Agentes espancaram grávida e obrigaram detento a comer fezes, denunciam presos

    Defensoria pede a MP que investigue denúncias de tortura. Segundo presos, grupo de elite das penitenciárias é responsável por maioria dos abusos

    Treinamento do Grupo de Ação Rápida (GIR) da Secretaria da Administração Penitenciária | Foto: SAP

    Um preso morto após ser espancado por homens do GIR (Grupo de Intervenção Rápida). Outro, obrigado a comer fezes. Presa grávida agredida. Detentos atacados com canos de ferro e também a tapas e chineladas nas solas dos pés e joelhos para não deixar marcas.

    Esses são alguns dos inúmeros relatos de agressões colhidos pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo durante inspeções realizadas em 29 unidades prisionais estaduais entre os anos de 2015 e 2016.

    Os trabalhos foram coordenados por Flávia D’Urso, do NESC (Núcleo Especializado de Situação Carcerária) da Defensoria Pública. As inspeções constataram que as maiores queixas dos presos são contra os homens do GIR.

    O GIR é uma espécie de tropa de elite criada pela SAP (Secretaria Estadual da Administração Penitenciária), em maio de 2004, para conter motins e rebeliões. Os agentes usam escudos, armas letais, bombas de efeito moral, gás pimenta e cães ferozes para entrar nos presídios.

    Segundo a defensora Flávia D’Urso, coordenadora do NESC desde agosto de 2016, das 29 unidades prisionais inspecionadas, os presos relataram casos de agressões pelos homens do GIR em 21 delas, a maioria em CDP (Centro de Detenção Provisória).

    Nas oito unidades restantes, os presos disseram aos defensores que foram agredidos por agentes penitenciários.

    No CDP de Praia Grande, a inspeção foi realizada em 13 de março de 2015. Os presos contaram aos defensores públicos do NESC que um detento morreu após ser espancado por agentes do GIR. A morte desse preso, no entanto, não foi confirmada nem desmentida. Outros dois presidiários foram mordidos por cães.

    O CDP de São Vicente também foi inspecionado em 13 de março de 2015. Segundo relatos ouvidos pelos defensores, uma pessoa foi obrigada pelos agentes a comer fezes. Outros presos foram agredidos a golpes de cassetetes. Alguns detentos receberam chutes e socos. Os agentes ainda fizeram uso de gás pimenta.

    Presas do CDP Feminino de Franco da Rocha disseram aos defensores que, durante uma incursão do GIR, uma detenta grávida foi agredida. Afirmaram ainda que os agentes usaram bombas e quebraram os pertences das presidiárias.

    Na inspeção realizada em 30 de janeiro de 2015 no CDP 1 de Guarulhos, os presos revelaram que homens do GIR urinaram nos potes utilizados pelos presidiários para o armazenamento de alimentos.

    Os detentos acrescentaram que os agentes dispararam balas de borracha e usaram gás pimenta. Contaram ainda que foram agredidos com cassetetes, que tiveram de ficar nus e foram obrigados a permanecer sentados na mesma posição durante horas. Relataram também que os agentes rasgaram fotos dos familiares dos presos e danificaram seus pertences.

    Já na inspeção feita também em 30 de janeiro de 2015 no CDP de Itapecerica da Serra, detentos afirmaram que três ou quatro presos sofreram ferimentos na cabeça provocados por golpes de cassetetes aplicados por homens do GIR.

    Conforme relatos dos presos, os agentes usaram cães ferozes para ameaçar os detentos, quebraram seus pertences, estragaram e jogaram fora seus alimentos.

    Os relatos apontam ainda que as intervenções do GIR foram violentas e desrespeitosas em 21 das 29 unidades inspecionadas. Em muitas delas houve suspensão dos direitos de banho de sol e de visitas de parentes dos presos.

    A violação de correspondências e a proibição de entregas de Sedex e do jumbo (sacolas com alimentos e produtos de higiene de limpeza levadas pelos parentes dos presos) foram outras queixas relatadas pelos detentos aos defensores públicos.

    Nos CDPs de Pontal, Ribeirão Preto, Serra Azul, Capela do Alto, Cerqueira César, e na Penitenciária 2 de Itirapina, Penitenciária 2 de São Vicente e no CPP (Centro de Progressão Penitenciária do Butantã), os presos disseram que foram agredidos por agentes penitenciários.

    No CPP do Butantã, as presas contaram que uma detenta foi agredida com tapa no rosto por um agente penitenciário.

    Flávia D’Urso disse que os relatos dos presos são sistemáticos e frequentes. Explicou ainda que os agentes do GIR não puderam ser identificados.

    Ela protocolou ontem no MPE (Ministério Público Estadual) pedido de instauração de procedimento investigatório criminal para apurar os relatos feitos pelos presos.

    O NESC considera necessária uma investigação do MPE para apurar se houve ou não nas unidades inspecionadas, práticas de condutas que se amoldam a crimes previstos na Lei 9455/97 (Crimes de Tortura), sancionada em 7 de abril de 1997.

    O parágrafo um da lei diz que é crime submeter pessoa presa ou sujeita a medida de segurança e sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante da medida legal. A pena é de dois anos a oito anos de reclusão.

    As inspeções constataram que os presos “padeceram de medo, angústia, sofrimentos físicos e psíquicos, além de intensa humilhação”, adotados por homens do GIR.

    Os defensores públicos inspecionaram 21 Centros de Detenções Provisórias, cinco penitenciárias masculinas e três penitenciárias femininas.

    Outro lado

    Procurada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Administração Penitenciária informou que prepara uma resposta para os questionamentos feitos pela Ponte Jornalismo.

    Atualização

    Às 18h47 de 1 de junho, a SAP enviou a seguinte nota oficial à Ponte Jornalismo:

    “A Secretaria da Administração Penitenciária lamenta que a Defensoria Pública tenha se valido de órgãos de imprensa para efetuar denúncias, sendo que até o  momento não encaminhou informações sobre agressões ou abusos para a Pasta.

    O Grupo de Intervenção Rápida (GIR) de São Paulo existe desde 2004 e é composto por agentes de segurança penitenciária altamente treinados que atuam no apoio a revistas em celas, localização de telefones celulares, drogas e outros objetos não permitidos no interior dos presídios, combate a movimentos subversivos da ordem e da disciplina, motins, rebeliões, tentativas de fuga, remoção de presos e demais atividades dessa natureza.
    Referência nacional, sua atuação pauta-se pelo uso escalonado da força, de maneira estritamente não letal, com técnicas próprias e equipamentos destinados especificamente para esse fim. Atualmente há 10 GIRs em todo o estado de São Paulo. Seus membros são convidados para ministrar cursos e trocar experiências com outras forças de segurança.

    Referente as denúncias contra membros do GIR no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Praia Grande, no CDP de São Vicente, no CDP I de Guarulhos e no CDP Feminino de Franco da Rocha não procedem . Não houve óbitos, agressões ou abusos registrados ou denunciados por presos. Os integrantes do grupamento não têm contato com os pertences dos presos, uma vez que não fazem as revistas,  apenas  a contenção dos detentos, garantindo a segurança do local para que todos os trabalhos sejam realizados com ordem e disciplina. Eles também não tem contato com os familiares dos reclusos.

    Também não procedem as denúncias contra agentes de segurança penitenciária na Penitenciária II de São Vicente, CDP de Capela do Alto, CDP de Serra Azul, CDP de Pontal, CDP de Ribeirão Preto, CDP de Cerqueira César e PII de Itirapina . Não houve agressões ou abusos registrados ou denunciados por presos”.
     

     

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