Artigo | Uma carta para o meu filho no futuro

    Lourival conta como descobriu com o enteado o significado da palavra ‘pai’: ‘Você é meu filho e eu sou seu pai’

    Ilustração Junião/Ponte Jornalismo

    Tudo bem filho Akins? Espero que você tenha se tornado o cara incrível que eu, sua mãe, suas tias e avós veem que você pode se tornar. Estou escrevendo esta carta para te contar como a gente se apaixonou. Não eu e sua mãe, mas sim eu e você. Parece estranho, mas senta aí que eu te explico com calma.

    Você entrou na minha vida já crescido. Já tinha dois anos quando te vi pela primeira vez em fotos do Facebook da sua mãe (essa rede social ainda existe?) enquanto buscava por fotos dela antes da gente sair a primeira vez. Naquele momento eu não tinha ideia de que a sua mãe seria a mulher da minha vida e que você seria o maior presente que já ganhei. Semanas depois te conheci pessoalmente e você nem me deu moral, rs. Só queria saber do “colo da mamãe”.

    De lá até hoje, muita coisa em nossa vida mudou: nós viajamos juntos, te levei no médico, no parque, de coloquei para dormir (e era cada baile que você deva em mim e na sua mãe… rs), cuidei de você, troquei sua fralda (tantas vezes…rs), mas foi de repente, que entendi que você havia deixado de ser “o filho da Ju” para ser algo muito maior para mim.

    Para você entender melhor, tenho que te contar do seu avô Lourival, meu pai: ele sempre foi um pai ausente, irresponsável com os filhos e as mulheres com quem ele esteve. Ao crescer sempre coloquei na minha cabeça que, se fosse para ser pai tinha que ser o melhor pai possível. Mas o tempo foi passando e a ideia de ser pai se distanciando cada vez mais. Já tinha me acostumado com a ideia de ser um ótimo tio, então achava que ser pai seria mais um capricho do que uma vocação. Foi então que você chegou e mudou tudo.

    Não quero falar o quanto sou apaixonado pela sua mãe (estaremos bem velhinhos juntos pra você cuidar da gente também…rs) mas com você foi um processo diferente. Nunca quis tanto estar em um lugar como ao seu lado. Cada interação, cada vez que você me mandava um áudio através da sua mãe, me abraçava forte quando eu chegava, ria e sorria comigo foi cultivando um lugar quentinho e aconchegante em meu coração. Um lugar todo seu. E nesse lugar, seu lugar no meu coração, um dia você plantou uma flor: você, da maneira mais inocente e despretensiosa com a qual as crianças falam, disse para a sua babá que você tinha dois pais. Eu fiquei sem entender por um tempo, rimos e ao te perguntar quem eram esses dois pais você disse: o papai Aguiar e o papai Edmundo. Papai Aguiar. Essa foi a primeira semente profunda que você plantou em mim.

    Semanas mais tarde veio o golpe de misericórdia: ao buscá-lo na escola, já no final do ano, fui surpreendido, ao chegar na escola para te buscar, com você correndo para meus braços, me apertando forte e dizendo: “Pôfessora, hoje o MEU PAI, veio me buscar”. PAI. Essa frase fez meus olhos encherem de lágrimas. Mil coisas passaram pela minha cabeça naquele momento. Foi como se uma nuvem de insegurança se dissipasse do meu coração e nele nascesse uma certeza. Você era meu filho e eu seu pai.

    Descobrir a paternidade com você um é desafio. Temos nossos dias bons, nossos dias ruins, os dias em que passamos a tarde inteira rindo e nos divertindo. Tem os dias que você me irrita, chora, grita, faz chilique porque eu não quero colocar o seu desenho da. Mas tudo bem, eu te entendo porque você é o meu filho, um pedacinho de mim que criou vida própria. Às vezes é muito difícil entender aonde que termina você e começamos nós, mas saiba que o seu pai, esse aqui de coração, da alma e da vida, vai estar sempre aqui para você para tudo que você precisar.

    Por isso no dia do meu casamento com a sua mãe a “Grande Pergunta”, aquela que todos os convidados estavam esperando, não foi dirigida a ela, mas sim a você. Eu te perguntei: “você me aceita como seu pai” e você, mesmo sem entender direito o que estava acontecendo, com seus apenas 3 anos de idade, respondeu “sim” e essa resposta é que eu levo no meu coração até hoje.

    Filho saiba que foi você quem me ensinou de verdade o significado da palavra pai. Hoje me orgulho muito de ser seu pai, seu amigo e espero, que também um exemplo para você. Pode ter certeza que eu faço por ti o meu melhor, hoje, ontem e sempre. Escrevo esse texto para que você sempre saiba o quanto eu te amo, o quanto eu espero o melhor de você e o quanto você extrai o melhor de mim. A nossa família é o que eu tenho de mais importante e essa família, esse significado de família dessa família preta, dessa família “aquilombada”, como sua mãe diz, dessa família que se reconhece e se ama, é o que eu quero que você leve para sua vida. Esses são os desejos do seu pai que te ama tanto, do pai que não vai te abandonar nunca e que mesmo sabendo que nós não temos um laço de sangue, entende que a alma que nos une é muito mais forte do que isso. Feliz Dia dos Pais, para mim e para você que é meu grande presente.

    Te amo.

    *Lourival Aguiar. Doutorando em Antropologia pela USP, professor e pesquisador de relações étnico-raciais no Brasil e Caribe, demitido político do metrô de São Paulo e PAI do Akins.

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