália afirmou que a Pública trabalha como um laboratório de experimentação jornalística, e que, além do apoio para o início da Ponte, criou produtos como o Truco, site que conferia a veracidade das frases dos candidatos à Presidência, pensado para “fazer com que mentir se tornasse um custo político”.

    Ao apresentar a Ponte, Maria Carolina Trevisan e Laura Capriglione destacaram o jeito horizontal de ser do coletivo, em que tudo é decidido junto, e o modo como o site busca usar a reportagem como uma peça importante no quebra-cabeças da justiça social. Os exemplos foram a história de José, menino negro preso injustamente pela polícia e libertado após uma reportagem de dois repórteres da Ponte, Bruno Paes Manso e André Caramante, e a cobertura da expulsão de famílias sem-teto de um edifício na avenida São João, realizada por todos os jornalistas do coletivo. A reportagem engrossou a pressão da sociedade civil, que fez o Tribunal de Justiça criar uma comissão para a negociação das reintegrações de posse no município, a pedido da Prefeitura. “Com uma narrativa correta, a partir da vida concreta das pessoas, o jornalismo é capaz de produzir mudanças”, afirmou Laura.

    A segunda parte do evento, com o tema Jornalismo de Guerrilha, abriu o microfone para outros coletivos de jornalismo e mostrou a sintonia e a força dessas iniciativas. Antonio Martins, do Outras Palavras, que divide com a Ponte o mesmo espaço em um prédio do Bixiga, disse que o jornalismo feito fora das grandes redações está trocando o panfletarismo e a crítica à velha mídia pela construção de novas narrativas. Haroldo Ceravolo, do Opera Mundi, concordou: “Construímos nos últimos dez anos uma nova história do jornalismo independente”. Ele citou como exemplo a reportagem de Tatiana Merlino e Igor Ojeda sobre violência sexual na FMUSP, “o principal furo da semana”.

    Trabalhar em rede, com foco na transformação social, também é a estratégia da Mídia Ninja. “A gente se vê como veículo que consegue capacitar e potencializar a narrativa dos movimentos sociais”, disse Rafael Vilela. Ele citou como exemplo de apuração em rede o projeto A Conta D’água, em que os jornalistas de vários grupos, entre eles a Ponte, se uniram para produzir materiais jornalísticos sobre a crise hídrica.

    Gustavo Faleiros, do Laboratório de Inovação em Jornalismo Ambiental, mencionou outra experiência inovadora, a plataforma de mapeamento JEO, criada pelo grupo para monitorar o desmatamento da Amazônia, e que vem sendo aproveitado por sites de outros países, por exemplo, para vigiar a caça ilegal aos rinocerontes da África do Sul. Aline Rodrigues apresentou o Periferia em Movimento, um projeto que busca “retratar as periferias com o olhar de quem está dentro e para quem está dentro”.

    Invisíveis e coletivos

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    A terceira parte do evento, Tribuna Aberta, apresentou as mais novas iniciativas do jornalismo sem patrão: a SP Invisível, que desafinou o mundo feliz do Facebook ao retratar histórias de vida de moradores de rua,  o Nós, Mulheres da Periferia, que conta com nove correspondentes comunitárias, a revista Vaidapé, que busca dar ouvido a vozes que não encontram espaço na sociedade, o Guerrilha [GRR], coletivo de cultura urbana que anunciou o lançamento de uma revista impressa, e o R.U.A. Foto Coletivo, que surgiu para documentar os protestos de 2013 e ampliou seu olhar para a produção de imagens a partir de longos mergulhos de seus fotógrafos no cotidiano dos retratados.

    Depois, foi a vez da sessão de vídeos. A Ponte apresentou O Estado que arranca olhos, sobre o drama de Alex Silveira e Sérgio Silva, dois fotógrafos cegados por balas de borracha da PM, as cenas da reintegração de posse na avenida São João e uma entrevista com Emicida sobre racismo. Da Agência Pública, vieram os minidocs Severinas, de Eliza Capai, sobre o impacto do Bolsa Família na estrutura patriarcal de famílias no interior do Piauí, e Quantos mais presos, maior o lucro, de Paula Sacchetta, que retrata os dilemas do primeiro presídio privado do País.

    A Rebelião Jornalística chegou ao fim com uma presença internacional, a da argentina Laura Zommer, diretora-executiva do Chequeado,  que checa as declarações não só de autoridades públicas, como de empresários e da imprensa, dizendo quando estão mentindo ou falando a verdade, ou em algum grau intermediário entre os dois. A equipe da Agência Pública responsável pelo Truco, inspirado no Chequeado, conduziu o debate.

    Foi então que as mesas, cadeiras e debates deram lugar a uma pista de dança, comandada pelas DJs Bia Abramo e Cris Naumovs. Pouco antes da festa, um jornalista de um grande veículo havia comentado, enquanto via os debates: “No meu trabalho os jornalistas estão tão deprimidos e sem perspectivas. E aqui eu vejo todo mundo tão alegre e cheio de ideias… foi bom ter vindo”.

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