Visitas surpresas devem jogar luzes sobre as masmorras do Brasil

    Novo mecanismo de prevenção à tortura deve ajudar a evitar casos como o dos presos intoxicados e espancados pelo GIR em Presidente Venceslau

    tortura

    Uma rebelião tem início na cela 5-03 da Penitenciária II de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo. A porta está trancada e um cobertor pega fogo dentro da cela. Homens do Grupo de Intervenção Rápida (GIR), tropa criada para agir em situações de emergência nos presídios paulistas, são chamados. Eles abrem a porta de aço e jogam uma bomba de efeito moral no interior da cela, fazendo as chamas crescerem rapidamente. Pânico geral. Quando os presos saem correndo, queimados e intoxicados pela fumaça, são espancados pelos agentes do GIR.

    As tristes imagens, conseguidas pelos repórteres Fabio Diamante e José Dacau e exibidas na semana passada pelo SBT, haviam sido gravadas pelos agentes penitenciários no final de 2008 e vinham sendo mantidas em sigilo. Quando a reportagem do SBT pediu ao Governo de São Paulo que se manifestasse, a Secretaria de Administração Penitenciária avisou que abriria uma sindicância para punir culpados “se fossem comprovadas irregularidades”. Basta ver as cenas no vídeo abaixo para entender o escárnio da nota oficial.

     Hoje, dia 4 de novembro, a ONU comemora 30 anos da assinatura da Convenção Contra a Tortura. Em 1989, o Brasil ratificou o tratado e se comprometeu internacionalmente a combater os crimes de tortura em território nacional. No balanço geral, houve conquistas e omissões importantes.

    Não é de agora que a prática de tortura faz parte do cotidiano de algumas instituições brasileiras. Além de frequentes, esses crimes ocorrem nas sombras, em ambientes fechados, longe dos holofotes e da luz do sol, quase sempre nas salas escuras de prisões e das unidades de internação de crianças e adolescentes ou nas quebradas das periferias. Foi justamente a falta de fiscalização que permitiu que as cenas abaixo demorassem seis anos para virem à tona.

    Hoje, dia 4 de novembro, a ONU comemora 30 anos da assinatura da Convenção Contra a Tortura. Em 1989, o Brasil ratificou o tratado e se comprometeu internacionalmente a combater os crimes de tortura em território nacional. No balanço geral, houve conquistas e omissões importantes.

    A boa notícia deve ser anunciada até o final do ano e pode se tornar uma importante medida de prevenção. Estão sendo selecionadas 11 pessoas que irão compor o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura, ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos. O novo grupo poderá entrar em qualquer unidade penitenciária do Brasil para verificar a prática de crimes e as condições de maus tratos a partir de depoimentos, inspeções, filmagens e fotografias. Atualmente, grupos de direitos humanos que ingressam em presídios dependem da boa vontade dos governos e ficam sujeitos a sanções que dificultam novas visitas. O novo mecanismo garante passe livre dos integrantes, que poderão pedir a investigação aos órgãos competentes para comprovar o crime e processar os acusados.

    Essa política pública deve ajudar a enfrentar justamente alguns dos maiores desafios para punir a tortura no Brasil: a identificação da tortura e a construção de provas contra torturadores. A gravidade do problema aparece em pesquisa feita pela Conectas, Acat, NEV-USP, Pastoral Carcerária e IBCCrim, que analisaram acórdãos referentes à tortura entre os anos de 2005 e 2010 em todos os tribunais do Brasil.

    A tendência do Judiciário em considerar que o depoimento do agente público tem fé pública acaba dificultando a condenação.

    Foram identificados 455 acórdãos envolvendo 752 acusados. São relativamente poucos casos, o que mostra a dificuldade em se levar esse tipo de crime aos tribunais. Do total de casos, 62% envolviam agentes públicos e 37% foram praticados por agentes privados – categoria que inclui familiares e conhecidos. Seis em cada dez crimes de tortura praticados por funcionários públicos tinham o objetivo de obter informações e perto de 20% queriam castigar a vítima. As condenações em 1ª instância atingem 78% dos casos (84% casos privados e 74% agentes públicos).

    Na 2ª instância, 35% dos réus que recorreram e obtiveram a absolvição eram agentes públicos, total que cai para 11% entre os acusados de praticar tortura em ambiente privado. A tendência do Judiciário em considerar que o depoimento do agente público tem fé pública acaba dificultando a condenação. A maioria dos que recorrem é formada por condenados na 1ª instâncias. As condenações por tortura acabam caindo para 61% dos casos depois de analisada pelos desembargadores.

    Os números revelam principalmente a dificuldade em descobrir o crime e comprovar a sua prática, gargalo que pode ser amenizado justamente com o novo mecanismo de prevenção. As visitas surpresas são os olhos da sociedade que estão sendo mantidos longe das prisões. Mas não é só isso. O risco de ser flagrado pode ser um freio importante aos torturadores.  Afinal, esse tipo de crime exige uma boa dose de covardia. Quem sabe a real ameaça de punição seja suficiente para coibir a ação covarde dos torturadores.

    PS1: Não é de hoje que os presos de Presidente Venceslau reclamam das condições do cárcere. Em agosto, a Ponte já havia publicado 76 cartas dos detentos de Presidente Venceslau II reclamando das condições do cárcere.

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    PS2: Veja abaixo o vídeo com a reportagem de Fábio Diamante e José Dacau do SBT.

     

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