Sem-teto são despejados de ocupação na Zona Oeste de São Paulo

    Dezenas de famílias foram obrigadas  a deixar o local na manhã da última segunda-feira (9); sem-teto foram divididos em duas novas ocupações na região

    Foto: Daniel Arroyo

    Por Kaique Dalapola (texto)
    e Daniel Arroyo (fotos e vídeo), da Ponte Jornalismo

     

    A meia-noite da última segunda-feira (09/05), para muitos, marcava o início de uma semana normal. Mas, para dezenas de famílias da ocupação Carolina Maria de Jesus, começava a contagem regressiva para profundas mudanças em suas suas vidas. Depois de um ano e três meses ocupando um edifício em Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo, os moradores foram removidos por decisão da juíza Glaucia Lacerda Mansutti, que decretou que eles deveriam deixar o local até as sete horas da manhã.

    O prédio, que fica próximo à Avenida Brigadeiro Faria Lima e ao Shopping Eldorado, com privilegiada vista para o Jockey Club de São Paulo, está abandonado desde outubro de 2004 pela Massa Falida do Banco Santos, segundo o movimento Terra Livre, responsável pela ocupação.

    O imóvel, ocupado em 13 de fevereiro de 2015, chegou a ter 70 famílias. Os moradores dos 12 andares do prédio viviam em barracos construídos com madeira. A energia elétrica era improvisada nos barracos, onde, no geral, só havia uma lâmpada. Os corredores eram escuros e o único banheiro do prédio funcionava no andar térreo.

    Foto: Daniel Arroyo

    “Li que todo cidadão tem direitos. Mas, pelo jeito, nós não temos”

    “Ter que sair dessa portaria não vai ser fácil”, disse Aline Lima, de 36 anos, porteira do prédio. “Vivemos várias histórias aqui, ainda estou confiante que vamos continuar”, disse Graziela Borges Santos, de 23 anos.

    Era pouco mais de uma hora da madrugada quando alguns moradores, na sala de recepção da ocupação, começaram a debater que nome seria dado à nova ocupação do movimento Terra Livre, para onde iriam após o despejo. O consenso era de que ela deveria homenagear um “guerreiro” reconhecido por sua luta contra a ditadura militar instaurada no Brasil com o golpe de 1964. “Nós continuamos sendo humilhados, maltratados, tudo como era no período da ditadura. Por isso, quem passou aquela época merece ser homenageado”, defendeu Karina Holanda, cuja proposta foi aderida por outros moradores.

    Com o passar das horas, apreensivos, os sem-teto somente torciam para que o dia amanhecesse em paz. “Eu só quero que eles [policiais] respeitem as pessoas, e que não seja igual às outras reintegrações em que humilham crianças, mulheres e todo mundo”, comentou Aline, às quase três horas da madrugada. “Li, esses dias, que todo cidadão tem direitos. Mas, pelo jeito, nós não temos”, concluiu.

    Quanto mais se aproximava o amanhecer, mais nítida ficava a tensão. “Eles [da Companhia de Engenheira de Trafego – CET] ainda não colocaram os cones para fechar a rua. Tomara que não venham. Gosto de morar aqui”, disse outra moradora que não quis se identificar, por volta das quatro horas da manhã.

    Ao constatarem que já passava das seis horas da manhã e não tinha havido nenhuma movimentação da CET ou da Polícia Militar, responsáveis, respectivamente, pela sinalização de fechamento da rua e pela reintegração, os moradores do edifício se reuniram novamente em uma assembleia.

    Apesar das orientações de não resistirem à força policial, coordenadores da ocupação Carolina Maria de Jesus sinalizaram que ainda existia a possibilidade de não haver reintegração. Caso a PM não fosse ao local ou o Banco Santos não disponibilizasse caminhões para transportar os pertences dos moradores, a ocupação seria mantida.

    A assembleia foi interrompida pela chegada da CET e das primeiras viaturas da Polícia Militar. “Agora já era. Sabe-se lá até quando vamos ficar na outra ocupação”, lamentou uma moradora ao ver, da janela, a movimentação que ganhava a rua. Minutos depois, caminhões de uma empresa contratada pela Massa Falida do Banco Santos estacionavam em frente ao prédio. Tudo caminhava para a desocupação.

    Neste momento, coordenadores da ocupação defenderam que as famílias seguissem na luta por moradia. “A pobreza, a violência, os abusos, nada é natural. Nada é impossível de mudar. Por isso, devemos seguir lutando”, defendeu o estudante Fabrício Mendes, de 22 anos, militante do movimento Terra Livre.

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    Ao determinar a reintegração, a juíza Glaucia Lacerda Mansutti passou por cima das decisões do Conselho Tutelar, da Pessoa com Deficiência, do Grande Conselho do Idoso, do Conselho Participativo e até mesmo da SEHAB (Secretaria Municipal de Habitação), segundo Thiago Mendes, advogado do Terra Livre.

    “Por duas vezes a juíza entregou à PM a organização da reintegração da posse e, pelas duas vezes que foram adiadas, o conselho disse que a PM não havia ‘cuidado disso’. Nós tentamos dizer que a Polícia Militar não podia ser a responsável pelo processo e que era pra entregar a reintegração para responsabilidade da GRAORP [Grupo de Apoio a Organização da Reintegração de Posse], que o próprio Tribunal de Justiça instituiu”, explica Mendes. “No entanto, ela rejeitou e mandou de novo, pela terceira vez, para a Polícia Militar ser responsável [pela reintegração], que agora foi feita”, concluiu.

     Da rua ao movimento

    Graziela Borges Santos, que estava há 11 meses na ocupação, afirmou que já desistiu dos sonhos que tinha quando era criança. “Pobre não tem sonho, tem que acordar e lutar”, diz. Mas quando sua amiga Nina, de apenas nove anos, contou que ela deseja ser cantora, a jovem de 23 anos deixou escapar um sorriso e seus olhos brilharam. Ela confirma que gosta de cantar – rap e gospel – mas se recusa a dar uma “palinha” para a reportagem.

    Atualmente, Graziela mora sozinha, tem amigos e fala, com entusiasmo, das noites em que sai para baladas. No entanto, na infância, morou na rua e foi abusada pelo padrasto. Confira, abaixo, vídeo com sua entrevista para a Ponte Jornalismo.

    Da inocência às dúvidas

    “Por que a polícia quer tanto nos tirar daqui? Só eles podem ter casa para morar?”, questiona Nina, de nove anos, apelidada de “jornalista” pelos moradores da ocupação por gostar de contar histórias.

    Além das conversar bastante, Nina auxiliava a mãe e os três irmãos a encher os caixotes e gavetas com os parcos pertences da família. O fato de ser a mais nova dos irmãos não a impede de dar bronca nos mais velhos. “Não está vendo que não aguento essa caixa? Leva você!”, disse ao irmão Paulo Antônio, de 14 anos.

    A menina é filha da Aline, porteira do prédio, e vai morar em uma ocupação, no bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo, enquanto Graziela irá para outra ocupação. Apesar disso, as duas amigas garantem que não vão se distanciar.

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    Outro lado

    Questionada pela Ponte Jornalismo sobre a ausência de abertura de negociação com o movimento que, há um ano e três meses ocupava o prédio, e sobre qual é seu projeto para o prédio cuja posse retomou, a Massa Falida do Banco Santos, proprietária do edifício, limitou-se a responder que “a operação foi dentro da lei, com apoio da Polícia Militar e todos os órgãos necessários”.

     

     

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