Alvo do PSL, Ouvidoria da Polícia auxilia vítima, inclusive se for policial

    Estudo da FGV destaca que o controle externo feito pelo órgão possibilita denunciar violações sofridas não só pela população, mas também pelos próprios policiais; partido de Bolsonaro tenta extinguir ou engessar a Ouvidoria

    Controlar de forma independente a atuação das polícias e receber denúncias de policiais que cometeram crimes, seja contra a população como um todo, seja contra os próprios policiais. Esta é a função da Ouvidoria da Polícia de São Paulo, vanguarda no assunto e exemplo na criação de outras 26 ouvidorias em todo o país. No entanto, há políticos que integram o partido do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que tentam extinguir ou engessar a atuação do órgão.

    A conclusão uma das vertentes que compõem o projeto “Quem policia a Polícia”, desenvolvido por alunos* de terceiro ano da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, orientado por Maria Cecilia Asperti e Thiago Amparo, e divulgado com exclusividade pela Ponte. O estudo analisa a criação da Ouvidoria paulista e seus reflexos na vigia ao trabalho policial, além da influência nos órgãos criados nos 25 demais estados da federação e no Distrito Federal.

    Confira outras matérias da série:
    Apenas uma em cada 35 vítimas do Estado ganha ação de danos morais em SP
    Usada pela polícia para abordar e, em muitos casos, justificar violações, ‘fundada suspeita’ é subjetiva

    Desde 1997, contando com São Paulo, todos os estados brasileiros passaram a contar com uma ouvidoria que recebe denúncias e sugestões para melhoria das polícias. No entanto, há diferença em seus formatos, o que interfere nos resultados. Há órgão similares ao primogênito, específico sobre polícias, com total independência e de participação popular assegurada. Outros, no entanto, generalizam as reclamações voltadas às polícias Civil e Militar, estão vinculados ao poder público e, assim, sem ter plena autonomia.

    Dentre as 27 ouvidorias responsáveis por tal trabalho, 11 delas são focadas exclusivamente para o serviço policial e são, de fato, Ouvidorias de Polícias. Três dos órgãos estaduais são Ouvidorias Gerais que abarcam todo e qualquer reclamação envolvendo serviço público, enquanto a maior parte dos grupos responsáveis por coletar e acompanhar denúncias, 13, estão no guarda-chuva da Ouvidoria de Segurança Pública.

    “A pesquisa mostra que quanto mais geral a Ouvidoria, como as Gerais, a queixa tanto do policial quanto da população fica diluída entre outras coisas. Quando vai tomar atitude ou dentro de pesquisas, não se tem tantas questões específicas de policiais ou sobre letalidade policial, essas ficam em outras atribuições. A necessidade dos policiais e da população sobre a atuação das corporações acaba sendo ‘pequena’ em comparação com outras questões”, explica Thais Mayumi Nagura, responsável pelo grupo de trabalho.

    O estudo exemplifica quatro casos denunciados por policiais para mostrar que a Ouvidoria é também um suporte para os próprios integrantes das corporações quando estes não encontraram apoio para combater práticas ilegais. Os exemplos são de quatro denúncias: uma de corrupção que acarretou em perseguição; uma de tortura e extorsão, também gerando transtornos ao policial denunciante; um caso de assédio sexual, causando depressão na policial; e outro de homofobia, com ameaças de morte feitas pelos próprios “irmãos de farda”. Todas têm nomes fictícios para proteger a identidade dos policiais envolvidos.

    “A partir dos casos práticos, é possível notar a importância da Ouvidoria para a regulação e o bem estar dos policiais dentro das instituições de polícia. Também pode-se destacar a relevância da instituição e seu controle externo para os próprios membros, além da sociedade civil, por meio dos casos de Maria, que conta com uma denúncia oferecida pela mídia, e não pela vítima, e de Lígia, que veio do interior para efetuar a queixa”, explica o estudo e sua conclusão.

    Tentativa de silenciamento

    Há políticos que estão insatisfeitos com a atuação da Ouvidoria da Polícia em São Paulo, especialmente Frederico d’Avila, integrante do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). D’Avila é responsável por dois projetos que tentam extinguir ou engessar o trabalho da Ouvidoria.

    Segundo o político, a atuação do órgão é uma “injustiça imposta unicamente em desfavor dos policiais do estado”, agindo para “injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções, gerando, como consequência, insegurança na população”, e, assim, “desempenha função tão somente de crítica contumaz da própria polícia”, argumenta.

    Primeiro, o parlamentar entrou com o PLC (Projeto de Lei Complementar) nº 31 de 2019, no qual busca o fim por completo da Ouvidoria. Ele argumenta que outros órgãos, como as Corregedorias das Polícias e a OAB, além de “diversas entidades e organizações com representação do estado”, exerceriam as atribuições da Ouvidoria.

    Depois, entrou com o PL (Projeto de Lei) nº 628 de 2019, no qual diminui a participação popular no Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), entidade que cria a lista tríplice para a escolha do ouvidor, inclui representantes das forças policiais e vincula a Ouvidoria à Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania.

    Especialistas condenam as tentativas de cercear a Ouvidoria.”A Ouvidoria é o órgão mais importante de controle externo das polícias, tem se mostrado o mais ativo. Serve de ajuda ao policial que não encontrou apoio internamente na corporação para fazer denúncias, uma função que às vezes é ignorada. Se temos uma grave letalidade policial hoje em dia, é por que o MP é conveniente a alguns excessos e abusos da PM, enquanto a Ouvidoria cumpre sua função”, afirma Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), em evento realizado para divulgação dos resultados do estudo. “E tem resistido aos deputados da Alesp, principalmente da Bancada da Bala (composta por ex-integrantes das polícias Civil e Militar), que não entenderam a função do órgão”, completa.

    O coronel da reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo Adilson Paes de Souza, que estuda psicologicamente o reflexo de subculturas da corporação em seus integrantes, vai além. “Não é à toa que a Ouvidoria não tem o poder de investigar. Ela encaminha, cobra, mas não apura. Existe uma doutrina de segurança nacional de que as decisões não sejam faladas à população, a teoria do “eu sou profissional da segurança, sei o que é melhor para você”. E, nessa tese, as polícias têm inimigos, sobretudo de classes sociais, lugares e cor definidos. Precisamos entender que quanto mais holofote no serviço, melhor”, argumenta o profissional.

    *Realizadores da pesquisa: Alice Rodrigues, Laisa Moura de Oliveira, Laura Nami Sanches e Thaís Mayumi Nagura, com orientação de Maria Cecilia Asperti e Thiago de Souza Amparo.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas