Adirley Queirós: Direitos humanos é a possibilidade de afeto entre as pessoas

    Em Buenos Aires para apresentar seu novo filme, cineasta fala sobre construção do imaginário da violência a partir da opressão do Estado, perseguição política e afirma que a eleição será ‘a mais dramática de todos os tempos’

    O cineasta Adirley Queirós | Foto: Assessoria CineMigrante

    Adirley Queirós é o antiestado. Eloquente e verborrágico, a figura de um cineasta excêntrico e falastrão contrasta com a estética de seus filmes que, produzidos com baixíssimo orçamento, exploram a luz e o som ambiente, a poética do silêncio e a melancolia da solidão para denunciar a violência e, por que não, o fascismo do Estado no dia a dia de suas ações. A esse processo, o cineasta dá o nome de “etnografia de ficção”.

    Diretor de Branco sai, Preto fica, que trata da violência policial em um baile de black music dos anos 80 e as sequelas eternas para duas vítimas, Adirley agora lança o Era uma vez Brasília, que conta a história de um agente intergaláctico que, em 1959, recebe a missão de vir para a Terra e matar o presidente Juscelino Kubitschek, no dia da inauguração de Brasília. Porém, a nave se perde no tempo e aterrissa em 2016, em Ceilândia, no Distrito Federal.

    Queirós vem a Buenos Aires à convite da curadoria do CineMigrante, uma mostra com foco no cinema produzido por estrangeiros e suas diferentes perspectivas acerca dos direitos humanos. Usando uma camiseta preta e branca, no estilo time de futebol com um brasão escrito “Ceilândia”, cidade-satélite de Brasília em que o cineasta é radicado e a qual considera um “aborto territorial”, palco de um sem-número de abusos do Estado contra a população, majoritariamente negra e pobre, o cineasta conta como o cinema pode propor as armas para construirmos um novo imaginário coletivo. Além disso, faz um alerta sobre as eleições do próximo domingo (7/10): “Eu acho que vão ser as eleições mais dramáticas de todos os tempos para nós, brasileiros. Se um cara como Bolsonaro ganha, nós vamos entrar num estado de calamidade, mesmo que não seja prático, vai ser imaginário – o que é pior. O que ele traz de violência imaginária é muito grande”, afirma.

    Confira a entrevista concedida à Ponte:

    Ponte – Como você e sua equipe retratam a violência de Estado em suas obras?

    Adirley Queirós – Basicamente, a gente não é publicitário. Dinheiro do Estado, de concurso público, para o cinema ou para literatura, ou o que seja, é dinheiro conquistado historicamente pelas classes artísticas, não é publicidade. Tem pessoas que pegam o dinheiro e fazem publicidade e depois dizem que “queriam fazer mais”. Isso é mentira. Na verdade, não querem se arriscar e pronto. Obviamente que tem consequências, todo Estado gera consequências sobre você. Você não querer assumir as consequências, é uma coisa…

    Ponte – Que consequências?

    Adirley – Consequências, talvez, de vigilância, de perseguição…

    Ponte – Você já foi perseguido?

    Adirley – Eu já fui perseguido depois das obras, mas nunca fui perseguido em um edital público. Já perdi e já ganhei. E quando eu perdi, era porque o projeto não era bom. Entrei como todo mundo entra, coloquei porque tinha que colocar. E ainda bem que não ganhou, porque ia ser um filme de merda. Eu nunca fui perseguido num edital público, mas tenho amigos que falam que são perseguidos. Eu acredito que possa haver a perseguição. Só que a perseguição é muito mais sutil hoje. O que a Ancine faz? A Ancine, quando tem o golpe brasileiro [se referindo ao impeachment da presidente Dilma], se modifica. A Ancine é o maior fundo brasileiro, cara. O único fundo que funciona dessas agências é a Ancine. Como que acontece com a Ancine? Você sabe como funciona a Ancine? De onde vem o dinheiro da Ancine? A Ancine basicamente vem da telefonia celular. Então a Ancine tem um fundo do tamanho do mundo. Um fundo que foi muito bem articulado primeiro pela turma do [Gilberto] Gil e depois do Juca [Ferreira. Ambos Ministros da Cultura do Governo Lula]. Este fundo da Ancine não tem fim. Os caras cresceram o olho nele. A direita cresce o olho nele. Com esse novo governo, a Ancine, muito esperta, não vai automaticamente bater no tipo de cinema que está sendo feito. Mas vai, sim, limpando aos poucos. Ela limpa quando chama os jurados, porque ainda é subjetivo. Por mais que você passa por toda uma avaliação de empresa, se você presta conta, se você não presta conta, se seu filme circulou ou não circulou… Mas aquele mote que sobra, cai no júri. E se você avaliar a formação do júri da Ancine, você vai ter praticamente todo mundo associado à direita, à Rede Globo, ao SBT, à grande mídia em geral. Você acha que, por exemplo, esses roteiristas vão dar um projeto pra mim? Claro que não. Então, a perseguição da Ancine é muito mais nesse sentido do que uma perseguição necessariamente pessoal. Tipo “fulaninho de tal não pode ganhar”. Mas o que “fulaninho de tal” representa tem que perder.

    Ponte – Talvez o fato de Aquarius não ter representado o Brasil no Oscar e ter sido indicado um filme bem menos conhecido…

    Adirley – Mas é justamente isso. O que é mais absurdo ainda é que o “grande protesto” de Aquarius é uma folha A4, né? Que o filme não é tão político assim. Eu adoro o Kleber Mendonça [Filho, diretor de Aquarius], mas o Aquarius não é um filme de esquerda, desculpa. O Aquarius é um filme que o que tem de discussão política é uma discussão de território, que é muito comum da geração de Pernambuco e quando ele sobe em Cannes com a folhinha A4. Isso que é o assustador: uma folha de A4 vira perseguição política. Não é nem um filme que tem uma estética política e blá, blá, blá. Não é isso. Isso é uma perseguição.

    Ponte – Você considera esse tipo de perseguição uma violência de Estado?

    Adirley – Muito! O que fizeram com o Kleber é uma violência de Estado. O que se faz com o Kleber hoje é uma violência de Estado. As contas do Kleber são vasculhadas de corpo a alma, sabe disso, né? Chamaram o Kleber pra devolver dinheiro durante o filme. Um filme igual Aquarius, que rodou o mundo todo, que se pagou mil vezes, entende? Isso é uma perseguição explícita.

    Ponte – Eu queria retomar a primeira pergunta: de que maneira essa violência de Estado, seja por perseguição, seja por violência física – como no caso do seu filme Branco Sai, Preto Fica – é retratada nos seus filmes?

    Adirley – Eu acho que todo filme deveria ser antiestado. Do lugar de onde eu venho, o que existe de mais constante é a violência do Estado sobre as pessoas. Eu estou falando sobre populações negras. Eu venho de um lugar, então, em que muito mais de dois terços da população é negra. As periferias brasileiras são negras e a periferia do DF [Distrito Federal] é totalmente negra também. Dois terços de Ceilândia [cidade-satélite de Brasília, fundada em 1971] são homens e mulheres negras. Muitos e muitos dos meus amigos sofreram violência policial. Violência policial, de Estado em vários níveis, violência de mercado, violência de empresas. A mais marcante é a do Estado, que tem a legitimidade das armas, a legalidade das armas. O nascimento da cidade de Ceilândia é uma violência de Estado contemporânea. Ceilândia é o primeiro aborto territorial do DF. Ceilândia é um dos maiores abortos territoriais da história desse país. E do mundo, se você imaginar assim: onde, no mundo, você tira 80 mil pessoas de um espaço em menos de três dias, enfiando em caminhões? Se fosse na II Guerra Mundial, a gente já se assustaria, imagina hoje? Quer dizer, em 1970. Tudo bem, Ditadura Militar. Mas o que seria isso? A própria história da cidade é uma violência de Estado. A gênese do nascimento da cidade de Ceilândia, C-E-I: Campanha de Erradicação de Invasões. Uma cidade que tem o nome da sigla da opressão. Ceilândia nasceu com o nome da sigla da opressão. É tão cínico o processo!

    Cena do novo filme de Adirley Queiros “Era uma vez Brasília” | Foto: Reprodução

    Ponte – E acredita também que houve influência do regime que vigorava na época, já que a cidade foi fundada em plena Ditadura Militar?

    Adirley – Eu sou de 1970. Fui para Ceilândia em 1973. Toda minha história é acompanhando o processo da cidade e, como consequência, os vários processos de exclusão. Eu sou de um tempo em que o Exército chegava e batia na gente na esquina. O Exército mesmo, não a polícia. Desciam os canhões do Exército, isso em 1978, 1979, a gente molequinho, menino de 9 anos, apanhava do Exército. A gente encostava na parede e o Exército batia com tudo na gente. Batia no saco da gente. Enfiava um negócio no cu da gente. E isso em 1978, cara, isso foi ontem! Isso quem fazia era o Exército brasileiro, e depois é a polícia, que cumpre o mesmo papel. Mas a polícia é mais seletiva, porque é [violenta] com homens e mulheres negras. A polícia tem uma pré-seleção na periferia. Eu mesmo sou um cara branco e passo ileso muitas vezes, mas muitos dos meus amigos não passam. Ao mesmo tempo e até porque ela tem uma violência de origem, ela tem uma resistência de origem. E isso se manifesta na música, nas pessoas, nos movimentos sociais da cidade. Se você olhar bem, a primeira referência popular que tem à cidade de Ceilândia é na música do Renato Russo, aquela do “Faroeste Caboclo”. E é muito engraçado porque, para quem era brasiliense, ir à Ceilândia era um ritual de passagem. Passada a juventude, o cara tinha que ir à Ceilândia comprar droga, que é o estereótipo que o rock de Brasília tinha sobre Ceilândia.

    Ponte – E por que você considera que a violência precisa ser um tema desse universo do imaginário construído pela arte ou a partir da arte?

    Adirley – Meus filmes falam sobre isso, porque eu e meus amigos, as pessoas que eu retrato vivem isso, essa constante opressão. Em “Branco Sai, Preto Fica”, por exemplo, eu abordo isso: como a polícia chega e atira no cara. Eu retrato a história de uma das várias pessoas com quem isso aconteceu. Cada um daqueles são exemplos de várias pessoas. E aquilo era muito recorrente nos anos 80. Ceilândia é um dos lugares que mais tem pessoas em cadeira de rodas aos 40 anos. Nos anos 80, atingidas por balas da polícia. É assustador você andar pela cidade e ver o tanto de cadeirantes andando para cima e para baixo, de jovens adultos, vamos dizer assim. É muito violento. Eu penso que, os filmes que a gente faz, também buscam uma violência contra o Estado. Batendo de frente com o Estado.

    Ponte – Embora retrate realidades, utilize linguagem documental, você costuma também lançar mão de elementos de ficção, às vezes até trazendo um conceito distópico. Por que essa escolha de brincar na linha tênue entre a ficção e a realidade?

    Adirley – Eu penso que os filmes que faço são etnografias de ficção. A etnografia clássica é de realidade, vamos dizer assim: etnografia antropológica, sociológica, aquela coisa clássica. Nós propomos os personagens ficcionais – você não é você, você é outra coisa que eu quero que você seja. Você cria um imaginário de vários elementos, várias histórias, daquilo que você ouvia na infância e que retratam a realidade da cidade, mas não é necessariamente a sua realidade. Eu quero que você viva como se você condensasse tudo isso num arquétipo só. Como o ator vai conseguir trabalhar sem roteiro prévio? Só há uma forma: é você propor uma imersão radical com o processo. Por exemplo, em “Era Uma Vez [Brasília]”, aquela nave que aparece no filme, nós ficamos três meses toda noite dentro de uma oficina de desmanche de carros, que nós alugamos uma parte. Os caras roubavam carros e desmanchavam de cá, e a gente tinha um espaço. Era como se fosse um cenário. Nós ficamos três meses balançando aquele carro, até a gente acreditar que aquela porra podia voar. Até a gente acreditar que aquele cara [o protagonista] era um cara que veio do planeta “Sol Nascente”, que é, na verdade, a maior periferia de Ceilândia. Hoje, acho que que é a maior da América Latina. Em que a disputa por espaço não é necessariamente das drogas, mas por lotes, por casas. Os caras se matam pelas casas e tomam as casas dos outros. E a promessa é essa: eu vou ganhar um lote no Sol Nascente se eu matar o Presidente [da República]. Às vezes, o cara mata para ganhar um lote no Sol Nascente. O que tem muito nessa história é uma tentativa de etnografia da ficção.

    Ponte – Mas como que isso pode se transformar em objeto esteticamente possível para um filme?

    Adirley – A gente não tem recurso para fazer uma nave, a gente nem quer na verdade. Tudo é feito na trucagem, e é uma trucagem analógica, não é trucagem digital. Os efeitos especiais são os dos anos 70. Quando a nave está voando, são dois serralheiros atrás cortando algum pedaço de ferro e que sai umas faíscas. Aí dá a impressão que ele está rompendo as estrelas. A nave balança porque ela é cheia de amortecedores. Você é um presidiário no espaço. A sua nave é uma cela de prisão. Toda a constituição sonora do começo é como se fosse de Alcatraz: o cachorro que late, a cela que balança, as correntes que passam… é como se ele estivesse preso. A gente falava que existiam cachorros intergaláticos. Se você fugiu, os cachorros intergaláticos vão ficar na sua cola para o resto da vida. A ideia era a polícia ser um cachorro intergalático. A estética vem de toda essa possibilidade de você reinventar narrativas, quebrando modelos clássicos de pontos de virada ou de construção de personagem. A possibilidade estética de trabalhar com essa etnografia da ficção é também trabalhar com uma forma estética que lide com isso. Porque você imagina: como que seria um filme de periferia, então, se a gente tivesse uma equipe de 30 pessoas filmando no modelo tradicional de cinema? Ninguém conseguiria atuar, cara. Ninguém conseguiria atuar com 20 pessoas passando, a pessoa atuando e tendo 30 assistentes do lado.

    Ponte – E por que a opção pela distopia? 

    Adirley – Eu acho que a distopia faz parte da minha experiência. Eu nunca elaborei um pensamento para fazer filmes distópicos, mas a forma da minha experiência ser abordada talvez seja distópica. E a distopia tem muito a ver com Brasília também. A ideia utópica de uma Brasília que não deu certo para gente. A Ceilândia é a negação de Brasília, na verdade. É o espelho partido de Brasília. Brasília é madrasta de Ceilândia. A gente sempre olha ela [Brasília] como uma vilã, essa é a nossa distopia. Ao mesmo tempo, tem um fascínio por ela. Amar e odiar ao mesmo tempo. É muito contraditória essa relação.

    Ponte – Uma espécie de Síndrome de Estocolmo…

    Adirley – Exatamente. Fascinado pelo opressor, pela pessoa que te oprime. A geografia de Brasília também é distópica, porque é uma cidade muito nova. E no olho dessa modernidade dos prédios, da especulação imobiliária, rapidamente as coisas se destroem e se misturam. E também por não acreditar nem um pouquinho nessas políticas públicas de Estado. Eu trabalhei na Secretaria de Saúde de Brasília durante 10 anos. Eu era maqueiro. Eu não acredito em nada do que eles falam, eu vivi aquilo um pouco. Toda a minha vivência foi nesse caminho, na urgência e no limite. E talvez por isso eu tenha essas vontades de fazer e de falar, porque a única oportunidade que a gente tem é de abrir o verbo, é de dizer “não!”, que não temos que ser oprimidos tanto tempo pelo Estado. A gente não pode achar que aqui isso é normal. A gente não pode achar que uma pessoa que chega doente no hospital e infarta na fila é normal. A gente não pode acreditar que um cara que apanha na rua e fica traumatizado pelo resto da vida é normal. Eu acho que o cinema tem essa possibilidade de dizer bem assim: “Opa! O que vocês estão fazendo?”. Nós estamos no meio de uma guerra. O cinema pode propor guerra, é o único lugar que pode propor as armas. No “Era Uma Vez” a gente propõe as armas. A gente encara o discurso do [Presidente Michel] Temer de frente. O Temer narra “uma ponte para o futuro”, o carro explode lá em cima, que é o meu carro.

    Ponte – O seu carro, literalmente?

    Adirley – A gente tinha que fazer uma cena que tivesse remetesse a uma violência contra as instituições sagradas do Estado, que é o carro, que é a casa. Eu falei “bota o carro!”. A gente explode de verdade o meu carro, não é trucagem. A gente bota umas bombinhas lá dentro, põe um monte de gasolina, faz um controle muito doido, totalmente alucinado, fizemos pelo Youtube, um mecanismo doido de Youtube lá, que podia ter dado tudo errado, mas deu certo.

    Ponte – Você veio a Buenos Aires para participar do CineMigrante, que é uma mostra de artistas e diretores de outros países e continentes, com foco em direitos humanos. Qual a sua concepção sobre o tema?

    Adirley – A ideia de Direitos Humanos é a possibilidade de estar vivo e de poder construir e criar coisas. Vem do artigo 5º da Constituição – direito à moradia, direito à cidadania, direito à vida, direito à liberdade. É a possibilidade de poder interpretar o que está acontecendo. Se você não consegue isso, você não pode lutar por direito nenhum. Isso passa pela ideia de educação básica de qualidade, passa por uma possibilidade mínima de você poder ser o que você é no sentido de dinheiro, de território, de espaço, de ideologia, de luta. Eu acho que direitos humanos têm que estar diretamente atrelados à políticas de Estado. O Estado tem a obrigação de contribuir. Isso é o mínimo que ele pode fazer. É a possibilidade mínima do afeto entre as pessoas, de diminuir as barreiras entre elas. A ideia de direitos humanos está sempre ligada à articulação do que é a sociedade. As pessoas têm que compreender que o direito humano é um direito, uma outra situação não pode ser permitida. Tudo o que está fora dos direitos humanos não pode ser aceito jamais.

    Ponte – E como o cinema contemporâneo tem se dedicado a essa temática?

    Adirley – O cinema atual tem muito slogan, muita conversa furada. É muito fácil chegar aqui, para o público do CineMigrante, e falar quatro palavras de direitos humanos. Você vai ser ovacionado, obviamente, porque você está antenado na gramática que o público está. Mas será que o seu filme é isso? Será que a sua história é isso? Ou tu tá falando uma coisa que nesse momento também é mercado? No Brasil, temos cotas para cinema negro, para mulheres, para trans. Qual país do mundo tem isso? E não é pouco dinheiro. É uma vanguarda, isso é maravilhoso. Se ele [um cineasta trans] faz um filme antenado com a identidade dele, isso já é uma conquista de direitos humanos. Ele vai criar uma identidade trans na tela. Da mulher negra, a mesma coisa. Do homem negro, a mesma coisa. Isso é conquista. Fora disso, é slogan. Fora disso, é tudo o que a gente fala, fala, fala e não se cumpre na política, não se cumpre na ação do trabalho. Porque o que a gente faz é criar imaginários. Um filme, uma literatura, um texto. Se naquele trabalho não estão esses enfrentamentos, então eu não acredito, para mim é só slogan.

    Ponte – Como você acha que o resultado das próximas eleições vai afetar a produção cinematográfica e as políticas de defesa dos direitos humanos no Brasil?

    Adirley – Eu acho que vão ser as eleições mais dramáticas de todos os tempos para nós, brasileiros. Se um cara como Bolsonaro ganha, nós vamos entrar num estado de calamidade, mesmo que não seja prático, vai ser imaginário – o que é pior. O que ele traz de violência imaginária é muito grande. Mesmo que, no final, o mercado financeiro chegue pra ele e diga: “Pera aí! Isso a gente não consegue sustentar com tanta tosquice que você está fazendo”. Mas o imaginário que você constrói é um imaginário de violência, de opressão, de misoginia, de sexismo. Esse imaginário vai dar asas para uma geração de meninos jovens ser como ele. Temos todos que lutar de maneira absurda, desesperada para que ele não ganhe. Qualquer outro. Até o Alckmin, qualquer outro. Menos um cara que tem um imaginário tão violento como ele tem, tão reacionário como ele tem, e tão misógino, sexista, tudo que há de ruim nesse mundo. Acho que as eleições vão impactar profundamente na produção de cinema, porque o que vai acontecer é isso: os filmes voltados para um tipo de mercado. Como você tem na GloboFilmes, esses filmes que tem a piadinha, homens e mulheres brancas falando da empregada, dos homossexuais, como é a televisão. Bolsonaro talvez seja o cara que tem mais expertise em relação às redes sociais com os jovens. Eu tenho filhos em casa e é uma luta cotidiana para que eles entendam o tanto que ele é perverso, porque eles acham graça, inclusive. Quando o Bolsonaro chega com cara de macho e bate em todo mundo, os meninos morrem de rir. Entende como é uma luta cotidiana contra as redes sociais para os adolescentes, que são os futuros eleitores? É uma contradição: esses caras que a gente achava hilários, que a gente achava idiota, talvez sejam os caras que mais se apropriaram de uma estética contemporânea. Não gosto dos da esquerda que estão presos numa estética dos anos 70, 80, que é linda, maravilhosa, mas é uma nostalgia. Hoje é Mano Brown, saca?.

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