Turmas de medicina da PUC de Campinas pagam mais de R$ 90 mil para não sofrerem suicídio social

    Gilmar Júnior, especial para a Ponte

    Dinheiro gasto em festas regadas a drogas, prostitutas e bebidas é “tradição” do curso do medicina em universidade de Campinas, no interior de São Paulo.
    Ilustração Junião
    Ilustração Junião

    Noventa mil reais. O valor em questão, que torna possível a compra de carros 0 km, ou até mesmo de uma casa própria em algumas regiões do Brasil é o cobrado de cada turma ingressante no curso de medicina da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas, interior de São Paulo, para a realização de encontros, jogos universitários, festas regadas a bebidas, prostitutas e até de drogas fabricadas pelos próprios alunos.

    O dinheiro destinado à Atlética e a comissões de formatura ainda tem a função de creditar aos estudantes um suposto prestígio social diante dos veteranos, evitando que sejam excluídos das atividades acadêmicas, conforme informações obtidas com exclusividade pela Ponte.

    Posto em votação pelos formandos de 2019, a maioria decidiu pelo não pagamento do valor estipulado pela atlética e pelas comissões, o que foi entendido como uma afronta à tradição e à “Família” da medicina PUCCAMP, que é constituída pelo conjunto esportivo, Centro Acadêmico e a AAASP (Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa), conforme revelou a matéria da Ponte veiculada no dia 13/01.

    Fontes ouvidas pela reportagem afirmam que alunos são perseguidos e agredidos, inclusive com jatos de urina, em represália por terem se recusado a fazer o pagamento.

    Compromissos financeiros

    As obrigações funcionam da seguinte forma: a Atlética e as comissões de formatura apresentam os eventos às turmas que realizarão até o ano da conclusão de curso e calculam o valor do pagamento. No caso da turma que deve se graduar em 2019, seriam R$ 35 mil destinados a AAASP, e R$ 53 mil para comissões de formatura, podendo haver acréscimos no decorrer dos anos e sem considerar projeções de inflação. Após a apresentação a turma define se vai ou não aceitar a associação.

    Apesar de poderem votar contrariamente aos valores estabelecidos, os estudantes que se opuserem às taxas são mal vistos e excluídos socialmente do meio estudantil, conforme relata o estudante “X”, que solicitou que sua identidade não fosse revelada.

    “Somos uma turma de 56 alunos. 37 votaram contra e 19 a favor da associação. Algumas outras turmas já chegaram a votar contra, mas a comissão conseguiu reverter, diferentemente da nossa turma que demonstrou autonomia. Apesar da reunião ter sido a portas fechadas, os 19 que votaram a favor pegaram o nosso nome e espalharam para a faculdade. A atlética então começou a colocar a culpa nos 19, por não terem dado um jeito (ter ganhado a votação). Aí a Atlética avisou que ia isolar a turma e que os 19 teriam que trancar a matrícula e partir para a turma seguinte (cujas aulas só teriam início no semestre seguinte).”

    X revela ainda que nas semanas seguintes à votação os alunos que optaram pela associação tentaram convencer a maioria, mas não conseguiram e tiveram que se aliar à turma do semestre anterior, que concordou em pagar os compromissos financeiros.

    Desvio de verba

    No arquivo em PowerPoint colocado aos estudantes (disponibilizado abaixo), é possível visualizar o detalhamento de cada tópico, bem como o valor destinado a eles. Entre as vantagens em ser associado à atlética estão o mantenimento da tradição da “Família” PUCCAMP e a proteção de membros da sala contra possíveis retaliações de cunho físico e moral. Como desvantagens, eles apontam para dificuldades em gerenciar prestações de contas e  a exclusão dos alunos da atlética.

    Outro lado

    Sobre os fatos expostos junto à CPI das Universidades, a Instituição já havia sido informada em 2014, quando desencadeou processos disciplinares internos, bem como, a comunicação do ocorrido para as autoridades externas competentes. A prática de qualquer tipo de trote é proibida na Universidade pela Resolução Normativa PUC no 018/2005 e, desde então, a Instituição tem envidado esforços para conter essa prática. De acordo com a Resolução, comprovada a participação, os autores do trote devem ser submetidos às penalidades previstas em seu Estatuto e Regimento Geral.

    A PUC-Campinas não promove festas em ambientes externos aos Campi, tais como chácaras, bares, boates, lanchonetes, entre outros estabelecimentos. Qualquer convite feito aos alunos para comparecerem a esses locais, como sendo um evento da Instituição, não é verdadeiro. Os locais citados na CPI que seriam supostamente utilizados para “tortura” de calouros não pertencem a Universidade, tampouco fazem parte de seus Campi.

    Leia documento sobre a AAASP (Associação Atlética Acadêmica Samuel Pessoa): APRESENTAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    Pedro
    Pedro
    9 anos atrás

    As atléticas universitarias brasileiras sao um câncer nas nossas escolas. Nao têm nada a ver com esporte, o Brasil nao tem a cultura esportiva universitaria dos EUA, é constrangedor acompanhar as competiçoes deles. As univeridades precisam limitar severamente a atuaçao corrosiva que as atléticas impoem nos cursos universitarios.

    E estudante de medicina fabricando drogas? Essa eu nao acredito: fabricar dogra exige conhecimento pratico em quimica que nossos centros de pasteurizaçao de classe média (colégios e cursinhos) nao oferecem. Se o fazem: medo!

    Mas sempre noticias sobre os cursos de medicina, o diploma que serve de “visto para a classe média alta”: natural que assim seja.

    mais lidas