A cada cinco homicídios em SP, um foi cometido pela polícia

    PM da gestão João Doria (PSDB) matou 25% menos entre janeiro a março deste ano em relação ao primeiro trimestre do ano passado, o mais violento da história; para Sou da Paz, contenção da letalidade policial deve ser prioridade

    Comunidade da Vila Menck, em Osasco (Grande SP), protesta contra a morte de Caique Gabriel pela PM, em 15/3/21 | Foto: Beatriz Drague Ramos / Ponte Jornalismo

    Um dia após completar 22 anos, em 13 de março, Caique Gabriel, branco e pobre, foi morto após ser baleado nas costas por policiais militares enquanto andava de moto pelas ruas da Vila Menck, em Osasco (Grande SP). No mesmo dia, o ajudante de pedreiro Victor dos Santos Lima, negro e pobre, com a mesma idade de Caique, foi defender um amigo com transtornos mentais da abordagem violenta de dois policiais e morreu com um tiro no peito, na Favela do Lamartine, em Santo André, também na Grande SP.

    Caique e Victor são alguns dos rostos por trás de um número: 192. Esse foi o total de pessoas mortas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, na gestão João Doria (PSDB), entre janeiro e março deste ano. O número representa uma queda de 24,7% em relação ao primeiro trimestre de 2020, quando a PM fez 255 vítimas, considerando ocorrências de policiais em serviço e de folga. Os dados foram divulgados pelo Centro de Inteligência da PM no Diário Oficial do Estado nesta sexta-feira (30/4).

    A polícia de São Paulo nunca havia matado tanto como no primeiro trimestre de 2020, que superou todos os números de violência policial da série histórica, iniciada em 1996. Apesar da queda registrada neste ano, os dados indicam que São Paulo ainda mantém uma letalidade policial entre as mais altas do mundo.

    Caique Gabriel, morto pela PM com um tiro nas costas | Foto: Arquivo Pessoal

    Ao longo do primeiro trimestre de 2021, a PM foi responsável por 19,7% do total de homicídios dolosos registrados no estado. Numa tese de doutorado defendida em 2018, a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, apontou que em El Salvador, o país mais violento do mundo, a taxa de mortos pela polícia em relação ao total de homicídios dolosos foi de 10,8% em 2016. No mesmo ano, a taxa ficou em 2,9% nos Estados Unidos e 3,7% na África do Sul — no Brasil, a taxa nacional foi de 7,8%.

    Entre janeiro e março do ano passado, de todas as pessoas assassinadas, 20% foram mortas pela polícia. Os picos, analisando mês a mês, foram registrados em fevereiro e abril de 2020, quando esse índice equivalia, respectivamente, a 31% e 30%.

    Para a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a advogada e socióloga Carolina Ricardo, a redução da letalidade no trimestre está ligada a diversos fatores, como o alto número de mortes no começo da pandemia, atrelada à mobilização social em dar visibilidade a casos de violência policial, e a uma mudança de olhar pela própria corporação. “Essa redução não veio do nada. Teve uma alta de letalidade policial, teve muito escândalo, foi um momento em que a gente começou a ver muita imagem na internet de violência policial, do ‘mata-leão’, ficou muito forte essa questão de violência explícita e houve uma pressão da sociedade, com filmagens. Tudo isso também ajuda a polícia a tomar decisão de reduzir a letalidade”, explica.

    Leia também: ‘A meta de mortes pela polícia tem que ser zero’: tenente-coronel Adilson de Souza

    Segundo a socióloga, é a partir do segundo semestre de 2020 que essa contenção começa a se sustentar, com adoção de medidas dentro da corporação, incluindo uma “apuração mais célere” e o investimento em equipamentos, com as câmeras corporais. “A primeira delas foi o esforço de uma comissão interna que eles chamam de comissão de mitigação de não conformidades, que serve para avaliar numa situação de confronto se o uso da força foi correto, se teve uma prática equivocada, e se isso aconteceu, ajustar protocolos e procedimentos”, pontua.

    Vitor levou um tiro no peito para defender um amigo de uma abordagem policial violenta | Foto: Arquivo Pessoal

    Por outro lado, ela destaca que é preciso tornar a questão da letalidade uma prioridade. Em 2019, o governo paulista estabeleceu a Política Estadual de Segurança Pública e Defesa Social cujas diretrizes têm como objetivo o recebimento de recursos federais por meio do Susp (Sistema Único de Segurança Pública). Dentre todos os itens, nenhum deles se refere à diminuição da violência policial. Na última quinta-feira (27/4), o governador João Doria (PSDB) publicou decreto em que regulamenta essa política com a criação de um fundo e de um conselho com membros ainda a serem definidos, cuja competência é de acompanhar atividades da segurança pública, dentre elas as condições de trabalho e as denúncias nas corregedorias.

    “Para a gente conseguir uma redução mais sustentável ainda, que se mantenha, tem que estar todo mundo alinhado e ser uma prioridade também da política estadual”, enfatiza Carolina Ricardo.

    Homicídios dolosos estáveis

    Desde setembro, o número de homicídios dolosos passou a se elevar e, em janeiro e fevereiro deste ano, o índice foi maior do que nos dois primeiros meses do ano passado. Em janeiro, o aumento foi de 7%, a pior marca em homicídios dolosos para os meses de janeiro desde 2017, quando 310 pessoas foram mortas. Porém, ao contabilizar o trimestre como um todo, a diferença entre 2020 e 2021 foi de apenas 1%. De janeiro a março de 2020, foram 792 vítimas; já neste ano, o período correspondeu a 783. Em 2019, 758 vítimas de homicídios.

    Para Carolina Ricardo, “ainda é cedo para determinar uma tendência”, apesar do índice “acender uma bandeira amarela, já que São Paulo, aos trancos e barrancos vêm mantendo um número baixo de homicídios” para o padrão nacional. “Para a gente conseguir entender de fato esse movimento estranho nos homicídios, é preciso haver investigação e esclarecimento de todos os casos”, pondera.

    O que diz o governo

    A Ponte procurou as assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar a respeito dos índices.

    Em nota, a In Press, assessoria terceirizada da pasta, informou que “o compromisso das forças de segurança no Estado de São Paulo é com a vida, razão pela qual medidas para a redução de mortes são permanentemente estudadas e implementadas pela pasta”.

    A SSP declarou que os casos de mortes decorrentes por intervenção policial são “rigorosamente” investigados. “Todos os policiais militares frequentam anualmente o EAP (Estágio de Aperfeiçoamento Profissional) de forma obrigatória. Em julho do ano passado, o efetivo da PM cumpriu as atividades do treinamento técnico-operacional, com o objetivo de aprimorar os processos de atuação da instituição. Foram contemplados temas como Polícia Comunitária, Direitos Humanos e Cidadania, Abordagem Policial e Gestão de Ocorrência. Durante as instruções também foram realizadas a análise e o estudo de casos. Paralelamente às ações de treinamento, a PM realiza estudos permanentes para aprimorar seus procedimentos operacionais e administrativos”, diz a nota.

    A pasta também frisou que “os casos de roubos, furtos e latrocínios que tiveram diminuição de 18,6% e 16,9% e 24,1%, respectivamente”. Sobre o índice de homicídios, respondeu que “o Estado segue com a menor taxa de casos e vítimas de homicídios dolosos por grupo de 100 mil habitantes do país: 6,42 e 6,75, respectivamente”.

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