“A ordem era, sim, matar Marighella”, diz filho de guerrilheiro

    Advogado Carlos Augusto Marighella elogia ação do MPF de investigar como ocorreu morte de seu pai, há 47 anos, e o compara a Mandela

    O advogado Carlos Augusto Marighella, aos 68 anos, mora em Salvador, na Bahia (Foto: Agência Brasil)
    O advogado Carlos Augusto Marighella, aos 68 anos, mora em Salvador, na Bahia (Foto: Agência Brasil)

    O advogado Carlos Augusto Marighella, 68 anos, que carrega o nome de seu pai, morto por agentes da repressão em 4 de novembro de 1969, na Alameda Casa Branca, nos Jardins, zona nobre de São Paulo, classificou a ação do Ministério Público Federal (MPF) de apurar a morte do líder da ALN (Ação Libertadora Nacional) como “fantástica e muito importante”. A decisão de apurar o que de fato aconteceu naquela noite, revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo” neste domingo (9), é do procurador da República Andrey Borges de Mendonça. “Bela iniciativa do procurador. Espero, sinceramente, que isso prospere”, diz.

    “Quarenta e sete anos depois, a versão de que meu pai era um criminoso precisa ser desmentida totalmente. Meu pai foi barbaramente, criminosamente e friamente assassinado. Ele foi metralhado. É preciso restaurar a verdade”, diz Carlos Marighella, por telefone, de Salvador (BA), onde vive. Ele pede para que seja chamado de Carlinhos. O filho do guerrilheiro diz que, em meados dos anos 2000, a família recebeu R$ 100 mil após a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos ter constatado que ele foi executado enquanto já estava dominado e sob o poder do Estado.

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    De acordo com Carlinhos, ele e Clara Charf, ex-companheira do guerrilheiro, ganharam R$ 50 mil cada um. “Ao examinar o corpo, levantar as circunstâncias, documentos, perícia, ficou evidente para a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos que meu pai foi sumariamente fuzilado. Depois, houve as declarações do Fleury [delegado Sérgio Paranhos Fleury] e dos policiais que participaram em que ficou claro que a ordem era, sim, matar Marighella”, afirma.

    Ao “Estadão”, no entanto, R.A., que viveu uma década no Serviço Secreto (SI) do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), esteve infiltrado entre os estudantes no Congresso da União Nacional do Estudantes (UNE), em Ibiúna, que acabou com todos presos em 1968, e nas operações que mataram Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, diz achar que o intuito da ação não era matar Marighella. “Ele seria um baita troféu vivo, não morto. O objetivo era ‘encanar’ o homem. Era uma guerra, mas esse não era o objetivo, não, tanto é que o Joaquim Câmara Ferreira (substituto de Marighella, preso e morto sob tortura) foi preso. Dava para prender, mas deu tudo errado” afirmou ao Estadão.

    R.A. também disse ao jornal que foi o investigador José Carlos Tralli o responsável por tirar a vida de Marighella. Carlinhos diz que “já sabia que não era o Fleury, porque ele não participou efetivamente da ação. Mas havia sempre uma dúvida de quem atirou”. No entanto, para ele, “é importante saber quem deu a ordem. A ordem para matar. Porque a ordem era assassinar Marighella. Marighella estava condenado a ser morto”, afirma.

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    De acordo com o filho do guerrilheiro, os policiais tinham medo de que seu pai se tornasse um mártir para os revolucionários que lutavam contra a ditadura, caso fosse preso. “Ele era muito querido pela população, de modo geral. Assim, os agentes da ditadura, num todo, tinham medo de que repetisse com meu pai o que ocorreu com Mandela, que conduziu a luta contra o apartheid mesmo preso na África do Sul”, diz Carlinhos. “É indiscutível que Marighella estava exercendo um direito de resistência contra um golpe ilegal e que rasgou a Constituição”, complementa.

    Ele diz que seu pai preferiu seguir a luta armada, em vez de ir para o exílio, porque não conseguia enxergar outro modo de instaurar a democracia no Brasil. “Durante todo esse tempo, se tentou apresentar Marighella como criminoso, quando, de fato, era um grande herói nacional. Em contra ponto, o Estado cometeu crime contra os Direitos Humanos. Porque um dos Direitos Humanos é aquele que permite cada um ter uma posição política e ter seu direito à vida assegurado por isso”, afirma o advogado.

    Quando surgiu a notícia de que Marighella havia sido assassinado, Carlinhos tinha 20 anos. A família pediu para enterrar o corpo do guerrilheiro, mas isso lhes foi negado. “Enterraram meu pai como indigente. Quando souberam que estávamos indo a São Paulo, eles [policiais] nos ameaçaram. Disseram que meu pai havia matado policiais. Disseram que ele matou uma mulher e atirou contra um delegado pouco antes de morrer. Falaram que, se nós pisássemos em São Paulo, não teríamos nossa segurança resguardada. Quando chegamos em São Paulo, já haviam enterrado meu pai como indigente. E apresentaram meu pai nos jornais como criminoso”, diz.

    “Acho que o Brasil ainda está devendo a Marighella. Inclusive, apresentar para nossa juventude e demais brasileiros a verdade ocorrida ali. Porque, independente de qualquer debate político, é importante que a verdade ressurja. Pra mostrar que meu pai era efetivamente um grande herói, do qual eu me orgulho e qualquer brasileiro deveria se orgulhar. Porque enfrentar a ditadura daquele jeito, naquelas condições, só pode mostrar pra gente como devemos ser resistentes com aquilo que acreditamos”, conclui.

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