‘A PM não dá chance para a juventude’, diz mãe de adolescente negro morto há 1 ano

    Igor Rocha Ramos, 16, foi morto por sargento com tiro na cabeça após ter corrido de abordagem na zona sul de SP em 2 de abril de 2020; caso ainda está sendo investigado pela Polícia Civil

    Igor Rocha Ramos, 16, trabalhava como jovem aprendiz e estudava na Escola Estadual Doutor Álvaro de Souza Lima | Foto: Arquivo pessoal

    “Um ano sem meu menino. Isso dá uma revolta e nos faz sentir incapaz. É muito difícil”. O desabafo da cobradora de ônibus Ana Paula Rocha, 45, é um misto de tristeza e indignação pela ausência do filho e pela falta de respostas sobre a investigação do caso. Em 2 de abril de 2020, o adolescente Igor Rocha Ramos, 16, foi morto com um tiro na cabeça pelo sargento Nelson Gonçalves da Veiga Almeida, no Jardim São Savério, bairro da periferia da zona sul da cidade de São Paulo.

    Naquele dia, por volta das 13h30, Ana Paula havia pedido para o filho ir à padaria comprar cigarros, já que estava afastada do trabalho por ter se contaminado com a Covid-19. Não deu tempo nem do adolescente chegar ao estabelecimento: ela conta que dez minutos depois o filho foi morto. Na época, testemunhas haviam relatado à Ponte que Igor subia uma travessa quando os PMs anunciaram a abordagem e o rapaz teria saído correndo. “O Igor tinha me falado que esse policial que o matou ameaçou ele, dizendo que quando colocasse a mão nele, não escaparia mais”, denunciou a mãe. De acordo com Ana Paula, ele havia se “ajeitado” depois de ter sido internado em 2019 na Fundação Casa por roubar um carro. Ela aponta que esse teria sido o motivo da ameaça, que teria acontecido dois meses antes.

    Já no boletim de ocorrência, o sargento Juliano Jorge Lopes Barbosa, junto com cabo Ronaldo, do 46 BPM/M, disse que receberam um chamado sobre um “indivíduo armado” na Avenida dos Ourives. A viatura da dupla chegou antes da que havia sido designada para atender a ocorrência. No local, declarou que visualizaram “um indivíduo em atitude suspeita” que, ao ver a viatura, “empreendeu fuga a pé, correndo”. Em seguida, o sargento Nelson Veiga, do mesmo batalhão, saiu da outra viatura e foi atrás do rapaz que “chegou a cair no chão em um declive de acesso a Travessa Ruth de Cabral Troncarelli, mas se levantou e continuou a fuga”. O sargento Barbosa afirma que “foi para uma rua debaixo, com o intuito de fazer um cerco ao indivíduo, sendo que não chegou a ouvir barulho de disparo de arma de fogo”.

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    Depois, o sargento Barbosa viu o adolescente ferido e o sargento Nelson Veiga lhe disse que “ao se sentir na eminência de ser atingido por disparos de arma de fogo, pois o indivíduo apontou um revólver na sua direção, se viu obrigado a efetuar um único disparo com a sua pistola .40” para “salvaguardar sua vida e repelir injusta agressão”. Segundo o BO, foi apreendido um revólver calibre 38, com duas cápsulas deflagradas e duas intactas que foi recolhida pelo sargento Veiga ao alegar que o rapaz ainda “apresentaria sinais vitais”. O PM disse que Igor não efetuou nenhum disparo. Igor havia sido socorrido ao Hospital Heliópolis, onde faleceu, segundo o documento. O caso foi registrado como ato infracional de resistência e morte decorrente de intervenção policial pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), da Polícia Civil.

    Na ocasião, testemunhas relataram à Ponte que o adolescente não estava armado e que policiais militares levaram câmeras de segurança da rua e ainda ameaçaram e agrediram as pessoas que protestavam logo em seguida à morte do rapaz. Um vídeo, na época, gravado por um morador gritando “mataram um menino inocente” mostra policiais segurando uma familiar. A mãe Ana Paula também havia mostrado marcas roxas na perna para a reportagem, denunciando ter sido agredida pelos policiais.

    A família havia apontado na época que o adolescente havia sido atingido na nuca. Laudo necroscópico feito pelo IML (Instituto Médico Legal) e obtido pela Ponte indica que Igor foi atingido na cabeça, por trás, e que o disparo saiu pelo pescoço.

    Em agosto do ano passado familiares e ativistas realizaram um protesto na região organizado pela Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio. Ana Paula passou a ter contato com outras mães que perderam os filhos para a violência policial e se mobilizar por justiça. Apesar de unir forças para cobrar respostas ao Estado, ela vê a história de seu filho se repetir no bairro. O adolescente Richard Rodrigues Crude também tinha 16 anos quando foi morto pela PM no mês passado. “Conhecia ele de vista, o pai dele era muito amigo do pai do Igor”, conta a cobradora.

    À frente Ana Paula Rocha, mãe de Igor, e manifestantes na Av. dos Ourives, em protesto à morte do adolescente, em agosto de 2020 | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

    Richard foi morto com um tiro na cabeça após uma perseguição de um suposto roubo com duas pessoas armadas e que teria ocorrido uma troca de tiros, na versão dos policiais, que alegaram legítima defesa. À Ponte, a família de Richard havia dito que moradores viram que o adolescente foi atingido já rendido. “Eles [os policiais] não dão chance para a juventude. Aqui tudo o que você vê é assassinato de jovens. Muito revoltante”, lamenta Ana Paula, que contesta a alegação de legítima defesa no caso dos dois rapazes. “Eles [os policiais] não imaginam a sequelas que causam nas nossas vidas”, prossegue.

    Em setembro do ano passado, o PM Veiga foi promovido de terceiro para segundo sargento por “antiguidade”, ou seja, tempo de corporação, segundo publicação do Diário Oficial do Estado.

    O que diz o governo

    A Ponte questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre do andamento das investigações e da atual situação do sargento Veiga.

    A InPress, assessoria terceirizada da pasta, informou que o caso ainda está sendo investigado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “As equipes realizam diligências para o esclarecimento das circunstâncias relativas aos fatos. Exames periciais estão em elaboração e serão anexados ao inquérito tão logo sejam concluídos”, diz a nota. A pasta não respondeu a respeito do policial.

    A reportagem também procurou a Ouvidoria das Polícias. O ouvidor Elizeu Soares Lopes declarou que está acompanhando o caso, mas, por causa do recesso municipal, apenas poderia dar uma resposta na segunda-feira (5/4).

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