Assassinato de ativista no interior da Bahia completa 6 meses sem respostas

    Pedro Henrique foi morto com 8 tiros dentro da sua casa, na cidade de Tucano, 252 km distante da capital Salvador (BA); em entrevista à Ponte, a mãe do ativista relembra como era o filho

    Ativista foi morto dentro de sua casa no interior da Bahia em dezembro de 2018 | Foto: arquivo pessoal

    Pedro Henrique Santos Cruz Souza, 31 anos, tinha sonhos. Em 2012, depois de ser vítima de uma agressão policial durante uma abordagem, passou a dedicar a sua vida para denúncias abusos cometidos pelas forças policiais de Tucano, cidade interiorana da Bahia, a 252 km da capital Salvador. Na madrugada do dia 27 de dezembro, por volta das 4h, porém, a vida e os sonhos de Pedro foram arrancados. Três homens encapuzados entraram em sua casa, no bairro de Matadouro, e dispararam 8 tiros no jovem, que morreu na hora.

    Hoje, 6 meses depois, o crime ainda segue sem explicações. Os três policiais militares suspeitos de participar do assassinato do ativista continuam soltos. Logo após o crime, uma testemunha prestou depoimento à Corregedoria Geral da Segurança Pública do Estado da Bahia e afirmou que foram policiais militares que mataram o jovem. Dois desses PMs que teriam envolvimento com a morte, segundo informações obtidas pela Ponte, estão trabalhando em uma escola de Tucano que recentemente foi militarizada.

    Tucano está sem promotor e sem defensoria pública, há pouco tempo também estava sem delegado, por isso, o inquérito da morte de Pedro estava sendo acompanhado por um delegado regional. Agora o inquérito está em Salvador, mas os advogados da família ainda não sabem se está com o departamento da Polícia Civil ou se foi para o Ministério Público. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Segurança Pública ainda não se posicionou.

    Em entrevista à Ponte, a professora Ana Maria Cruz, 53 anos, mãe do ativista, conta como foram os últimos meses, sem o seu segundo de três filhos. “Isso muito moroso. O batalhão é vizinho da delegacia, era para terem aprendido as armas, fazer exame nas armas, um exame de pólvora, mas nada disso foi feito. Em abril eles nem tinham sido ouvidos. A única coisa que a gente sabe é que o inquérito está em Salvador. Esse sentimento que eu tenho é de que não está se fazendo justiça, a impunidade continua, mas eu não desisto, não”, crava dona Ana Maria.

    A saudade é o que motiva a mãe a seguir pedindo justiça pela morte do filho. Seu marido, porém, está recluso e reservado, com medo de represálias. Mas Ana decidiu que a luta é o caminho. Por conta disso, em maio recebeu uma intimação do Juizado Especial Criminal de Salvador. “Quando eu fui pesquisar quem enviou, descobri que era o comandante da PM de Tucano. Ele deve ter ficado ofendido por alguma coisa que eu falei e aí representou. Eu consegui uma defensora pública que remarcou a audiência para 1º de agosto. Eu acredito que ele está tomando as dores dos assassinos, mas eu acho que o principal objetivo dele é tentar me intimidar, me calar, porque eu fico denunciando o caso de Pedro”, argumenta.

    Dona Ana lembra que a militância sempre esteve presente na vida do filho, que desde a adolescência mostrava um comportamento de inconformidade com injustiças. Mesmo com medo do que poderia acontecer, ela sempre apoiou as lutas de Pedro.

    A professora conta que o filho tinha decidido tirar um tempo para ele, deixar um pouco a militância de lado, depois da vitória de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República. “Ele estava bem apreensivo, então pretendia, depois da Caminhada pela Paz, que aconteceu agora em 2019, ele pretendia dar um tempo aqui em Salvador e depois ia para São Paulo fazer um curso de tatuagem”, explica. “No mês de dezembro, ele chegou a falar comigo, dizendo: ‘mãe, eu acho que esses caras vão fazer alguma covardia comigo’. Eu tava com viagem marcada para lá, eu ia no dia 28 de dezembro para passar meu aniversário lá, que é em 1º de janeiro, e a gente ia voltar junto. Ele só ia voltar pra Tucano para a caminhada. Na noite do dia 26 de dezembro ele conversou comigo. Ele vinha desconfiando que o telefone dele estivesse grampeado”, continua Ana.

    A última denúncia

    Horas antes de ser executado, por volta da meia noite do dia 27 de dezembro de 2018, Pedro falou com a mãe, pelo telefone, para contar de um caso que estava tentando denunciar. “Ele disse que já tinha ido na casa de um rapaz de 17 anos conversar com a mãe, porque esses mesmos policiais haviam invadido a casa desse rapaz três vezes atrás dele para matá-lo. Aí o menino veio até ele pedir socorro. Pedro foi até a casa da mãe dele tentar convencê-la de vir para Salvador, tirar o menino lá de Tucano, mas a mulher ficou irredutível. Ele falou comigo por telefone na possibilidade de instalar uma câmera lá na casa do rapaz, mas a mãe se negou a sair de lá ou até fazer uma gravação de voz denunciando, pois os policiais tinham entrado lá um vez encapuzados e duas vezes sem capuz. Eles foram reconhecidos pela mãe e por outras pessoas”, relembra Ana.

    No dia do velório de Pedro, Ana recebeu a notícia de que o jovem que o filho tentou ajudar tinha sido baleado em uma suposta troca de tiros com a PM de Tucano. Nessa ocasião, um amigo do jovem foi morto. Esse fato fez a mãe do rapaz sentir medo e tirar o filho da cidade. Mas isso não mudou o destino do jovem de 17 anos. “Cinco dias depois, no dia 2 de janeiro, chegou a notícia de que homens encapuzados no lugarejo onde esse menino estava, entraram na casa, tiraram as pessoas que estavam na casa e ele foi executado a tiros. Ele teve o rosto desfigurado de tanto tiro que recebeu no rosto”, detalha Ana à Ponte.

    Desde 2013, Pedro organizava a “Caminhada Pela Paz” em Tucano. A sétima edição da caminhada estava sendo estruturada quando Pedro foi assassinado. Mas, mesmo com a sua morte, sua família seguiu com os seus planos para que o ato seguisse nas ruas da cidade. Mas Ana conta que a PM vigiou o evento.

    “Na última Caminhada Pela Paz tiveram alunos dessa escola militarizada que participaram inclusive da organização. Tivemos notícia de que depois do evento eles foram ameaçados por conta disso. Eles foram obrigados a deletar as fotos que postaram nas redes sociais sobre a caminhada. Essa foi a sétima caminhada. Dias antes da caminhada, eles foram parados em via pública por PMs perguntando quem era o líder da caminhada, teve essa tentativa de intimidação”, relata a mãe de Pedro.

    Em entrevista à Ponte, Liu Bitencourt, militante da organização “Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto“, criado em 2005 com o objetivo de denunciar o genocídio da população negra, conta como o coletivo enxerga a execução do ativista. Para ela, o caso Pedro Henrique é o retrato do modus operandi da segurança pública na Bahia. “[O assassinato] Demonstra como o governo do estado [administrado por Rui Costa (PT)] e seu secretário de segurança [Maurício Teles Barbosa] vêm favorecendo uma política de guerra contra o povo preto. Sua execução demonstra claramente como que se tratam pessoas pretas militantes nesse território, sobre o olhar da estigmatização, submetidas ao terror e ódio. Consideramos que o ocorrido seja um aviso a todos aqueles que ousam fazer um tipo de enfrentamento real ao modo como o braço armado do estado tem atuado”, argumenta Liu.

    Bitencourt lembra que Pedro era um militante por essência e esse foi um dos motivos de sua morte. “É muito perigoso se levantar contra a política de morte vigente e nós sabemos exatamente o que é isso. Além da nossa identificação política natural, ele participava de nossas ações e mantínhamos relações tanto com ele como com sua família”, defende.

    “Pedro passou os últimos seis anos da sua vida denunciando as instituições do estado, as ameaças e agressões que estava sofrendo, sua morte já estava anunciada, por isso repetimos que não há surpresa nessa postura de ignorar e se omitir da responsabilidade, afinal, quando fizeram diferente disso?”, indaga Liu.

    Um militante da Casa da Resistência, centro de cultura e luta autogestionário em Feira de Santana, que coordenador do Centro Popular George Américo, mas preferiu não se identificar, criticou as forças policiais da Bahia. Para ele, o comando da Polícia Militar da Bahia atua para garantir a impunidade dos assassinos. “A brutalidade policial é a norma da segurança pública na Bahia. É fundamental que organizações e iniciativas que tenham compromisso com os direitos humanos se somem e apoiem a Campanha Justiça pra Pedro Henrique, para ampliar a voz e o grito por justiça. Ao mesmo tempo não temos confiança alguma na jurisprudência burguesa e acreditamos na necessidade da justiça popular, no controle comunitário da segurança e na construção de organismos de autodefesa popular e militante, para que se possamos enquanto povo organizado enfrentar o terrorismo de Estado”, defende.

    Para o militante, o assassinato de Pedro é demonstração típica do acionar de um Estado terrorista e genocida. “É uma ameaça para todos e todas militantes que lutam por fora da domesticação de movimentos sociais conduzida pelo governo do Estado da Bahia, e que na prática usa a cooptação para legitimar sua necropolítica e o genocídio negro, como parte do programa neoliberal e da gestão da barbárie”, critica.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas