Áudio de PMs em Paraisópolis comprova ação ‘improvisada e desastrosa’, avalia ouvidor

    Comunicação entre policiais indica perseguição a suspeitos em moto, mas não detalha como foi feita a dispersão do baile funk, onde 9 pessoas morreram

    Viela onde algumas das vítimas foram encurraladas, de acordo com testemunhas | Foto: Arthur Stabile/Ponte Jornalismo

    Áudios divulgados pela TV Globo reforçam a versão dada por policiais militares de que, antes do massacre em Paraisópolis, onde 9 pessoas morreram, houve perseguição a dois suspeitos em uma moto.

    Mas de acordo com o ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, os áudios “não acrescentam” novas informações às investigações, geram mais dúvidas e confirmam a tese de que a ação foi desastrosa. “Talvez a novidade é que, da perseguição até a morte das nove pessoas, foi o tempo de 20 minutos”, afirma Mariano. “Nesses 20 minutos, houve a ocorrência de controle de distúrbios, o que só reforça que essa ocorrência em sequência da perseguição foi feita sem planejamento, precipitada, improvisada, desastrosa e que direta ou indiretamente contribuiu com o resultado trágico”, pontua.

    Os áudios indicam que os PMs informaram ao Copom (Comando de Operações da Polícia Militar) sobre uma perseguição às 3h41 do dia 1º de dezembro na avenida Hebert Spencer, zona sul de São Paulo. O garupa de uma moto teria atirado e ambos fugido em direção ao baile da DZ7, que acontece no coração da favela. Os policiais deram continuidade à perseguição até o baile, na rua Ernest Renan. A versão inicial dos PMs é de que foram recebidos com garrafadas, o que não consta em um dos primeiros registros da ocorrência.

    Cinco minutos depois, os PMs passam detalhes dos homens e o modelo da moto, uma XT 660, cor preta. Uma nova comunicação é dada somente após toda a ocorrência dentro da DZ7, cerca de 20 minutos depois do segundo aviso. O relato de quem estava no baile é de que os PMs chegaram jogando bombas, dando tiros de bala de borracha e encurralando as pessoas, o que teria gerado um tumulto e provocado o pisoteamento. Testemunhas ouvidas pela reportagem negam terem visto uma moto em fuga no meio do fluxo.

    “Copom, aciona o resgate na rua Ernest Renan com Adolf Lutz. Teve correria aí, pisoteamento, pode solicitar mais de um resgate aí para o local, QSL [sigla que significa ‘confirmado’]?”, informa uma PM, com voz calma, ao comando da tropa. Onze minutos depois, o aviso é de que a situação é grave e novamente se cobra o acionamento do socorro.

    Após 28 minutos desde o primeiro aviso sobre a perseguição, os PMs informam que socorrerão as pessoas feridas, que seriam nove. No mesmo dia, um soldado do Corpo de Bombeiros cancelou chamado feito ao Samu por uma jovem ferida na confusão decorrente da ação policial. Sua alegação é de que os PMs já haviam prestado o atendimento e socorrido as vítimas.

    Na visão do ouvidor Benedito Mariano, pelo menos seis perguntas precisam sr respondidas: por que os policiais foram alvo de disparos e mantiveram a perseguição, contrariando o Método Giraldi, que leva em conta a proteção à vida como premissa da ação policial; como houve uma ação de controle de distúrbio sem que houvesse um distúrbio no baile; se havia um oficial da PM no controle da operação; quem autorizou os PMs a fazerem a segunda ação; o local da morte das nove vítimas, se morreram no hospital ou no local; e quem autorizou os policiais a prestarem o socorro, dispensando o Samu.

    “Eles [policiais] sabem que não é permitido por resoluções da própria Secretaria [da Segurança Pública] fazer socorro de vítimas em carro operacional”, explica. “Tem situações nebulosas que precisam ser esclarecidas dessa ocorrência”, continua o ouvidor.

    Questionamentos parecidos são colocados por Dimitri Sales, presidente do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana) e integrante da Comissão Externa criada pelo governador João Doria (PSDB) para acompanhar as investigações.

    “Há uma tentativa de se desconfigurar a ação da polícia como responsável pela morte dessas pessoas. Os áudios aparecerem agora é estranho. estranho a passividade das vozes…”, diz Sales. Segundo ele, o conteúdo dos áudios serve para “montar uma narrativa de que a polícia reagiu ao disparo de duas pessoas na moto e de alguma forma tenta cobrir os buracos da versão oficial”.

    “Parece que há uma tentativa da polícia para desconfigurar a ação dos PMs como ação de distúrbio civil. Se é uma ação dessa, como de fato parece ser, deveriam seguir uma série de protocolos e nada disso foi seguido”, diz o presidente do Condepe. Até o momento, a investigação segue no DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), já ouviu mais de 40 testemunhas e os PMs envolvidos na ação em Paraisópolis.

    Questionada sobre o conteúdo dos áudios da ação em Paraisópolis, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), comandada pelo general João Camilo Pires de Campos nesta gestão de Doria, afirmo que tanto a Polícia Civil quanto a Corregedoria da PM apuram as circunstâncias do massacre de Paraisópolis.

    “Os áudios das comunicações realizadas pela PM na ocorrência em Paraisópolis foram anexados aos inquéritos do DHPP e da Corregedoria da PM. O conteúdo é analisado a fim de identificar os policiais que realizaram as comunicações via rádio e comparar a dinâmica das ações durante a ocorrência”, diz a pasta, confirmando que mais de 40 pessoas já foram ouvidas pelas investigações.

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