Adolescente negro tem quase 2 vezes mais risco de ser morto do que um branco em SP

    Comitê de Prevenção a Homicídios na Adolescência mostra que uma pessoa de 15 a 19 anos tem 85% mais chance de ser morta do que um adulto de 30 anos

    Enterro de Gabriel Paiva em 22/4/2017; o jovem foi morto a pauladas pela PM na zona sul de SP | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    Os adolescentes negros e pobres da Cidade Ademar, na zona sul de São Paulo, sempre foram um alvo preferencial da Polícia Militar. Um dos PMs em especial, o soldado Jefferson Alves de Souza, tinha o hábito de carregar um pedaço de pau para espancar os jovens que encontrava na rua à noite.

    Uma noite, em 16 de abril de 2017, bateu tanto em um dos adolescentes, Gabriel Alberto Tadeu Paiva, que ele já estava em coma quando deu entrada no pronto-socorro, levado por outros PMs, que reclamaram do trabalho. “Olha o que seu irmão fez com a minha viatura, agora vou ter que lavar esse sangue”, disse um dos policiais para um irmão de Gabriel.

    Quatro dias depois, Gabriel morreu, entrando para as estatísticas das mortes de adolescentes em São Paulo, tema de uma pesquisa do Comitê Paulista de Prevenção de Homicídios na Adolescência, divulgada nesta quinta-feira (5/9) durante o lançamento da organização na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

    O comitê reúne representantes do legislativo, do poder executivo – representado pela Secretaria de Justiça – e da sociedade civil – representado pela análise de dados feita pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

    Os dados mostram que um adolescente de 15 a 19 anos tem 85% mais chance de ser morto no estado de São Paulo do que um adulto acima de 30 anos. Se a vítima for negra e do sexo masculino, a situação é ainda pior: o índice de homicídios de negros nessa faixa etária em 2017 foi de 23,5 por 100 mil habitantes, enquanto de brancos foi de 13,4 por 100 mil. Em 2017 a taxa foi de 35,5 mortes de meninos por 100 mil, enquanto a taxa entre meninas de 15 a 19 anos era de 3,1 mortes por 100 mil.

    Apesar de serem mais vitimados, a parcela de adolescentes negros na população paulista é menor. Segundo dados da PNAD 2015 (IBGE), entre as pessoas de 15 a 19 anos residentes no estado, 55,9% são brancas e 43,1% são negras.

    Adriana Alvarenga, coordenadora do escritório do Unicef em São Paulo, afirma que o dado apenas repete uma lógica que vitima o negro e confirma a sociedade racista em que vivemos. “Ele repete um pouco o que acontece no Brasil como um todo, não é exclusividade de São Paulo. Os negros são a maior parte das vítimas de mortes violentas. Você tem uma questão histórica de racismo no Brasil, o racismo institucional, o fato de serem eles as maiores vítimas da pobreza, da evasão escolar, da dificuldade de ingressar no mercado de trabalho. Esses são todos fatores de vulnerabilidade que levam ao homicídio”, explica.

    A análise levou em conta a série histórica (2008-2017) de mortes violentas de três faixas etárias: 15 a 19 anos, 20 a 29 anos e adultos com 30 anos ou mais. O levantamento mostrou que, se os homicídios de jovens em geral em São Paulo apresentaram redução, o Estado fracassou quando o assunto é a valorização à vida de adolescentes. “A taxa de homicídios de jovens de 20 a 29 anos caiu 36% entre 2008 e 2017. A taxa de adultos de 30 anos ou mais, que já era a mais baixa, apresentou queda de 33%. Já a taxa de homicídios de adolescentes oscilou no período 2,4%”, aponta trecho do estudo.

    Para Adriana Alvarenga, é preocupante a constatação de que está mais perigoso ser adolescente do que adulto em São Paulo. “Criança e adolescente são prioridades declaradas e assumidas na nossa legislação, nas convenções que o Brasil assumiu. E isso não é à toa. Eles estão numa condição peculiar de desenvolvimento e, por isso, precisam de uma atenção diferenciada e apoio de toda sociedade”, avalia.

    Um dos pontos centrais da discussão, segundo a coordenadora do Unicef em SP, é entender o quanto os indicadores sociais se relacionam com essas mortes. Além disso, traçar um perfil da trajetória dessa vítima. “O homicídio é o ponto final de uma série de violações que esse adolescente foi passando. É o resultado de um conjunto de violências, que começa quando a família não conseguiu prover o cuidado necessário, não por não querer, mas por falta de política pública, uma mãe que passou por violências, um pai ausente. uma série de condições de vulnerabilidade na própria família”, pondera.

    A pesquisa traz um quadro que mostra os municípios com maiores taxas de homicídio de adolescentes em 2017. Cubatão, na baixada santista, lidera a tabela com 80,43 assassinatos por 100 mil habitantes, Guaratinguetá, no interior do estado, com 61,65 casos por 100 mil habitantes e São Vicente, também no litoral, com 60,38.

    A criação do comitê foi uma iniciativa do legislativo, encabeçada por Carlos Bezerra Junior, então deputado pelo PSDB e atual secretário na gestão Doria, e assinada em dezembro do ano passado. A presidente do Comitê, deputada Marina Helou (REDE), conta que desde o início manifestou interesse em participar dessa construção e que espera que um diagnóstico preciso possa nortear a implementação de políticas públicas mais eficientes.

    “O que é possível ver é que a gente não está tendo uma política pública eficiente para reduzir o índice de homicídios de adolescentes em São Paulo. A minha expectativa é boa, a iniciativa é inédita aqui em São Paulo. Eu espero que, juntos, possamos estabelecer protocolos, soluções e implementação de políticas que previnam novas mortes”, afirmou a deputada.

    E a morte de Gabriel?

    Em 18 de janeiro deste ano, o soldado Jefferson Alves de Souza foi condenado a 24 anos e seis meses de prisão pela morte do adolescente. Para a mãe dele, Zilda Regina de Paiva, 48 anos, a sentença significou justiça, mas não serviu para aliviar o que sentia. “Alívio não foi porque meu filho não volta”, disse.

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