Advogado usou vídeo que calunia Mães de Maio para defender acusados de chacina

    Gravação, que já rendeu censura judicial à Ponte, mostra ex-promotora Ana Maria Frigério Molinari dizendo, sem provas, que Mães de Maio teriam ligação com o tráfico; objetivo seria desacreditar mães de vítimas da Chacina de Osasco

    Dona Zilda Maria de Paula, uma das fundadoras das Mães de Osasco, no julgamento desta sexta (26/2) | Foto: Caio Castor / Agência Pavio

    A defesa do ex-PM Victor Cristilder Silva Santos e do guarda civil municipal Sérgio Manhanhã, absolvidos nesta sexta-feira (26/2) pelo Tribunal do Júri no novo julgamento da Chacina de Osasco, utilizou um vídeo calunioso ao movimento independente Mães de Maio como argumentação pela defesa dos réus.

    O vídeo em questão é de um depoimento da ex-promotora do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Ana Maria Frigério Molinari. Nele, sem mostrar provas, a promotora afirma que, quando atuava no Gaeco, havia recebido a informação de que o grupo de direitos humanos seria formado por mães de traficantes, que, após a morte de seus filhos, em maio de 2006, teriam passado a gerenciar pontos de venda de drogas, com o apoio da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

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    As imagens haviam sido gravadas durante uma audiência de instrução na 3ª Vara Criminal de Cubatão, em que a promotora Ana Maria aparece respondendo a perguntas feitas pelo advogado de três policiais militares, Cristian David Almeida de Castro, José Roberto de Andrade e Rudney Queiroz de Almeida, acusados de sequestrar um homem e armar contra ele uma falsa acusação de porte ilegal de arma.

    “Algumas dessas pessoas faleceram nos Crimes de Maio e os direitos [de gerenciar biqueiras] são transmitidos aos familiares, que por vezes gerenciam ou até mesmo arrendam os pontos de tráfico de drogas”, diz Ana Maria. Por isso, segundo a promotora, as Mães de Maio teriam adotado a prática de denunciar “policiais que efetivamente combatiam o tráfico de drogas”. Uma reportagem da Ponte de 2015 que denunciava o vídeo foi censurada em fevereiro de 2016 por ordem da juíza Luciana Castello Chafick Miguel, da 3ª Vara da Comarca de Cubatão. Com a reportagem no ar, a juíza decretou sigilo no processo envolvendo três policiais para o qual Ana Maria deu seu depoimento e, com base nisso, decidiu obrigar a Ponte a retirar do ar o vídeo.

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    Apesar de censurado na imprensa, isso não impediu João Carlos Campanini, advogado de defesa de Manhanhã e Cristilder, exibisse o depoimento (que pode ser encontrado no YouTube) durante o julgamento da Chacina de Osasco, com a aparente intenção de ligar Zilda Maria de Paula, líder do movimento Mães de Osasco e mãe de Fernando Lins de Paula, morto na chacina, a uma visão criminalizada das Mães de Maio. “É um absurdo que depois de tantos anos esse vídeo calunioso ainda seja usado contra nós”, diz em entrevista à Ponte Débora Silva, uma das fundadoras das Mães de Maio. “Gostaria que eles apontassem quais são esass biqueiras que nós temos. Como falam uma coisa dessas e não investigam?”, completa Débora, que informa que o movimento, junto com outros grupos da sociedade civil, deve emitir uma nota e procurar medidas legais para impedir a circulação do vídeo.

    Tambem à Ponte, o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos humanos e segurança pública pela PUC- SP e membro do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, afirma que “é bem contraditório que a Justiça proíba a matéria da Ponte, num ato repugnante de exacerbada censura, inaceitável com base na liberdade de informação prevista na Constituição Federal, mas o vídeo da promotora seja usado num julgamento de um caso tão expressivo”.

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    Ariel não acredita que a utilização do vídeo pode gerar a anulação do júri que absolveu Manhanhã e Cristilder, mas diz que é elemento que pode ajudar o Ministério Público a recorrer a tribunais superiores. “[O vídeo] poderia ser um, entre outros elementos, para o MP recorrer da decisão de hoje já que foi uma decisão contrária às provas dos autos e que poderia gerar uma apelação visando a anulação. Mas de fato, quando o Tribunal de Justiça (TJ) anulou [o primeiro Tribunal do júri], e no TJ sempre PMs são favorecidos nas decisões, como no caso do Carandiru, o processo voltou com um potencial mais favorável aos acusados. E a decisão de hoje não causa surpresa, principalmente diante da atual conjuntura nas quais os governo federal e estadual são claramente favoráveis a violência policial”, explica.

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    Porém, a possibilidade do pedido de anulação foi afastado por Marcelo Alexandre de Oliveira, promotor do 4º Tribunal do Júri. “Pede-se a anulação quando a magistrada, no caso, pratica um erro, uma irregularidade. Ela é a melhor juíza com quem já trabalhei. Conduziu o julgamento de forma absolutamente perfeita, com imparcialidade, extremado comprometimento com a Justiça e dedicação”, disse à Ponte.

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    As Mães de Maio já receberam o Prêmio dos Direitos Humanos, do Ministério da Justiça, e há dois anos foram homenageadas com uma lei estadual que transformou o 12/5 em Dia Mães de Maio. Os crimes que motivaram a criação do grupo ocorreram após o PCC matar 43 agentes públicos, a maioria nos dias 12 e 13 de maio de 2006. Entre os dias 12 e 26 daquele mês, policiais que vestiam a farda do seu trabalho oficial ou as toucas ninjas dos grupos de extermínio reagiram aos ataques do PCC matando 505 pessoas, a maioria jovens pobres, negros e sem ficha policial, moradores de bairros pobres na região metropolitana de São Paulo e na Baixada Santista.

    Outro lado

    Procurado pela reportagem, o advogado de defesa João Carlos Campanini informou apenas que “não teve qualquer acusação contra o grupo de direitos humanos. Obrigado”.

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