Aposentado diz ‘viado tem que morrer’ e atira em jovem gay no centro de SP

    Mesmo dentro do horário permitido, som alto teria motivado reclamação; no dia seguinte, vizinho esperou vítima na portaria e atirou 3 vezes

    Rafael Dias de Oliveira foi vítima de homofobia: “ele gritou que viado tinha que morrer mesmo” | Foto: arquivo pessoal

    “Viado tem que morrer”, disse um homem algumas horas antes de atirar três vezes contra o auxiliar administrativo Rafael Dias de Oliveira, 33 anos, nas dependências do Residencial Sampa, na Rua Conselheiro Nébias, 100, no centro de São Paulo, no último domingo (22/12). O atirador é o aposentado Adel Abdo, 89 anos, preso em flagrante.

    Um dos tiros atingiu o rosto de Rafael, que foi socorrido na Santa Casa de Misericórdia e teve alta nesta segunda-feira (23/12). O disparo de um revólver calibre 22 quebrou 4 dentes da vítima, que também levou pontos na bochecha, no local onde a bala passou. “Houve uma premeditação, porque no sábado ele havia dito que ia me matar e no domingo tentou cumprir a promessa”, contou Rafael à Ponte na sala de espera da Decradi (Delegacia de Delitos Raciais e Crimes Raciais). Ele vive com o companheiro dele, o analista de suporte Anderson Oliveira, 31, no edifício há cerca de 4 anos e afirma que nunca teve problemas com o agressor, que mora no apartamento abaixo deles. “Ele gritou da janela dele ‘esses viados aí tudo tem que morrer'”, lembra a vítima.

    Anderson explicou que no sábado (21/12), Adel havia reclamado do som alto no salão de festas, onde ele, Rafael e alguns amigos faziam uma confraternização. “Estava dentro do horário permitido e mesmo assim ele reclamou e começou a gritar ‘seus viados, desliguem o som’. Aí o Rafael foi acompanhar a pessoa que estava fazendo aniversário até o carro para levar os presentes, quando esse homem estava registrando uma reclamação na portaria. Aí ele ameaçou o Rafael, dizendo que ia dar um tiro nele”, relatou.

    Rafael na delegacia mostra o ferimento provocado pela bala: 4 dentes quebrados | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Rafael conta que, ainda no sábado, durante o bate-boca, o aposentado avançou nele. “Ele disse que ia bater na minha cara e veio para cima de mim, mas eu me protegi. E aí ele disse que ia me matar. No domingo de manhã, eu estava indo no mercado e o encontrei na portaria. Ele disse que estava registrando reclamação contra mim e na sequência que ia me matar. Logo em seguida, ele sacou um revólver pequeno, prata e atirou. Não deu tempo de eu reagir, só lembro de ter dito ‘Você está louco?'”, contou Rafael, que conseguiu escapar dos outros dois disparos.

    Segundo Rafael, Anderson e um vizinho do prédio que está como testemunha do caso, Adel escreveu no livro de registros que “viado tinha que morrer” e que se incomodava com o casal. Alguns moradores se comoveram com a história e organizaram um abaixo-assinado para que Adel seja expulso do prédio. No documento, os vizinhos destacam estar com medo de continuar convivendo com o atirador e destacam que embora haja “forte indício de homofobia”, a segurança de todos está em jogo, “seja gay, simpatizante ou hétero”.

    Abaixo-assinado pede a saída imediata de Adel do prédio | Foto: Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

    Adel foi preso em flagrante e o registro da ocorrência de tentativa de homicídio foi feito no 2º DP (Bom Retiro). Em audiência de custódia nesta segunda-feira (23/12), o homem foi liberado por ter bons antecedentes e mais de 80 anos, e com algumas condições, entre elas a de não se aproximar da vítima. O advogado José Beraldo, que cuida do caso, no entanto, questiona essa medida cautelar. “Como vai ser cumprida essa medida, se o agressor mora no apartamento embaixo da vítima? A soltura do agressor é perigosa”, questiona.

    O defensor quer mudar o boletim de ocorrência feito anteriormente no 2º DP e que não tipificou homofobia, por isso esteve com a vítima no Decradi para pedir a mudança no registro e tentar uma prisão preventiva. “O Supremo Tribunal Federal já entendeu que isso é crime motivado por preconceito, ao equiparar homofobia ao racismo [decisão tomada pelo STF em maio deste ano]. Efetivamente houve um crime com motivação homofóbica. Eu vou aditar o B.O. no Decradi para que a pena seja aumentada em pelo menos 5 anos”, declarou José Beraldo.

    Alguns veículos de imprensa e o próprio advogado do caso divulgaram nesta segunda-feira que Adel Abdo seria um PM aposentado, mas, em consulta ao sistema, segundo nota da Polícia Militar, Adel não consta como PM da reserva.

    A Ponte não conseguiu contato com a vítima e a defesa até o momento. A reportagem esteve no prédio e foi informada que Adel havia deixado a residência nesta segunda-feira.

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