Testemunhas confirmam autoria de policiais militares em chacina da Pavilhão 9

    Depoimentos colhidos no Fórum Criminal da Barra Funda reiteraram que o ex-agente Rodney Dias dos Santos e o soldado da PM Walter Pereira da Silva Júnior participaram da matança de oito pessoas, em abril

    foto 2
    Familiares e amigos protestam pedindo punição

     

    Eram dois homens. Um deles usava casaco de moletom vermelho. Outro, azul. Gritaram: “Todos pro chão, aqui é a polícia, todo mundo de cara pro chão!”. Os disparos começaram. O rapaz chegou a deitar, mas, quando viu que Mydras Schmidt Rizzo ignorou a ordem e foi abrir o portão, seguiu o colega e saiu correndo, enquanto os dois homens seguiam disparando. Mydras não teve a mesma sorte que ele, que conseguiu fugir e foi para o posto de gasolina ao lado do local invadido. Instantes depois, desnorteado, voltou para acudir o amigo, Ricardo Junior Leonel do Prado, que ficara do lado de dentro, quando viu oito pessoas caídas, agonizando. O amigo já estava revirando os olhos. Deu os últimos suspiros… e morreu.

    O testemunho é de Ralf Ocana, um dos sobreviventes da chacina ocorrida na quadra da torcida organizada corinthiana Pavilhão Nove, em 18 de abril deste ano, onde oito pessoas foram assassinadas após um churrasco. O sobrevivente depôs durante a segunda audiência de instrução do caso, ocorrida no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste de São Paulo, na qual foram ouvidos, além dele, uma pessoa que testemunhou de forma sigilosa e que passou mal durante o depoimento e o delegado Marcelo Bianchi, que presidiu o inquérito que até agora indiciou dois policiais acusados de envolvimento na matança.

    Oito torcedores foram assassinados na chacina: Ricardo Junior Leonel do Prado, 34 anos; Andre Luiz Santos de Oliveira, 29 anos; Matheus Fonseca de Oliveira, 19 anos; Fabio Neves Domingos, 34 anos; Jhonatan Fernando Garzillo, 21 anos; Marco Antônio Corassa Junior, 19 anos; Mydras Schmidt, 38 anos; e Jonathan Rodrigues do Nascimento, 21 anos.

    Os acusados de participar da chacina são o ex-policial militar Rodney Dias dos Santos, um dos sócios-fundadores da uniformizada do Corinthians, e o soldado da PM Walter Pereira da Silva Júnior, do 33º Batalhão da Polícia Militar (BPM), acusado de envolvimento numa chacina ocorrida em Carapicuíba (SP), no ano passado. Ambos participaram da audiência e estão presos. Um terceiro policial teria participado dos crimes e está sendo investigado pela Polícia Civil: é o segundo sargento da PM Marcelo Mendes da Silva, do 14º Batalhão da corporação, em Osasco. Ele é investigado, ainda, sob a suspeita de participar da série de atentados ocorrida em 13/08 em bairros da periferia de Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, que deixou 19 mortos.

    De acordo com a Polícia Civil, os autores da chacina teriam envolvimento com tráfico de drogas e foram até a sede da Pavilhão para um “acerto de contas” com Fábio Domingos, um dos mortos.

    No dia 27 de novembro haverá mais uma sessão da audiência, quando serão ouvidas outras testemunhas e será definido se os dois serão levados a júri popular.

    Grupos de extermínio

    O delegado Marcelo Bianchi afirmou que as testemunhas ouvidas durante o inquérito reconheceram o policial e o ex-policial como autores das mortes. “Não temos nenhuma dúvida da autoria. Jamais iria pedir a prisão se não fosse essa a conclusão”. Bianchi disse que o PM Silva Júnior está sendo investigado por participação em outras chacinas, como a ocorrida em Carapicuíba. “Ele faz parte de grupos de extermínio”, afirmou. “Ele é da turma que executa, faz parte de organização criminosa, não tenho dúvida disso.”

    Segundo o delegado, crimes de chacina são de difícil investigação, “pois, via de regra, os policiais da área sabem que ela irá acontecer e limpam o local do crime, para que não se encontrem cápsulas”. Bianchi também apontou que o ex-policial Dias dos Santos tinha passagem por tráfico de drogas e já foi preso por receptação. “Também traçamos o perfil psicológico dele, que é de uma pessoa extremamente violenta, que tem sangue frio para matar”.

    Durante o depoimento do delegado Marcelo Bianchi, o ex-agente Rodney Dias dos Santos mexia a cabeça, resmungava e mordia os lábios, olhos fixos no policial civil. Já o soldado Walter vestia uma camiseta amarela e ficou o tempo todo de costas para o público, conversando apenas, vez ou outra, com um PM responsável pela escolta.

    De acordo com Bianchi, as testemunhas sobreviventes têm muito medo de serem mortas. “Ele sabe que pode acontecer algo”, disse, referindo-se à testemunha protegida. Já Ralf Ocana também teme ameaças. Disse que depois do que viu, ficou muito traumatizado e não quis contato com mais ninguém.

    Abandonada pelo Estado

    Familiares, amigos e integrantes da torcida organizada acompanharam a audiência, que foi precedida de um protesto na entrada do Fórum, com faixas exigindo justiça para seus mortos. “Estou abandonada pelo Estado. O Estado matou meu marido”, disse Lana Rizzo, viúva de Mydras, que deixou dois filhos, uma menina de cinco anos e um bebê de um ano de idade. Lana emocionou-se com o depoimento de Ralf Ocana, que disse: “O Mydras me salvou. Ele levou um tiro enquanto abria o portão. Aí ele correu para um lado e eu para o outro”.

    “Espero que esses policiais paguem pelo que fizeram. Meu filho saiu de casa e não voltou mais. Ninguém tinha o direito de fazer isso com ele”, lamenta Milena Maia do Prado, mãe de Ricardo Junior Leonel do Prado, 34 anos. “Não tenho coragem de assistir às notícias na tevê que falam desse assunto, nem mexer nas coisas dele. Só por deus que consegui vir aqui hoje”.

    foto 5
    Audiência de instrução ocorreu no Fórum da Barra Funda

    Entre os familiares, também estava Marco Corassa, pai de Marco Antônio Corassa Júnior, de 19 anos. “Minha expectativa é que a verdade venha à tona e os responsáveis sejam punidos”. Roque Fonseca, avô de Matheus Fonseca de Oliveira, também de 19 anos, era outro familiar que acompanhava a audiência. “Eu ando de cabeça erguida, não tenho do que ter medo. A única desgraça que aconteceu na nossa vida foi essa”, disse o senhor de pele escura e enrugada. “Dizem que ele [o neto] tentou correr e levou quatro na cabeça. É muito doído”, disse, entre lágrimas.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas