Após ação na Cracolândia, polícia afirma que foco tem sido pequeno traficante

    Operação conjunta prende 3 pessoas na região da Luz; delegado diz que não pode dizer que PCC desapareceu da região, mas sente que tráfico se ‘desorganizou’ nos últimos dois anos

    Operação deveria ter cumprido 12 mandados, mas acabou prendendo apenas 3 pessoas | Foto: Reprodução/A Craco Resiste

    Uma operação conjunta entre o Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), Polícia Militar e GCM (Guarda Civil Metropolitana) na região da Luz, conhecida como Cracolândia, prendeu 3 pessoas nesta quarta-feira (28/11), duas delas apontadas como traficantes locais e uma terceira por receptação de aparelhos celulares roubados ou furtados. Larissa Evelyn Chaves Ferreira, 22 anos, estava foragida e é apontada como traficante que abastece o “fluxo”, nome ao aglomerado de dependentes químicos onde a venda e consumo de drogas acontece de maneira livre. Clécio Cezário Chagas, 32 anos, foi preso por tráfico e associação ao tráfico, e Maycon Douglas Alves Freire, 21 anos, por receptação e tentativa de suborno, já que teria oferecido R$ 900 aos guardas para não ser preso.

    O objetivo da ação que contou com a presença de 300 homens das três corporações era cumprir 12 mandados de prisão, busca e apreensão, mas, segundo o delegado titular da 3ª Dise do Denarc, Wagner Carrasco, muitos não foram encontrados, porque o tráfico na região se alterna. “O que acontece é que o fluxo da Cracolândia vai tendo uma alternância dos frequentadores e das pessoas que vendem”, explicou em coletiva de imprensa na sede do Denarc, no Bom Retiro, região central de São Paulo.

    Para Carrasco, nos últimos dois anos a dinâmica criminal na região mudou sensivelmente. Ele admite que a presença do PCC (Primeiro Comando da Capital) era muito forte entre 2015 e 2016 e que não é possível dizer que o crime organizado está totalmente desarticulado na região, contudo, na percepção do delegado, houve uma diminuição no controle da droga por parte da facção. “A presença do PCC era constante, mais efusiva, mais intensiva. Isso foi repelido graças a essas ações contínuas que estamos realizando constantemente. Ou seja, pela nossa percepção está desorganizado ou pelo menos não tão organizado como antes”, afirmou.

    Na megaoperação ocorrida em maio do ano passado, nos primeiros meses da gestão do então prefeito João Doria – eleito governador de SP nas últimas eleições – a presença do PCC como grande articulador do tráfico ficou evidenciada pelas pichações nos muros e pela própria declaração do delegado José Flamínio Ramos Martins. “Prendemos o líder do tráfico aqui da cracolândia, que é do PCC e que estava em Caraguatatuba. Foram expedidos 69 mandados de prisão”, declarou à época, manifestando a esperando de que, com isso, o “fluxo” teria chances de acabar, o que, passado um ano e meio, não aconteceu.

    De acordo com o balanço da operação, foram apreendidos 7 kg de maconha, eppendorfs de cocaína e pedras de crack – sem a informação de quantidades -, balanças de precisão e R$ 1200 em dinheiro.

    Wagner Carrasco ressalta importância de manter essas ações frequentes para enfraquecer o crime | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Quando questionado pela Ponte sobre o fato de a quantidade de drogas apreendida ter sido pequena e do quanto os supostos traficantes representam na engrenagem do crime, Carrasco reagiu. “Quando você faz a colocação de que os que estão lá são ‘peixe pequeno’ o que eu digo é que não podemos generalizar. A venda dentro do fluxo, diariamente, é pequena mesmo se considerarmos o volume por vendedor. E existe também a impressão que todos ali que vendem droga são usuários de drogas, são ‘peixes pequenos’. Mas eles são pessoas que vivem disso, então essa definição ‘peixe pequeno’ é muito relativa”, explicou. “Mas obviamente nós temos fornecedores que levam até eles drogas para que eles coloquem dentro do fluxo”. O delegado, no entanto, não apontou de onde parte esse fornecimento e reiterou que “todas as regiões de São Paulo, Bela Vista, zona leste, centro” há traficantes maiores que repassam a droga para os menores.

    Reportagem publicada pela Ponte em julho deste ano trazia informações sobre um estudo do Instituto Sou da Paz que apontava justamente a dificuldade de desarticular o grande esquema criminoso da droga, porque 40% das ações policiais são voltadas para o usuário, muitas vezes misturado ou mesmo confundido com o “pequeno traficante”. “As operações na região da Cracolândia dão bastante a dimensão do que falamos sobre mercado do varejo de drogas. Essas gramas, não significativas para o contexto geral da massa de droga em circulação, ficam nas mãos de usuários e de microtraficantes”, disse, à época, Bruno Langeani, gerente do sistema de justiça e segurança pública do Instituto Sou da Paz.

    Com discurso moderado, o tenente-coronel da PM Miguel Elias Daffara, comandante do 13º Batalhão da PM desde o ano passado, comemorou o fato de que não houve confronto com moradores e dependentes químicos. “A gente cercou o fluxo justamente para ele não virar. Temos que entender que ali há um problema de saúde, são pessoas doentes, exploradas pelos traficantes. Não adianta jogar bomba”, declarou.

    A ONG A Craco Resiste, no entanto, relatou queixa dos moradores, especialmente os que vivem nos hotéis que foram alvo da operação. Nas redes sociais, Cleiton Ferreira, morador de um dos quartos, disse que, embora com mandado, policiais mexeram nas coisas dele que nada tinha a ver com a operação.

    https://www.facebook.com/cleiton.ferreira.568089/videos/2193189144045604/

    Em nota, A Craco Resiste criticou duramente a operação policial. “Logo que os homens armados e as câmeras de televisão deixarem a área, o comércio de drogas voltará a funcionar como sempre. A Cracolândia é o território mais vigiado da cidade de São Paulo, cercado todo o tempo pela GCM e PM, vigiado por câmeras e drones. Alvo de constantes ações com bombas de gás e balas de borracha. Se operações policiais fossem a solução, o crack já teria desaparecido há muito tempo da Luz”.

    O tenente-coronel Daffara destaca que as pensões e hotéis da região passaram a ser usados como armazéns de drogas e que, evidentemente nem todos os moradores são envolvidos com o tráfico, mas há os que são e se disfarçam de morador comum. “Não temos o grande traficante porque é a própria dinâmica do tráfico local. A cada duas horas, o indivíduo pega duas, três pedrinhas, porque ele sabe que se pegar muito vai enquadrar em tráfico. Mas é o tempo todo. Por isso que o volume individual não é grande”, defende.

    O delegado Wagner Carrasco não soube apontar se alguns daqueles hotéis que foram alvo da operação nesta quarta-feira fizeram parte do extinto programa “De Braços Abertos”, do ex-prefeito Fernando Haddad.

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