A criação de “Se Deus vier que venha armado”, uma visão sobre a polícia e a criminalidade em SP

    Disponível no NET-NOW, Google Play e iTunes, “Se Deus vier que venha armado” narra o período de maior instabilidade na segurança pública de São Paulo

    Por Luis Dantas

    Cena de “Se Deus vier que venha armado”, de Luis Dantas.| Divulgação
    Cena de “Se Deus vier que venha armado”, de Luis Dantas.| Divulgação

    Se Deus vier que venha armado, longa-metragem que produzi, dirigi, com roteiro meu e de Beatriz Gonçalves, foi fruto de duas vertentes de pesquisa. Uma era teórica e relacionada à estrutura dramática e narrativa no cinema e outra, voltada a entender universos dos quais não faço parte, mas me impactam assim como a todos os cidadãos deste país – os universos da polícia e da criminalidade.

    Sempre me interessei pela questão da violência, desde meus curtas, Brincadeira de Criança, filme brasileiro sobre meninos que são vítimas de uma chacina, até A Dozen Kliks, este rodado nos EUA, que narra um embate entre ex-combatentes do Vietnã que na guerra mataram o oficial que os comandava.

    Como particular brasileiro, havia a nossa Polícia Militar, comecei uma pesquisa para entender os homens que compõe a corporação. Conversei com um psicanalista que havia trabalhado no CASJ, que me abriu uma perspectiva mais clara da tensão, força do grupo e ao mesmo tempo uma ética particular. Visitei alguns batalhões, entrevistei oficiais e conversamos com a corporação oficiosamente também.

    Quando o PCC começou a tomar evidência, fui buscar pessoas que pudessem me ajudar a entender o fenômeno. Tive excelentes conversas com Josmar Jozino,  repórter policial que à época estava no Jornal da Tarde e havia escrito o ótimo Cobras e Lagartos, que narra a trajetória de fundação do PCC, mas visto pela ótica das mulheres do crime, algo que traz uma aura quase mística com toques exotéricos de Yin/Yang, vindos de uma ex-militante do PT que se apaixona por um ladrão de banco, que vem a ser um dos fundadores do movimento. Sergio Rezende, cineasta carioca, fez então Salve Geral, filme que narra os eventos do levante, a trajetória do comando, e o dias de tensão em 2006 que fizeram São Paulo parar.

    Não queria fazer algo didático, algo que narrasse os eventos ou historicizasse o ocorrido.  A ideia foi mudar o ponto de vista, se afastar dos mandantes, dos que têm poder decisório e focar em personagens que são apenas parte da ação – um policial novato, um presidiário em saída temporária com uma missão para o crime, o irmão deste, com trajetória descolada do crime, o melhor amigo do presidiário e a atriz que dá aulas de teatro na periferia, e que forma com os dois o triangulo amoroso. Esses personagens ao longo de 72 horas têm suas vidas colocadas em jogo e cada um deles responde e acaba por pagar pelas opções não só de sobrevivência que encaram, mas primordialmente pelas posições éticas que sustentam ou violam.

    Quando estávamos com financiamento completo, em 2012, os ataques voltaram a acontecer. A transposição para a atualidade foi uma decisão de dramaturgia e de produção. A história se passaria em meio aos ataques de 2012. A filmagem sofreria com isso também, pois filmamos no auge da onda de violência.

    Realidade e ficção se mesclaram. Um guarda civil foi morto ao caminhar de volta para casa de noite duas quadras de onde estávamos filmando a cena do jovem policial que retorna para casa depois de ter participado de uma execução.

    Ao filmarmos em uma encruzilhada, altas horas da noite, a cena em que os policiais abordam e executam o irmão do personagem principal, juntou-se uma multidão enorme. Centenas de pessoas tomaram as ruas, e tivemos que rodar sem som, pois apesar destas se colocarem atrás da câmera, muitos presentes gritavam – É isso aí, é assim mesmo. Ele tem a cabrita dentro do camburão tem que pegar para fazer a mão dele. (colocar o revolver .38 sem marcas que está na viatura para forjar um tiro dado pela vítima). Lá pelas 3 horas da manhã, o pessoal cansou, o dono do boteco local que queria receber para desligar o som resolveu ir dormir e pudemos filmar com mais calma.

    O que ficou foi a certeza de que a lei não é a mesma dependendo de onde você se encontra. Impunidade é algo que não se questiona, os indivíduos estão à mercê de contraditórios, mas todos buscam algo em que se apoiar, algum alento, alguma forma de dar sentido à barbárie. Esta ao final do filme resignificada por uma dança, uma manifestação de revolta, dentro do escopo do possível a nós que não temos individualmente poder para reverter a situação. E dá-lhe Oitavo Anjo, canção do 509-E, letra do Dexter, que fecha o filme e que descobrimos ser mais que uma canção importante do rap nacional, um verdadeiro hino que todos conhecem e cantam de coração na periferia paulista.

    Vejam o filme e me digam se há saída. Disponível no NET-NOW, Google Play e iTunes e claro em vários outros lugares também… Só não venham me falar em filme favela, algo que para mim é a epítome do preconceito, ou outra forma de dizer – o Brasil precisa fazer mais filmes de classe média… Sim, claro, mas será que o Brasil não precisa primeiro trabalhar para criar uma real classe média?

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