‘Balta é um apelido, como Silvio Santos’, diz espião do Exército

    Major Willian Pina Botelho falou pela 4ª vez sobre suas atividades e negou ter usado nome falso para monitorar movimentos sociais

    Manifestantes protestam durante audiência dos ’18 do CCSP’, em novembro | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Vestindo terno e gravata, de cabelo cortado com rigor militar e sem barba, o major Willian Pina Botelho apresentou-se no Fórum Ministro Henoch da Silva Reis, em Manaus, capital do Amazonas, com uma aparência bem diferente do cabelo comprido e da barba desgrenhada que o militar usou entre 2014 e 2016 para se infiltrar em protestos de rua e movimentos sociais.

    A 3.917 quilômetros e uma hora a menos no fuso horário, o major foi ouvido por videoconferência no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da cidade de São Paulo, ao longo de 40 minutos, na manhã desta sexta-feira (29/06). Botelho era a última testemunha que restava a ser ouvida no processo em que 18 jovens foram presos antes de uma manifestação contra o presidente Michel Temer (MDB), em 4 de setembro de 2016, acusados de associação criminosa e corrupção de menores.

    A audiência foi fechada, já que o processo corre em segredo de justiça, mas a Ponte apurou que, em seu depoimento, Botelho afirmou que praticou “atividades de observação e inteligência” naquele 4 de setembro e negou que tivesse realizado qualquer ilegalidade, como infiltrações – que exigem autorização judicial, o que o militar não tinha – ou uso de nome falso. Na tela da videoconferência, o homem chamado Willian Pina Botelho garantiu que o nome Balta Nunes, com que se apresentava, é um apelido pelo qual é conhecido entre seus amigos. “Balta é um apelido, como Silvio Santos ou Zezé di Camargo e Luciano”, declarou o militar em seu depoimento, referindo-se aos nomes artísticos do apresentador Senor Abravanel e dos cantores sertanejos que nasceram Mirosmar e Welson de Camargo.

    Botelho, o Balta, no dia da prisão dos 18 do CCSP | Foto: Reprodução

    Em procedimento investigatório criminal aberto na Procuradoria da República em São Paulo, do Ministério Público Federal, Botelho é investigado justamente pela suspeita de ter praticado os crimes de falsidade ideológica e usurpação de função pública.

    Quem deu a ordem?

    O depoimento desta sexta-feira foi a quarta vez em que o militar falou sobre as atividades que praticou em 4 de setembro – antes, havia sido ouvido por uma sindicância do Exército, pela Procuradoria de Justiça Militar e pelo Gecep (Grupo de Atuação Especial de Controle Externo da Atividade Policial) do Ministério Público Estadual.

    Dessa vez, Botelho falou até menos do que nos depoimentos anteriores, já que a juíza Cecília Pinheiro da Fonseca aceitou que o militar deixasse de responder a algumas perguntas alegando que eram “informações sigilosas”. Foi o que ocorreu, por exemplo, quando um advogado perguntou quem era o superior a quem o major se reportava em suas atividades de inteligência. Ele se negou a respondeu. Nos depoimentos anteriores, Botelho já havia informado a identidade do superior com todas as letras: era o comandante da 3ª Companhia de Inteligência, tenente-coronel Edgard Brito de Macedo, superior imediato de Botelho.

    Willian Pina Botelho no aplicativo de paquera Tinder | Foto: Reprodução

    Na audiência, Botelho disse que estava autorizado a fazer atividades de inteligência em 4 de setembro de 2016 por um decreto federal de 31 de agosto, que determinou a realização de uma operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para a cidade de São Paulo por conta da passagem da tocha paralímpica.

    O militar, porém, nada revelou sobre as atividades que praticou como Balta antes daquele dia, e que, segundo testemunhas e documentos, remontam a dois anos antes, período que Botelho usou até o aplicativo de paquera Tinder para se aproximar de militantes de esquerda e praticou o assédio a mulheres como método para buscar informações.

    Botelho havia se infiltrado em um grupo de 18 jovens e três adolescentes que acabaram detidos pela Polícia Militar no Centro Cultural São Paulo antes de uma manifestação Fora Temer. Muitos dos jovens não se conheciam e pelo menos um deles nem ao menos pretendia participar da manifestação: era um estudante de jornalismo que havia ido à biblioteca do CCSP para pesquisar um livro sobre vinil para seu TCC e acabou preso junto com os demais.

    Ainda que o juiz responsável pela audiência de custódia dos suspeitos tivesse considerado a detenção ilegal e comparado o comportamento da polícia no episódio à ditadura militar, o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza levou a sério o relatório do inquérito conduzido pelo delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) Fabiano Fonseca Barbeiro. Para o delegado e o promotor, os jovens haviam se reunido com o objetivo de destruir patrimônio público e privado e de ferir policiais militares. Entre as provas apreendidas pela Polícia Civil com os 18 jovens e três adolescentes, estavam equipamentos de primeiros socorros, vinagre, máquinas fotográficas, celulares, um chaveiro do Pateta, um disco metálico e uma barra de ferro – que os manifestantes afirmam ter sido “plantada” por policiais militares.

    Major Willian Pina Botelho em seus tempos de Balta | Foto: Instagram

    Botelho foi detido com os 18, mas acabou liberado pela polícia após se identificar como militar. Por meio de seu Facebook, contou ao socorrista Alexandre Morgado e ao professor da USP (Universidade de São Paulo) Pablo Ortellado que havia escapado da prisão subornando um delegado.

    Na audiência de hoje, porém, o militar negou que tivesse conversado com os dois a respeito da prisão e do suborno no Facebook, mas não explicou se sua página rede social foi invadida.

    Sobre os réus, o militar contou que as conversas do grupo na internet, antes da manifestação, eram “amistosas” e não mencionou ter encontrado sinais de que pretendiam cometer crimes.

    Após o episódio da prisão dos “18 do CCSP”, Botelho foi transferido para o Comando Militar da Amazônia e promovido “por merecimento” de capitão para major. Por isso, seu depoimento foi feito em Manaus por videoconferência.

    O promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza não fez qualquer pergunta.

    Manifestantes protestam durante audiência dos ’18 do CCSP’, em novembro | Foto: Sérgio Silva/Ponte

    Ao final da audiência, os advogados consideraram que a fala de Balta foi positiva para a defesa. “O depoimento do major reforçou que os jovens não constituíam uma associação criminosa”, afirmou o advogado Hugo Albuquerque.

    Outro advogado, Marcelo Feller, disse acreditar numa absolvição. “Ainda que alguém possa acreditar que eles fossem cometer crimes, está cabalmente comprovado nos autos que eles não se conheciam, e por isso não poderiam ser considerados uma associação criminosa”, afirmou o advogado Marcelo Feller. A sentença deve sair dentro de um mês.

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