Sargento da PM que confessou farsa para executar pedreiro é preso

    Libertado na noite de sexta-feira (06/02), sargento da PM de SP foi preso novamente nesta terça-feira (10/02), horas depois da reportagem revelar soltura. Outros três PMs também tiveram prisão temporária (30 dias) decretada pela Justiça
    Em reprodução simulada da execução, o sargento Akira (com a submetralhadora) mostra aos policiais da Corregedoria da PM como executou pedreiro, que estava rendido e desarmado | Reprodução
    Em reprodução simulada do crime, o sargento Akira (com a submetralhadora) mostra aos policiais da Corregedoria da PM como matou pedreiro, que estava rendido e desarmado | Reprodução

    A juíza Ana Helena Rodrigues Mellim, do 4º Tribunal do Júri de São Paulo, decretou nesta terça-feira (10/02) a prisão temporária (30 dias) dos PMs Marcos Akira Rodrigues Teixeira, 35 anos, e Djalma Aparecido do Nascimento Junior, 25. Os dois montaram uma farsa para tentar justificar o assassinato do pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, 32, em 1º de janeiro deste ano.

    Por ordem do Tribunal de Justiça Militar, os dois PMs foram presos pela primeira vez em 4 de janeiro. Eles ficaram 30 dias no Presídio Militar Romão Gomes, no Jardim Tremembé, zona norte de São Paulo, e acabaram soltos na última sexta-feira (06/02), após a Justiça Militar negar a prorrogação por mais 30 dias da prisão temporária dos dois policiais.

    Veja imagens da reconstituição da execução cometida pelos PMs contra o pedreiro

    O sargento Akira e o soldado Djalma são integrantes da Força Tática (suposto grupo especial de cada batalhão da PM de SP) do 2º Batalhão da PM e, segundo o próprio Akira, simularam um tiroteio contra o pedreiro Ribeiro, logo após ele ter sido baleado pelos dois PMs, isso quando já estava rendido.

    A magistrada Ana Helena Mellim também decretou a prisão temporária de outros dois PMs: o sargento Antonio Eduardo Prado, 46 anos, e do cabo Luis Alberto Almeida Lima, 49. Eles estão envolvidos no homicídio de Vitor Lofte Barbosa, 22 anos, ocorrido quase que ao mesmo tempo e a cerca de 170 metros daquela farsa que vitimou o pedreiro Ribeiro.

    Segundo os quatro PMs, Ribeiro e Barbosa tinham ligação com uma quadrilha que explodiu caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil em uma avenida da Vila Jacuí, periferia da zona leste de São Paulo, e onde os dois viviam.

    As prisões dos quatro PMs aconteceram poucas horas depois de a reportagem informar que o sargento Akira e o soldado Djalma haviam sido libertados. O quarteto está agora no Presídio Romão Gomes.

    Evangélico e arrependido, o sargento Akira foi quem revelou à Corregedoria (órgão fiscalizador) da PM toda a farsa sobre a execução do pedreiro Ribeiro.

    A farsa dos PMs
    No destaque, o revólver calibre 32 plantado por PMs ao lado do corpo de O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, executado quando estava dominado | Reprodução
    No destaque, o revólver calibre 32 plantado por PMs ao lado do corpo de O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, executado quando estava dominado | Reprodução

    Primeira hora de 1º de janeiro de 2015. Rua Erva de Ovelha, Vila Jacuí, periferia da zona leste de São Paulo. O pedreiro Vagner de Sousa Ribeiro, um homem negro de 32 anos, vestindo camiseta regata de uma torcida uniformizada do Palmeiras, está em pânico.

    Acuado, atrás de uma cama de casal em um quarto escuro, Lápis, como é conhecido desde a infância nas ruas do bairro, implora para não ser morto por dois policiais do 2º Batalhão da Polícia Militar que, a pouco mais de dois metros de distância, o tem sob a mira de suas armas.

    Os PMs gritam para que o pedreiro saia de trás da cama e, com as mãos para o alto, se renda. Ribeiro reluta, grita não estar armado e implora para que os PMs não atirem. Quando decide deixar o escudo da cama, Ribeiro é jogado ao chão por dois tiros de uma submetralhadora Famae, calibre .40.

    Após breve silêncio, Ribeiro recebe mais quatro disparos. Dessa vez eles partem de uma carabina CT, calibre .30. O cheiro da pólvora se mistura ao do sangue que escorre do corpo do pedreiro enquanto o sargento da PM Marcos Akira Rodrigues Teixeira, responsável pelos dois primeiros tiros, se aproxima do homem estirado.

    A luz do quarto é acesa quando o soldado Djalma Aparecido do Nascimento Junior, autor dos outros quatro tiros contra Ribeiro, os de carabina .30, se aproxima do seu superior imediato, o sargento Akira, e entrega para ele um revólver calibre 32.

    Assim que pega o revólver da mão do soldado Djalma, o sargento Akira dá três tiros com a arma. Dois acertam as paredes do quarto onde Ribeiro já está morto e o terceiro, a porta. Em seguida, a arma é colocada perto do corpo do pedreiro.

    Simultaneamente à morte de Ribeiro, a 170 metros de distância, na rua Erva de Carpinteiro, outra equipe de PMs cerca Vitor Lofte Barbosa. Moradores do lugar ouvem quando Barbosa grita “pelo amor de Deus” para não ser morto e, em seguida, sete tiros são ouvidos.

    Quatro dos sete tiros contra Barbosa são disparados pelo sargento Antonio Eduardo Prado. Os outros três são dados pelo cabo Luis Alberto Almeida Lima. Os dois PMs são da Força Tática do 29º Batalhão.

    Levado para o Hospital Santa Marcelina, Barbosa morre. O corpo de Ribeiro fica no quarto onde foi baleado, à espera da perícia. Logo após as mortes, o DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, é acionado para investigá-las.

    A farsa sobre a morte de Ribeiro continua quando os PMs Akira e Djalma prestam depoimento ao delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP. Eles inventam uma versão fantasiosa para a morte de Ribeiro: ele estava armado, atirou vezes contra os PMs e morreu no revide.

    Os PMs afirmam que Ribeiro e Barbosa, vizinhos na Vila Jacuí, integravam uma quadrilha de ladrões que, no Reveillon de 2014 para 2015, usou explosivos para atacar os caixas eletrônicos de uma agência do Banco do Brasil, distante cerca de 500 metros das casas de ambos.

    O primeiro caso de “morte sob intervenção policial” ou “resistência seguida de morte” de 2015 começou a mudar três dias depois (04/01) quando o sargento Akira procurou um pastor evangélico para revelar que a morte de Ribeiro havia sido a execução de um homem desarmado e já rendido.

    Orientado pelo pastor, o sargento Akira, acompanhado de seu irmão, Paulo, decide ir à Corregedoria da PM. Lá, ele revela em detalhes a farsa montada juntamente com o soldado Djalma para tentar justificar a morte de Ribeiro.

    O sargento da PM de SP Marcos Akira Rodrigues Teixeira, 35 anos, confessou como executou pedreiro
    O sargento da PM de SP Marcos Akira Rodrigues Teixeira, 35 anos, confessou como executou pedreiro

    Assim que a Akira revela a verdade sobre a morte de Ribeiro, o juiz Luiz Alberto Moro Cavalcante, do Tribunal de Justiça Militar de SP, determina a prisão temporária, por 30 dias, do sargento Akira e do soldado Djalma.

    Até a confissão de Akira, a Corregedoria da PM tratava as mortes de Ribeiro e de Barbosa como “resistência à prisão seguida de morte” ou “morte sob intervenção policial” — que é quando o morto consta na apuração como “autor” e o PM, responsável pela morte, a “vítima”.

    Ao tentar justificar a execução de Ribeiro, o sargento Akira disse “ter perdido a cabeça e ficado com raiva”.

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