‘A pior parte é não saber onde está o corpo’, diz mulher de desaparecido após ação da PM

    Jonas Seixas da Silva, 32, sumiu em outubro de 2020 no bairro Jacintinho, em Maceió (AL); Promotoria pede que policiais fiquem presos preventivamente até julgamento, e aponta diversas provas para isso, como áudios e contradições

    Jonas Seixas, desaparecido em Maceió desde 9 de outubro | Foto: Arquivo Pessoal

    Passados cinco meses do desaparecimento de Jonas Seixas da Silva, 32 anos, sua esposa, a ajudante de pedreiro Angélica Santos, 32, afirma que “a pior parte é não saber onde está o corpo”. O homem sumiu no dia 9 de outubro de 2020 após uma abordagem de policiais militares na Grota do Cigano, no bairro Jacintinho, em Maceió, capital de Alagoas. Naquela data, equipes da Força Tática realizavam uma operação contra o tráfico de drogas na região.

    A Polícia Civil investiga o caso e com anuência do Ministério Público conseguiu a prisão temporária de cinco policiais militares presentes na abordagem, o que trouxe certo alívio para a família. No entanto, o que Angélica, seus dois filhos e outros parentes querem mesmo é saber onde está o corpo de Silva.

    “É uma situação ruim, que nos deixa sem saber por onde recomeçar. Não está sendo fácil. Tenho dois filhos de dez e oito anos que ainda acham que o pai está vivo. Acham que está em algum canto e que quando voltar vão ter muita novidade para contar para ele”, contou Angélica à Ponte.

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    A mulher também ressaltou que, diante da pandemia, teve que deixar seu trabalho como faxineira, explicando que as famílias têm medo do coronavírus. Com isso, encontrou trabalho como ajudante de padreiro, mesma profissão que era exercida por seu esposo antes de ser levado por policiais militares.

    “A pior parte é não saber onde está o corpo. É muito angustiante, nenhum ser humano merece ser enterrado como indigente. A gente busca por uma resposta mais ainda não tem. A mãe dele tem acompanhamento psicológico, pois não está bem, vive chorando”, contou.

    Com os PMs presos provisoriamente, o MP agora busca por uma prisão preventiva, o que faria com que os policiais militares Fabiano Pituba Pereira, Filipe Nunes da Silva, Jardson Chaves da Costa, João Victor Caminha Martins de Almeida e Tiago de Asevedo Lima prosseguissem detidos até um provável julgamento. Em seu pedido à Justiça, a Promotoria sustenta que os agentes de segurança pública “usaram de violência, ameaçaram, torturaram a vítima e, para garantir que não seriam denunciados, acabaram a executando e escondendo o respectivo cadáver”. O pedido é assinado pelos promotores Dênis Guimarães e Rodrigo Soares.

    O Ministério Público se respaldou nas investigações da Polícia Civil para requisitar a prisão preventiva. A quebra do sigilo telefônico de um dos PMs foi crucial e determinante para se chegar a provas de que o homem não foi liberado logo após a abordagem, como justificaram os PMs em depoimento.

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    Em conversa com um oficial, os PMs afirmaram ter liberado “a vítima ao lado do viaduto de Jacarecica, entre o meio do viaduto e a rotatória, entre 15h56 e 15h57, que é o horário em que o GPS indica o trânsito dos investigados nas imediações do referido viaduto”. Entretanto, reforçam os promotores de Justiça, que às 16h52, ou seja, quase uma hora depois da suposta liberação alegada pelos denunciados, Jonas ainda estava em poder dos militares que o levaram.

    “Isto porque foram obtidos áudios de WhatsApp enviados por um denunciado à sua noiva, no momento em que, inclusive, os denunciados se encontravam na aludida região da mata por trás do Motel Ceqsabe, em que é possível ouvir, ao fundo, a voz de Jonas, no momento em que era submetido a uma sessão de tortura, quase uma hora depois do momento em que os denunciados alegaram ter liberado Jonas no viaduto de Jacarecica”. O trecho reproduzido consta da divulgação do Ministério Público sobre o pedido de prisão preventiva.

    Além da mensagem, os promotores apontam que os policiais desligaram o sinal do GPS da viatura e contradições nas versões dos suspeitos.

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    À reportagem, o advogado do Centro de Defesa dos Direitos Humanos Zumbi dos Palmares, Arthur Lira, que presta assistência jurídica para família de Silva, se mostrou satisfeito com o andamento das investigações. “Espero que a preventiva seja aceita. A investigação foi muito bem feita. Há diversos elementos que apontam para autoria e materialidade do fato, além de que os réus foram presos temporariamente durante a investigação”.

    “Saber que eles estão presos é um alívio, por saber que a justiça está sendo feita. Por outro lado, o que a gente quer saber é onde está o corpo?”, completou Angélica.

    Procurados, o Tribunal de Justiça e as policias Civil e Militar não se pronunciaram.

    O caso

    Jonas Seixas da Silva, 32 anos, estava voltando do trabalho quando foi abordado por três PMs e colocado numa viatura. Minutos antes da prisão, a guarnição esteve na casa do ajudante de pedreiro. Segundo a esposa dele, Angélica Santos, os policiais invadiram a residência onde eles moram na presença de dois filhos pequenos.

    Sem mandado judicial, os militares diziam ter ordens para prender o trabalhador. Depois de mexer no guarda-roupa de um dos quartos e espalhar objetos pelo chão do cômodo, os agentes da segurança pública foram embora, mas encontraram Jonas descendo a grota.

    Entre os becos da comunidade, de acordo com relatos de familiares e vizinhos, os militares jogaram spray de pimenta nos olhos dele e o puseram na viatura. Dois dos três policiais envolvidos na abordagem foram reconhecidos por moradores: eles foram identificados como tenente Lima e Wallace, de patente não anotada.

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    Com a movimentação, vizinhos foram chamar a esposa da vítima. Atordoada, Angélica tentou acompanhar o marido, mas foi impedida pelos policiais. Eles disseram que Jonas seria encaminhado para a Central de Flagrantes de Maceió, porém minutos após a viatura sair, no final da tarde, os familiares foram até a Central e não o localizaram. A busca se estendeu, sem sucesso, para todas as delegacias da capital, hospitais e até ao Instituto Médico Legal.

    Após 24 horas sem informações, familiares, amigos e vizinhos da comunidade fizeram um protesto fechando a principal avenida do bairro do Jacintinho para cobrar das autoridades respostas sobre o desaparecimento do homem

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