‘Bancada Antibala’: policiais lançam pré-candidaturas contra o discurso ‘bandido bom é bandido morto’

    Movimento Policiais Antifascismo questiona ideia de que “o voto das polícias é voto garantido” para o bolsonarismo; ao menos 24 pré-candidaturas estão confirmadas

    Na primeira fileira, da esq. à direita: Fabricio Rosa, Jemima Camargo, Pedro Chê, Leandro Prior e Martel Alexandre Del Colle; na segunda fileira: Everton Gomes, Manuel Brasil, Luciana Rocha, Miquéias Barros e Moreno Lima | Fotos: Arquivo pessoal / Montagem

    A expressão “bandido bom é bandido morto” costuma ser atrelada a parlamentares que compõem a chamada Bancada da Bala (conhecida oficialmente como Frente Parlamentar da Segurança Publica), que tem suas versões nas casas legislativas federais, estaduais e municipais. Formada, em maioria, por quadros provenientes da segurança pública, como policiais e militares, é uma frente que defende flexibilização de porte de armas e endurecimento de políticas de encarceramento. Contrário a essas pautas, o movimento Policiais Antifascismo decidiu articular candidaturas para as eleições municipais de 2020 a fim de, como os membros colocam, desmitificar a figura de que policiais são unicamente conservadores.

    “Para Bolsonaro e esse governo fascista que está no governo federal, o voto das polícias é voto garantido, não é à toa que fizeram um dossiê”, explica o aspirante a oficial da Polícia Militar do Paraná Martel Alexandre Del Colle. O PM se refere ao relatório de inteligência feito pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, revelado pelo UOL, em julho, no qual constam nomes de mais de 500 policiais que assinaram um manifesto em defesa da democracia, todos integrantes do movimento. O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu pela suspensão de uso desse tipo de relatório no mês seguinte.

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    De acordo com Del Colle, que é pré-candidato a vereador pelo PDT na cidade de Curitiba, os policiais que questionam o modelo de segurança pública já sofriam retaliações antes do dossiê. Ele mesmo foi aposentado compulsoriamente da corporação em 2019 e responde a procedimentos administrativo e criminal após ter assinado uma série de textos que criticavam a tropa, correndo o risco de ser expulso da PM. Com a candidatura, ele afirma que é necessário fazer uma “provocação”.

    “A ideia da população, dos policiais, é essa ideia do combate, que a polícia tem que subir morro e dar tiro”, aponta. “Essa ideia é ruim porque moralmente é cruel, desumana, elimina pessoas por etnia e não funciona. Isso só favorece a Bancada da Bala que não tem a preocupação de estudar, abrir um livro, um artigo científico e só faz lobby para a indústria do armamento”, prossegue.

    Para o investigador Pedro Chê, essa narrativa se legitima quando se afirma que segurança pública se resolve apenas com polícia. “Eles [parlamentares da Bancada da Bala] usam esse discurso de que entendem de segurança pública porque são policiais e que acadêmicos, parlamentares, estudiosos não entendem porque nunca estiveram dentro de uma viatura”, exemplifica. “Esse discurso é irreal, mas ele faz sentido para muita gente. A partir do momento que o movimento [antifascista] se lança com um corpo de policiais, a gente consegue fazer uma retórica muito eficiente porque vai ter pessoas que já estiveram em viaturas, que têm vivência de polícia, e que vão dizer que é um completo absurdo”, complementa.

    Pedro é policial há oito anos e pré-candidato a vereador pelo PT em Natal (RN) e, assim como Del Colle, também é alvo de investigação pela sua posição, como revelou a Ponte, em abril, ao questionar as carreatas antidemocráticas no auge da pandemia. A investigação, coordenada por um promotor do estado, se estendeu a outros 23 policiais do movimento. “Só em regimes de exceção, autoritários, é que se permite de maneira livre, entendível como normal, você investigar, levantar dados de pessoas sem que elas tenham cometido nenhum crime, apenas pelo o que elas são e não pelo o que elas fizeram. Isso é muito perigoso”, destaca.

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    No mesmo sentido, o policial rodoviário federal Fabrício Rosa, que já concorreu ao Senado em 2018, aponta que ainda responde a um procedimento na corporação por uma fala que fez em um congresso do movimento criticando a “guerra às drogas” na instituição. A investigação também usava uma matéria jornalística que abordava sua candidatura na época. Ele, que é policial há 20 anos e pré-candidato a vereador pelo PSOL em Goiânia (GO), entende, no entanto, que é preciso continuar se posicionando politicamente e que segurança pública não é só “pintar quartel e comprar viatura”. “Eu sou um homem gay, milito em uma associação de policiais LGBTQI+, a Renosp, então esse espectro que nos ronda, que podemos chamar de fascismo, é profundamente homofóbico”, justifica.

    “Então, não é só por mim, mas por todos os adolescentes, crianças, jovens LGBTQI+. A gente não pode deixar que as nossas conquistas sejam atacadas e que haja um retrocesso. É um compromisso ético de defender a comunidade LGBTQI+”, complementa.

    No âmbito da representatividade, a guarda municipal Luciana Rocha, de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), não se conforma que exista apenas uma mulher dentre 21 vereadores eleitos na atual legislatura do município. “Na cidade, ainda existe uma cultura muito forte de papéis na sociedade. Dentre 80 guardas, tem aproximadamente 25 mulheres e eu sou a única mulher GCM a se candidatar, o que é um absurdo”, aponta.

    Rocha, que é GCM há quatro anos e pré-candidata pelo PV, critica a militarização que vem ocorrendo nas guardas civis, a começar pelo uniforme. Em julho de 2019, a corporação recebeu vestimentas camufladas. “Querem transformar a guarda em um ‘puxadinho’ da brigada militar. A gente faz policiamento comunitário, não faz sentido algum usar uniforme camuflado, fuzil, isso afasta a gente das pessoas”, alerta. “Só por eu criticar o uniforme, eu fiquei quase um ano fora do trabalho ostensivo [na rua]“, afirma.

    Segurança pública como garantia de direitos

    Para a agente penitenciária Jemima Camargo, que é pré-candidata pelo PDT em Cuiabá (MT), deve existir uma interseccionalidade de pautas que também envolvam a discussão do racismo nas eleições. “Não existe representatividade na câmara municipal, não há mulheres negras”, pontua.

    Na corporação há 10 anos, ela aponta que o Mato Grosso é “um reduto bolsonarista muito forte” e “difícil de dialogar”, mas que é necessário ter vozes que falem por si, ainda mais após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ter decidido que a distribuição de recursos e tempo de propaganda eleitoral pelos partidos ser proporcional à quantidade de candidatos negros. “Eu me não coloco só como policial dentro do movimento Policiais Antifascismo, eu me coloco como mulher negra, da periferia, porque todas essas pautas, como do encarceramento em massa, passam pelas vidas negras e faveladas”, explica.

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    Até o momento, nas 24 pré-candidaturas, a reportagem contou três pessoas negras. Segundo o policial civil Miquéias Barros, pré-candidato a vereador pelo PSB no Macapá (AP), a discussão é mais complexa. “O movimento Policiais Antifascismo discute a questão racial, as instituições de segurança pública são instituições negras, a maior parte tem policiais negros, mas muitos não se reconhecem como negros”, elucida. “O policial das camadas mais pobres acha que quando passa a fazer parte da instituição, ele se blinda das opressões e muitas vezes não enxerga o racismo. Por isso é muito difícil trazer essa questão racial para dentro das polícias”, argumenta.

    Ele, que está na corporação há 11 anos e já foi bombeiro, acredita que as palavras “antifascismo” e “antibala” podem afastar o debate com diversas camadas da sociedade e que, por isso, é preciso também costurar temas do dia a dia. “Eu sou policial, eu uso transporte público, uso sistema de saúde público, então eu tenho que trazer a discussão da cidade para essas pessoas, os problemas que elas estão enfrentando com falta de serviço público de qualidade porque discutir isso também é ser antifascista”, propõe.

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    Nesse sentido, além de questionar o papel de parlamentares no campo da direita, o policial civil Everton Gomes critica também a atuação de setores da esquerda que, de acordo com ele, “marcam posição com palavras de ordem” e deixam de apresentar propostas. “A esquerda tradicional fica aprisionada nos fantasmas das perseguições que ela sofreu do aparato da segurança pública na ditadura civil-militar, então acaba tendo dificuldade de se colocar nesse tema. E quando se coloca a partir dessa dificuldade, ela se coloca só sob uma ótica de longo prazo, que é essencial e importante, mas também precisamos apresentar e construir soluções de médio e curto prazo”, argumenta, citando como pauta a longo prazo a reformulação e desmilitarização das polícias.

    Inspetor regional há 18 anos e pré-candidato a vereador pelo PDT no Rio de Janeiro, Gomes aponta que é urgente ter uma atuação de fiscalizador dos poderes, especialmente num estado em que vem ocorrendo a expansão de grupos milicianos. “É uma cidade que vem tendo seu território completamente deteriorado a partir de vários fenômenos criminosos, seja o tráfico de drogas, sejam as milícias, que acredito que sejam até pior que o tráfico, e que requer uma participação mais efetiva da própria cidade na construção de soluções”, explica. “É pela falta de garantia de direitos para também esses policiais que esse sistema lesiona não apenas eles, mas a sociedade como um todo”, completa.

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    A partir desse propósito, o movimento emprega a necessidade de reconhecimento dos policiais como trabalhadores. “É contraproducente você dizer ‘trabalhadores do mundo, uni-vos’ e não pensar nos trabalhadores da segurança pública. E justamente pela esquerda jogar para escanteio os trabalhadores da segurança pública foi que a direita tomou conta dessa pauta”, corrobora Leandro Prior, policial militar e pré-candidato pelo PT pela cidade de São Paulo.

    Prior, ao contrário dos colegas, decidiu criar uma candidatura coletiva que ainda não está fechada, chamada Bancada Antifascista, que vai unir além de policiais, militantes de outros segmentos. Ele, assim como os demais entrevistados, também sofreu perseguições na tropa por posições políticas e por ser gay, tendo sido espionado pela corporação quando foi pedir o namorado em casamento e proibido de usar farda durante o pedido.

    Ele, assim como os outros membros do movimento, indica que setores da esquerda estão começando a ter mais receptividade por policiais e que, mesmo com a força do antipetismo e falta de apreço ou desconhecimento do termo “antifascismo”, essas construções podem ser debatidas. “Vamos apostar nas pessoas e não nos partidos, mostrando o que é ser antifascista e mostrar que essas pautas são extremamente necessárias para a sociedade”, defende.

    Em meio a esse ponto, há pré-candidaturas de policiais do movimento que estão em partidos como MDB, PSC, Podemos (antigo PTN) e Progressistas (antigo PP).

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    Escrivão de polícia há 28 anos, Manuel Brasil decidiu se lançar neste ano a vereador pelo Podemos em Belém (PA), partido que se coloca no site oficial como “nem de esquerda, nem de direita, para frente”. Ao contrário do colega de legenda, o senador Alvaro Dias, que foi presidenciável em 2018 e defendeu a flexibilização do porte de armas para reduzir homicídios, Brasil argumenta que é “antibala”. “Eu defendo a vida! Acredito que a sociedade pode ser mudada a partir de uma distribuição de renda”, afirma.

    Ele também é um dos policiais que assinou o manifesto que integra o dossiê e se coloca como de esquerda. “Eu já fui candidato em 2016 pelo PSOL e agora venho candidato pelo Podemos, haja vista que o PSOL possui aqui em Belém três vereadores e nós, como a nossa candidatura faz parte do movimento popular do bairro, [estamos] trabalhando mais a questão de saneamento e segurança, questão ambiental, decidimos apostar no Podemos porque é um partido novo em Belém e não possui nenhum vereador”, justifica.

    Moreno Lima, que é policial militar há 13 anos em Imperatriz (MA) aponta que esse tipo de candidatura é possível porque o movimento, mesmo que historicamente seja alinhado à esquerda, não veta partidos, desde que os policiais tenham compromisso com as pautas do manifesto.

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    Ele ainda não tem partido definido e se considera de centro-esquerda, mas afirma que deve sair pré-candidato pelo Progressistas, já que, mesmo sob um governo alinhado à esquerda no Maranhão pelo governador Flavio Dino (PCdoB), e com um delegado na prefeitura da sua cidade pelo DEM, para ele, falta compromisso com propostas que beneficiem os quadros da segurança e “quem critica as políticas de segurança pública do governador é transferido”.

    “Mesmo sendo de esquerda, a gente tem que bater, porque nós, do movimento Policiais Antifascismo, somos suprapartidários. Pessoas de direita também podem ser antifascistas porque o extermínio de pessoas negras e pobres vai além do ideal político, é uma questão de humanidade”, argumenta.

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