Ausência de testemunhas adia julgamento de 5 acusados de matar trans em SP

    Duas testemunhas consideradas fundamentais para a defesa e acusação não apareceram no primeiro dia de julgamento do assassinato de Laura Vermont, transexual de 18 anos espancada e morta em 2015; nova data foi marcada para 16/9

    Zilda e Jackson, pais de Laura Vermont, em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Por volta das 12h desta terça-feira (7/5), familiares e amigos de Laura Vermont, 18 anos, jovem transexual perseguida, espancada e morta por 5 homens na avenida Nordestina, Vila Nova Curuçá, extremo leste de São Paulo, há poucos metros da casa onde a família vivia, se concentravam em frente ao Complexo Judiciário Ministro Mario Guimarães, o Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da cidade.

    A expectativa da família era sair com uma reposta definitiva do futuro de cinco acusados de matar a jovem na madrugada de 20 de junho de 2015. “Meu coração está a 200km/h. A esperança é a última que morre, depois de hoje acho que fico mais tranquila”, disse Zilda Laurentino, mãe de Laura, minutos antes de entrar no Fórum.

    Mas, uma hora depois do horário marcado para iniciar o julgamento, por volta das 14h, os pais de Laura receberam a notícia de que o júri popular não aconteceria. O motivo foi a ausência de duas testemunhas consideradas fundamentais, tanto para defesa dos acusados quanto para a acusação: um segurança e um frentista que trabalhavam no posto de gasolina próximo do local da agressão e viram Laura chegar ensanguentada clamando por ajuda naquela madrugada. Sem eles, alegou a defesa dos réus, seria impossível seguir o julgamento. O frentista foi quem registrou em vídeo os momentos de desespero de Laura, durante a perseguição dos cinco réus. A Ponte divulgou, na época, o vídeo com exclusividade, além de ter sido o primeiro veículo de comunicação a revelar a história.

    Amigos e familiares de Laura Vermont em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda | Foto: Caê Vasconcelos/Ponte Jornalismo

    Depois de uma hora de espera, a nova data foi anunciada: o julgamento está previsto para acontecer nos dias 16, 17 e 18 de setembro de 2019. A notícia foi recebida com tristeza pelos familiares de Vermont. Muito emocionada e abalada, Zilda desabafa. “Foi péssimo pra mim hoje. Eu não tava contando que fosse acontecer isso. Queria sair daqui já com o julgamento feito, com os assassinos na cadeia, mas isso não aconteceu. Então é péssimo pra mim. Vamos esperar agora que no dia 16 de setembro a justiça seja feita. Tem tanto vídeo, não tinha necessidade de adiar”, alega Zilda.

    Jackson de Araújo, pai da jovem, que testemunharia sobre a morte da filha, engrossou o coro. “Pensamos que hoje teria uma vitória, que poderia demorar 2 ou 3 dias, mas sairíamos com uma vitória. Agora por causa de duas pessoas não vai ser. Eu tô mal. Agora só em setembro. Meu aniversário é dia 13 de setembro, quem sabe meu presente é esses caras presos. Ela eu não tenho mais, mas a minha vontade é ver eles presos, que a justiça seja feita”, protesta o pai.

    Em entrevista à Ponte, a advogada de acusação Carolina Gerassi explica como será a postura da acusação diante do júri, uma vez que o maior desafio do caso é lidar com o imaginário popular da figura de travestis e pessoas trans. “O desafio consiste em fazer uma sustentação comprometida com a dignidade das pessoas trans e travestis, comprometida com o direito dessas pessoas, comprometida com o contexto social horrível de extermínio das travestis e pessoas trans. O caso da Laura faz parte e está imerso nessa cultura. Assim como a Laura foi vítima de um espancamento que culminou no homicídio dela, isso sem contar com a violência policial que ela sofreu num momento posterior, os jurados também estão imersos nessa cultura. O grande desafio da acusação é desestigmatizar, mostrar os dados que provam que o Brasil é o país que mais mata LGBTs, com ênfase em travestis e pessoas trans”, expõe Carolina.

    Gerassi argumenta que os casos de assassinatos movidos pela transfobia (crime de ódio praticado contra a população trans motivado pela identidade de gênero) tem o mesmo modus operandi: a crueldade. “As palavras transfobia e crime de ódio com certeza vão aparecer da minha parte. A Laura foi perseguida ao longo de quase 1 km na avenida, que tem bares e postos de gasolina 24h, e ninguém ajuda ela. Que ódio é esse? Que reação é essa por parte de 5 homens cisgêneros de perseguir e agredir uma mulher que estava sozinha, que tinha apenas 18 anos? Foi um embate longo, em tempo e espaço. E ela só queria chegar na casa dela, que estava ali bem próxima. A Laura lutou muito pela vida dela. Essa perseguição, essa insistência e esse ódio, qual é a justificativa dele? Se não aquele ódio tão próprio de quem discrimina, de quem marginaliza e de quem não consegue enxergar o humano naquela pessoa que é diferente”, explica Carolina à Ponte.

    Para a advogada de acusação, o imaginário, que marginaliza pessoas trans e travestis, é uma questão cultural. “A gente pode até crescer transfóbico, mas não nascemos transfóbicos. Rapidamente viramos LGBTfóbicos se somos criados num ambiente social, familiar, religioso, cultural e até com meios de comunicação em massa que tem sua parcela de culpa na formação do imaginário cultural brasileiro. Todo mundo tem a chance de buscar informação e melhorar enquanto ser humano”, defende Gerassi.

    A reportagem tentou falar com o defensor público Ivan Silveira Laino, responsável pela defesa dos réus, mas a decisão da Defensoria é falar do caso apenas quando ocorrer o primeiro dia de julgamento.

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