Ações policiais na Maré, no Rio de Janeiro, são alvo de plano contra violações de direitos

    É a primeira vez que o Poder Judiciário exige do Governo Estadual a criação de um plano de segurança específico para um território da cidade

    No alto, porta de casa que teve vidro quebrado por policiais e invadida em 26/1 | Foto: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo

    Uma decisão da Justiça emitida no último dia 27 de junho cobra mudanças na forma como as polícias atuam no Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte da capital fluminense, onde são registrados, há anos, diversos casos de agressões, homicídios, invasões de casas sem mandado e outras violações de direitos de moradores praticadas por policiais durante operações nas comunidades. É a primeira vez que o Poder Judiciário exige do Governo Estadual a criação de um plano de segurança específico para um território da cidade.

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    A Ação Civil Pública da Maré, movida pelo Nudedh (Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos) da DPRJ (Defensoria Pública do Rio de Janeiro) em junho de 2016, resultou de uma mobilização pelo direito dos moradores do Complexo à segurança pública, que teve início quando, em meio a uma violenta e incessante operação ocorrida no dia 29 daquele mês – nas favelas Nova Holanda, Rubens Vaz, Parque Maré e Parque União – integrantes das organizações não governamentais Redes de Desenvolvimento da Maré e Luta pela Paz, e de associações de moradores locais, foram ao Plantão Judiciário do TJRJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro) denunciar os abusos que estavam sendo praticados por agentes do Bope (Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar) naquele dia.

    Com o apoio da Defensoria Pública, o grupo conseguiu, naquela noite, que fosse emitida pela juíza uma liminar judicial que determinou o fim daquela operação e proibiu a realização de operações policiais no turno da noite. Desde então, a Redes da Maré vem fornecendo à DP e ao MP informações e dados sobre violações de direitos praticadas por policiais nas comunidades e pressionando o andamento desta ação, por meio de relatórios, reuniões e atendimentos a moradores.

    Policiais ostentam fuzis em calçada da comunidade Nova Holanda durante operação em 13/12/2016 | Foto: Arquivo pessoal

    Segundo o defensor público Daniel Lozoya, integrante do Nudedh, a partir daquela liminar, a Defensoria moveu uma ação mais ampla, que resultou na decisão do juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública, que determinou que a Seseg (Secretaria de Segurança do Estado) apresente, no prazo de 180 dias, um plano de redução de riscos e danos para o enfrentamento a violações de direitos humanos decorrentes de intervenções policiais na Maré; garanta a presença obrigatória de ambulâncias durante as operações policiais nas 16 favelas do complexo e a implementação de equipamentos de vídeo, áudio e GPS em todas as viaturas das Polícias Civil e Militar do estado. Além disso, exigir que mandados judiciais de prisão e de busca e apreensão devem ser cumpridos durante o dia, salvo em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro.

    “A gente também pediu que não fosse aceito como justa causa para invasão de domicílio uma simples denúncia anônima, mas isso não foi acatado pelo juiz. A questão principal é a elaboração do Plano de Redução de Danos, da gente cobrar da Secretaria de Segurança mais transparência na prestação de contas”, afirma Lozoya. “As incursões policiais causam tantos danos. Qual é o benefício extraído de tantos sacrifícios desses moradores? Isso compensa? É uma questão de interesse público que precisa ser debatida”, completa.

    O defensor afirma ainda que a intenção é que este seja uma espécie de “projeto piloto” a partir do qual o mesmo plano de segurança contra violação de direitos possa ser implementado em outros territórios do Rio de Janeiro. Ele ressalta também a importância da mobilização das organizações e moradores envolvidos nesse processo, no qual há uma troca constante e fundamental com a Defensoria.

    Para a fundadora da Redes de Desenvolvimento da Maré, Eliana Sousa Silva, trata-se de uma importante vitória. “Esse tipo de ação é fundamental para mudarmos a situação de inércia que vivemos atualmente no campo da segurança  no Rio de Janeiro. Em relação aos moradores da Maré, é uma forma concreta de mostrar que é preciso um trabalho coletivo para se efetivar o direito inexistente à segurança pública nas favelas”, afirma.

    Cadeiras derrubadas e comércio fechado na Maré, durante operação policial | Fotos: Luiza Sansão/Ponte Jornalismo

    Dias de terror em junho de 2016

    De acordo com documento da Defensoria, durante a referida operação foram baleadas pelo menos três pessoas sem envolvimento com o confronto armado, tendo uma delas morrido. Além disso, cerca de 150 pessoas, sendo a maioria crianças e adolescentes, viram-se sitiadas na sede da Redes de Desenvolvimento da Maré, e crianças que estavam sob os cuidados da Associação Luta pela Paz também correram riscos.

    Ainda segundo a Defensoria, outra operação ocorrida dias antes, no dia 24/06/2016, teve o saldo de três mortes, 22 unidades de ensino fechadas e dez tiros sobre a Biblioteca Infantil Maria Clara Machado, que funciona em uma sala dentro do prédio da Biblioteca Lima Barreto, na Rua Sargento Silva Nunes, na favela Nova Holanda.

    “Calcula-se que aproximadamente 5.531 (cinco mil quinhentos e trinta e um) estudantes permaneceram sem aulas, assim como incontáveis moradores foram forçados a buscar asilo em suas casas ou locais de trabalho por conta do estado de terror advindo do confronto entre policiais e pessoas envolvidas com os crimes de tráfico de drogas no local”, diz ainda o documento.

    Outro lado

    A reportagem da Ponte Jornalismo enviou à Seseg (Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro), por meio de sua assessoria de imprensa, os seguintes questionamentos:

    1. Uma das determinações da decisão é de que a Seseg apresente, no prazo de 180 dias, um plano de redução de riscos e danos para o enfrentamento a violações de direitos humanos decorrentes de intervenções policiais na Maré. Como a Secretaria pretende atender a essa demanda?

    2. Outra exigência é de que a Seseg garanta a presença obrigatória de ambulâncias durante as operações policiais nas 16 favelas do complexo e a implementação de equipamentos de vídeo, áudio e GPS em todas as viaturas das Polícias Civil e Militar do estado. Qual a perspectiva com relação a essas questões?

    3. Além disso, mandados judiciais de prisão e de busca e apreensão deverão ser cumpridos durante o dia, salvo em caso de flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Como a Seseg vê essa questão?

    Em resposta, a pasta enviou a seguinte nota:

    “A Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) esclarece que recebeu o ofício, enviado pelo Tribunal de Justiça, na noite da última quarta-feira (05/07) e já solicitou que as polícias civil e militar tomem as providências necessárias. Nos últimos dias, o secretário de Segurança, Roberto Sá, determinou que as polícias do Estado – notadamente a Polícia Militar, que detém a atribuição do policiamento ostensivo – revejam procedimentos, aperfeiçoando suas normas internas sobre operações tanto planejadas quanto emergenciais. Roberto Sá destaca que ‘a preservação da vida e da dignidade humana, bem como a valorização profissional e a ação qualificada, são parte do planejamento estratégico da Secretaria de Segurança’. Ele reforçou ainda que a política de segurança nunca foi a do confronto”.

     

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