Vítima de chacina em SC tinha ligação com família de jovem que atirou em PM

    Ligação entre vítimas e policiais militares investigados é ressaltada por testemunhas e familiares

    Por Adrieli Evarini, especial para a Ponte Jornalismo

    Pai Jandir, Deise e Fabíola (Foto: Fabrício Porto)
    Pai Jandir, Deise e Fabíola (Foto: Fabrício Porto)

    Seis homens mortos em menos de três horas. Oito meses de investigação. Uma mesma arma utilizada na chacina e dois policiais militares sendo investigados. É esse cenário que tem intimidado as testemunhas dos crimes que chocaram Joinville, no Norte de Santa Catarina, em dezembro de 2015. Depois de longos meses de apuração, a ausência de testemunhas é o desafio do delegado Fabiano Silveira, responsável pelo inquérito.

    E o medo que ronda quem possa ter visto ou ouvido alguma coisa tem nome, sobrenome e profissão. Daniel Bueno Júnior e André Mauro Padilha são investigados. Os dois são policiais militares. Padilha, apesar de ter sido executado dentro da casa da namorada no dia 7 de agosto, continua como suspeito e investigado no caso. Ele é irmão do cabo Alexandre Mauro Padilha, baleado por um adolescente, na noite anterior à chacina, e que morreu dez dias depois, no Hospital Municipal São José.

    No dia 8 de agosto do ano passado, uma chacina deixou seis homens mortos nos bairros Fátima e Paranaguamirim, que ficam na mesma região do bairro Adhemar Garcia, onde o cabo Padilha foi baleado.

    Segundo testemunhas, que não serão identificadas por segurança, Adão Pereira da Silva, de 37 anos, uma das seis vítimas,  trabalhava com a família do adolescente, a poucos quilômetros do local onde ele foi executado ao lado de Ederson Bonette Barbosa, de 27.

    Familiares de Adão confirmaram que ele era caseiro na residência da família do adolescente. O advogado Marco Aurélio Marcucci, contou que Adão – que foi executado em um sobrado e foi uma das primeiras vítimas da chacina – trabalhava com a família. “Ele era uma espécie de caseiro, alimentava os porcos, cuidava das verduras e da propriedade. As pessoas pensavam até que ele era da família, ele estava sempre na casa”, explicou.

    A ligação entre Adão e a família do adolescente não é novidade para os vizinhos do palco da morte dele, na rua Guanabara. “Ele trabalhava lá, era caseiro e ainda trabalhava com um carrinho de reciclável”, contou uma moradora da região, que ouviu os cerca de 20 tiros disparados naquela madrugada. Para a testemunha, o envolvimento dos policiais militares é a hipótese mais forte. “Todo mundo aqui desconfia, sabe, mas quem é que vai falar alguma coisa? Com polícia ninguém mexe”, afirmou.

    “Foi tudo muito rápido, só ouvi os tiros. Muitos tiros. Foi horrível ouvir aquele monte de tiro. No dia até chamaram a polícia, que demorou pra chegar. Eles vieram muito quietinhos, sirene desligada e tudo”, contou. Segundo ela, cerca de cinco viaturas estiveram na casa onde os dois foram executados ajoelhados e com os rostos virados para a parede da garagem.

    Ela contou ainda, que o dono do sobrado, que à época morava nos fundos também era alvo dos disparos. “O dono morava ali atrás e fugiu por trás da casa. Atiraram na direção da casa dele. Isso aí foi mandado, certeza. E quem fez, sabia muito bem o que e como fazer. Eles [as vítimas] nem tiveram reação, estavam ali encostados com o rosto pra parede”, completou. Ainda de acordo com a testemunha, a terceira vítima, Alexsandro Muniz Evaristo, 28 anos, era conhecido no bairro. “Ele era um menino bom, todos aqui conheciam ele”, lamentou.

    A ligação entre os crimes já foi comprovada em fevereiro, quando o resultado do laudo balístico foi conclusivo e apontou que a mesma arma, de calibre .380, foi utilizada em todos os homicídios.

    O medo que impede que testemunhas possam contribuir com a investigação da Delegacia de Homicídios é, hoje, o principal empecilho para solucionar o caso. “Sem que haja uma colaboração das pessoas que presenciaram o crime, a investigação não consegue avançar muito”, ressalta o delegado Fabiano Silveira, que  acredita que pelo menos três pessoas tenham participado dos crimes.

    Advogado nega participação de policiais nos crimes

    Irmão do cabo Alexandre Mauro Padilha, baleado um dia antes da chacina, o soldado André Mauro Padilha já estava afastado do trabalho operacional quando os seis crimes foram cometidos na mesma região em que morava, na zona Sul.

    Ele e Daniel Bueno Júnior são lotados no 17º Batalhão de Polícia Militar. Assassinado no dia 7 de agosto, o policial continua sendo investigado no inquérito que apura as seis mortes. André foi executado dentro da casa da namorada, também no bairro Fátima.

    Três homens encapuzados bateram à porta da residência onde estavam ele, a namorada, a mãe e o filho da namorada e chamaram o soldado pelo nome. Segundo a mãe da namorada, “eles bateram e falaram ‘é com o André’”, entraram no quarto e dispararam diversas vezes contra ele, que morreu no local.

    Para o advogado dos dois policiais, Rafael Luiz Siewert, não existe qualquer elemento de prova que coloque os policiais militares na chacina. Ele afirma ainda que qualquer participação dos PMs foi descartada. “Eles foram descartados. Como não há nada que coloque eles na cena do crime, então eles não respondem mais. Eles não são mais investigados. Podemos dizer que eles foram retirados do inquérito”, enfatizou.

    A afirmação do advogado é negada pelo delegado responsável pela investigação, que mantém Daniel e o próprio André como investigados. “Eles não deixaram de ser suspeitos, não deixaram de ser investigados. A investigação continua aberta, não terminou e continua andando”, ressaltou.

    A reportagem da Ponte tentou entrar em contato diretamente com Daniel, mas o advogado dele afirmou que ele não irá se manifestar pessoalmente sobre o caso. “Ele está tranquilo porque não tem participação nenhuma nisso”, finalizou.

    No dia 24 de maio deste ano, os dois policiais chegaram a ser presos em flagrante durante uma operação para cumprimento de mandado de busca na casa dos dois suspeitos. Os dois foram detidos por porte ilegal de arma e na residência de Daniel foram encontrados ainda medicamentos de uso proibido.

    O processo administrativo de André já estava em fase recursal. Favorável à exclusão do policial, a decisão preliminar do Conselho de Disciplina foi contestada pelo policial, que apresentou um primeiro recurso, já recusado. O novo recurso apresentado por ele estava sob análise da Procuradoria Geral do Estado quando ele foi assassinado.

    “Teu filho não passa dessa noite”

    Recebendo uma ligação que ameaçava o próprio filho de morte. Foi assim que Jadir Garbari teve que deixar a casa onde mora, no bairro Paranaguamirim na noite do dia 5 de dezembro de 2015, para ir trabalhar como vigilante em uma loja.

    “Teu filho não passa dessa noite”. Foi essa frase que ele ouviu antes de sair de casa, antes de ver o filho pela última vez. A ameaça foi cumprida e Diogo da Rocha Garbari, de 27 anos, foi uma das seis vítimas da chacina daquela madrugada em Joinville. O jovem foi brutalmente assassinado perto de casa.

    No mesmo dia em que ouviu do outro lado da linha a ameaça ao filho, Jadir também viu Diogo e um dos investigados pelo crime se desentenderem. Horas antes de ser assassinado, ele e o cunhado discutiram. “Ele estava batendo na irmã dele, que irmão vai olhar isso e ficar quieto?”, diz a mãe, Rosana da Rocha Garbari.

    Após o desentendimento, o cunhado teria ido até a casa de um amigo, que foi à casa dos Garbari. “No dia que ele morreu, depois da discussão, o Perna veio aqui, bateu no ombro dele e disse ‘vou te dar uma rasteira na rua’”.

    Daniel Bueno Júnior, o Perna, é conhecido no bairro e amigo de longa data da família do cunhado de Diogo. Hoje, ele, que é policial militar – está afastado do trabalho operacional respondendo a processos administrativos – é um dos investigados no inquérito que apura a chacina cometida naquela madrugada de 6 de dezembro.

    Oito meses depois de perder o filho, a mãe não segura a emoção ao olhar para a foto 3 x 4 do filho, assassinado aos 27 anos. “Meu filho não volta mais, mas eu quero que os culpados paguem pelo que fizeram”, é o que ela mais deseja hoje.

    O rapaz que tinha paixão por animais e fazia questão de levar para casa os que encontrava abandonados na rua, era querido no bairro. Pula, como era chamado por familiares e amigos, deixou uma irmã gêmea que não esquece do irmão e herdou os animais levados para casa por Diogo.

    “Todo mundo aqui fala dele, todo mundo aqui gosta dele. Ele era um rapaz muito querido e sempre teve muitos amigos e morreu justamente na noite em que estava com eles. É uma dor que está demorando pra passar. Às vezes não dá nem pra ouvir o nome dele”, diz. “Ele era muito humilde e sempre disposto a ajudar, se ele via um cachorrinho ou um gato na rua, já trazia pra casa, olha só”, conta Deise da Rocha Garbari, mostrando com carinho e orgulho os cães e gatos da casa.

    Abalado, mas em busca de justiça, seu Jadir já sofreu dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral) e um princípio de infarto depois da morte do filho. Ele lembra com perfeição a ameaça recebida em uma ligação telefônica e o momento em que recebeu a notícia do assassinato de Diogo.

    “Eu estava trabalhando, sou vigilante, o IML passou na minha frente e eu jamais poderia imaginar que era o meu filho. Aí, passaram e disseram ‘Mataram seu filho’. Assim, foi assim que eu descobri que meu filho tinha sido morto”, conta.

    “Na rua, um homem disse assim, sem qualquer cerimônia ‘Sabia que teu filho morreu?’”. Foi assim que dona Deise – ela não teve coragem de reconhecer o corpo e pediu para que uma sobrinha olhasse, pela última vez, o corpo de Diogo – soube da morte do filho.

    Apesar de terem chegado a abandonar a casa por alguns dias, com medo de ameaças, a família está disposta a buscar justiça e ainda procura respostas para a morte de Diogo. “Quem atirou pelas costas do meu filho? Isso tudo tem que ter uma resposta, essa impunidade não pode ficar assim. Eu não vou sossegar enquanto isso não for esclarecido”, ressalta o pai.

    “Nós só vamos ficar aliviados mesmo a hora que os culpados estiverem atrás das grades”, completa a irmã, Fabíola da Rocha Garbari.

    Segundo a família, Diogo e Daniel já haviam se desentendido antes daquela noite. “Antes de entrar na polícia ele era gente boa, depois que entrou, virou um carrasco. Ele até já disse que faria uma limpa no bairro”, conta seu Jadir.

    O último registro na carteira de trabalho de Diogo só foi encerrado no dia 2 de fevereiro deste ano. Ele trabalhava como movimentador de mercadoria e tinha a intermediação do Sindicato dos Arrumadores e Movimentadores de Mercadorias em Geral de Joinville.

    Assim como seu Jadir não recebeu o abraço do filho que, para ele era um companheiro, a filha de Diogo, de apenas 10 anos, também não conseguiu passar o último domingo com o pai. “Ele era um companheiro, um filho, um amigo. Não tenho medo de ninguém. Eu sei quem fez isso com meu filho e acredito que essa investigação vai conseguir colocar eles onde eles merecem. Quem matou meu filho vai pagar na Justiça”.

    Na mesma noite em que Diogo foi assassinado, Adão Pereira da Silva, 37 anos, Ederson Bonette Barbosa, 27 anos, Alexsandro Muniz Evaristo, de 28 anos, Daniel Alves de Lima, de 32 anos e André Manolo Corrêa, de 35, foram mortos entre 3h30 e 6h daquele 6 de dezembro de 2015.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas