‘A polícia montou o circo, só precisava dos palhaços’

    Mãe de um dos 40 detidos em represália pela morte de um delegado no Rio de Janeiro critica operação: “o policial disse que se meu filho estava preso é porque estava devendo”

    O delegado da Polícia Civil Fábio Monteiro, 39 anos, foi assassinado no dia 12/1 nos arredores da comunidade do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro. O policial estava voltando do almoço para a Cidade da Polícia – complexo que reúne várias delegacias especializadas da Polícia Civil fluminense – quando foi reconhecido por criminosos, sequestrado e morto. Fábio trabalhava na própria Cidade da Polícia e era novato na corporação, tendo ingressado em 2013. Além de agente, ele também era professor de Direito Penal e Processo Penal.

    A resposta da corporação ao assassinato, porém, pecou pela falta de inteligência operacional e assustou pela brutalidade. Essa é a visão da mãe de um rapaz de 22 anos que foi levado em fila amarrado junto com outros 39 detidos para averiguação. Ela conta que o filho foi obrigada a assinar um documento sem poder ler. “Ele está apavorado até agora, porque ou ele assinava ou a polícia ameaçava de dividir a culpa do suspeito com ele”, conta a mulher, que pediu para não ser identificada. Segundo a Polícia Civil, apenas 3 destes tinham mandados de prisão e foram detidos. Dos 37 que sobraram, todos foram liberados. “Na porta da delegacia, o policial me disse que quem estava lá dentro é porque estava devendo”, criticou a mãe do rapaz que estava cortando o cabelo no momento da detenção.

    Foto: Divulgação PCERJ

    A Ponte questionou, por e-mail, a Assessoria de Comunicação da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro sobre supostos erros na operação, além da humilhação pela qual passaram as 40 pessoas que foram amarradas e muitas delas, como o filho desta mãe que desabafou à reportagem, levadas sem qualquer evidência de ligação com o crime. Até a publicação da reportagem, não havia resposta.

    Em conversa com a Ponte, a mulher deu detalhes da detenção do filho. O rapaz não quis comentar o caso por medo de represálias.

    O que aconteceu com seu filho no dia 12 de janeiro?

    Meu filho e eu não moramos no Jacarezinho. Nós moramos perto. Além disso, ele tem uma namorada que também mora nos arredores. Nesse dia, ele foi cortar cabelo junto com um amigo lá pelas 14h, quando o tal delegado já tinha morrido.

    Seu filho não estava sabendo da operação?

    Não. Não estávamos acompanhando. Como eu disse, ele estava cortando o cabelo na hora que o Águia (Helicóptero da Polícia Civil) passou atirando. Ele disse que o helicóptero estava tão perto que conseguiam ver os rostos deles na aeronave. Por sorte não atingiram ninguém. Foi depois disso que a CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais) entrou.

    Como foi a atuação deles no chão?

    Eles entraram revistando todo mundo, segundo o que meu filho me informou. Criança, adolescente, homem, mulher. Quando começou o tiroteio, muita gente acabou entrando na barbearia para se esconder. Assim que um agente da CORE entrou lá para revista, um monte de gente começou a mostrar seus documentos, alguns mostraram que estavam cortando cabelo e que sequer haviam terminado. Mas não teve conversa. O policial foi logo botando aquela fita na mão de geral e levando todo mundo junto pra Cidade da Polícia. Meu filho disse que o policial alegou que tinha um suspeito na barbearia.

    E você ficou sabendo quando?

    Eu só me dei conta do que aconteceu após umas 8 horas porque, como já disse, ele fica sempre com a namorada dele, que mora perto da comunidade. Foi ela que me ligou chorando dizendo que um amigo tinha visto o namorado dela na TV. Eu fiquei nervosa e junto com uma sobrinha fomos pra frente da Cidade da Polícia.

    Vocês conseguiram entrar?

    Quando chegamos na portaria eles não queriam dar informação nenhuma, e o policial foi extremamente grosseiro. Dizia que só estava lá dentro quem estava devendo. Eu argumentei com ele que meu filho não era bandido e que apenas tinha ido ao Jacarezinho para cortar cabelo. Ele me respondeu que se ele não morava lá não tinha razão dele ir e voltou a afirmar que só estava lá dentro quem estava devendo. Em resumo, foi um inferno. Minha pressão está alta mesmo vários dias depois.

    Quando e como seu filho chegou em casa?

    Ele chegou em casa apenas por volta de meia noite com as mãos inchadas de tanto ficar sentado em cima delas. Meu filho comentou que aparentemente havia realmente um suspeito no grupo de 40 que foi levado à delegacia e que este foi um dos últimos a ser averiguado.

    Ele chegou a comentar como foi o tratamento na delegacia?

    A polícia queria que o pessoal detido denunciasse o tal suspeito, ameaçando os presentes que eles dividiriam a pena com o tal suspeito, enfim, fazendo terror psicológico. Meu filho disse que deram um termo pra ele assinar. Ele tentou ler mas logo levou um encontrão de um policial, que disse pra ele que não era para ler, e sim para assinar. Ele ainda tentou argumentar que não podia rubricar um papel sem ver, mas não teve jeito.

    Ele não conseguiu ver nada do tal documento?

    Ele viu de relance. Disse que era sobre algo de testemunha, como se ele tivesse testemunhado que um tal suspeito era bandido. Por isso que ele está apavorado até agora, porque ou ele assinava ou a polícia ameaçava de dividir a culpa do suspeito com ele. Além disso, quem mora no Jacaré sabe quem é quem. Vai que essa informação chega no ouvido de bandido.

    Ele sabe quais são as próximos passos?

    Meu filho não sabe o que vai acontecer. Eu passei mal e ele sequer conseguiu dormir naquele dia. Mas não foi apenas ele. Muitos pais e mães sofreram também. A Polícia Civil pegou esses 40 porque queriam dar satisfação para a sociedade. Eu não entendi até agora a razão desse circo todo. Parece que só precisavam dos palhaços, que foram pegos porque estavam na hora errada no lugar errado. E muitos ainda tiveram a cara estampada nas TVs e nos jornais. Saiu uma foto do meu filho que eu chorei muito quando eu vi. Aquela foto acabou comigo.

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