É a segunda tragédia ocorrida na região em um intervalo de três anos; Articulação Internacional das Atingidas e Atingidos pela Vale e Justiça Global manifestam indignação
A barragem Mina do Feijão, administrada pela Vale, rompeu nesta sexta-feira (25/1), em Brumadinho, Minas Gerais, cobriu a cidade de lama tóxica e deixou pelo menos 200 pessoas desaparecidas, de acordo com o Corpo de Bombeiros. O vazamento chegou no Rio Paraopeba, mas ainda não é possível dizer se houve contaminação. A lama de dejetos de minérios atingiu outras duas barragens próximas, que transbordaram. Até o momento, o Corpo de Bombeiros confirma 9 mortes e a Vale divulgou a lista com mais de 350 funcionários que estão desaparecidos – eles usaram o termo “sem contato até o momento”.
Em nota, a ANA (Agência Nacional de Águas) disse que se solidariza com as vítimas do rompimento, que ainda não é possível fazer um balanço completo da dimensão do ocorrido e que a agência vai monitorar a região para não afetar o abastecimento de água da cidade. “A barragem da Usina Hidrelétrica Retiro Baixo está a 220 km do local do rompimento e possibilitará amortecimento da onda de rejeito. Estima-se que essa onda atingirá a usina em cerca de dois dias”, diz o texto. A cidade está sem energia.
A Vale informou que os rejeitos atingiram a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco. A tragédia acontece três anos depois do rompimento ocorrido em Mariana, também em Minas Gerais, e distante 149 km de Brumadinho, que deixou 19 mortos e muitos prejuízos para a cidade, até hoje não reparados e sem punição para todos os envolvidos. Em entrevista à GloboNews, Fabio Schvartsman, presidente da Vale, pediu desculpas às vítimas, afirmou que ainda não sabe o que aconteceu e que quando aconteceu o desastre em Mariana, a empresa “virou do avesso as barragens da companhia para saber de toda a situação e prever riscos”. Mais tarde, Schvartsman concedeu uma coletiva de imprensa e frisou que a barragem estava inativa. “Ela não estava recebendo rejeitos de mineração. É uma barragem antiga, de origem da Ferteco, que foi adquirida pela Vale ha muitos anos Quando eu disse surpresa é porque temos relatórios que atestam a segurança dessa barragem. E também queria dizer que a nossa principal preocupação é atender os atingidos por essa tragédia”, informou.
No dia 5 de novembro de 2015, a Barragem do Fundão rompeu e 55 milhões de metros cúbicos de lama vazaram, atingindo em pouco tempo a cidade de Bento Rodrigues, a 8 km do local, que desapareceu. A lama seguiu o leito de 853 km do rio Doce e atingiu as cidades ribeirinhas provocando escassez de água, diminuição da pesca, do comércio e do turismo. Ao todo, 39 municípios de Minas Gerais e do Espírito Santo, onde moram 1,2 milhões de pessoas, foram afetados. Até hoje, as vítimas não foram indenizadas.
Em pronunciamento, o presidente Jair Bolsonaro informa que neste sábado (26/1) irá para a região afetada e irá sobrevoar o local para avaliar exatamente o cenário e “tomar as medidas cabíveis para minorar o sofrimento de possíveis vitimas, bem como a questão ambiental”. Essa semana, durante discurso em Davos, no Fórum Econômico Mundial, ironicamente o presidente destacou o Brasil como respeitador das questões ambientais. “Somos o país que mais preserva o meio ambiente (…) Nossa missão agora é avançar na compatibilização entre a preservação do meio ambiente e da biodiversidade com o necessário desenvolvimento econômico, lembrando que são interdependentes e indissociáveis”, declarou, em discurso, o presidente.
A Articulação das Atingidos e Atingidas pela Vale e a Justiça Global divulgaram uma nota conjunta em que manifestam profunda indignação pelo ocorrido. “Além da evidente responsabilidade da empresa compreendemos que o Estado brasileiro é igualmente responsável pelas violações de direitos humanos dos atingidos pelo rompimento de barragens. Destaca-se que a autorização de funcionamento de barragens de rejeito de minério – tecnologia proibida em diversos países – a não fiscalização de suas instalações e a não responsabilização das empresas mineradoras pelos danos a que dão causa representam uma verdadeira omissão das autoridades brasileiras que permite que as violações se repitam”.
Na nota, os dois órgãos ressaltam que mesmo depois de 3 anos do crime da Bacia do Rio Doce, a Vale não foi devidamente responsabilizada e os atingidos seguem lutando por justiça. “A Vale novamente figura em uma nova tragédia social e ambiental. É urgente que as autoridades do Estado brasileiro assumam suas responsabilidades e deem início a uma investigação célere, imparcial e efetiva para que casos como esses não correm mais. Além de promover a fiscalização de todas as barragens de rejeito do país, de modo a evitar novos rompimentos e tragédias. Nos solidarizamos com todos os afetados e afetadas e novamente gritamos Não foi acidente!”, finalizam.
“Não é demonizar as barragens, a gente precisa delas. É responsabilizar os seus gestores quando houver situações como essa. Tem que ter uma legislação que puna toda a cadeia a ponto de o fiscal tenha medo, ou melhor, tenha cuidado ao emitir um laudo. E que responsabilize criminalmente todos”, diz Gustavo Cunha Mello, especialista em gerenciamento de risco, em entrevista a Globonews.
O Instituto Inhotim, localizado muito próximo de Brumadinho, um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo e uma coleção botânica que reúne espécies raras e de todos os continentes, foi evacuado e interrompeu suas atividades até segunda ordem, segundo informou o site EM.
*Reportagem atualizada às 18h06 do dia 26/1