A apresentação da cantora na final do Superbowl com uma coreografia arrasadora para a música Formation teve o impacto de uma bomba de 100 megatons no racismo institucionalizado.
Juca Guimarães, especial para a Ponte
A violência contra negros nos EUA e em todo mundo chegou a níveis alarmantes. Ao longo das últimas décadas, o problema não foi encarado de forma contundente. Mesmo com alguns avanços sociais e econômicos, muitas portas ainda estão fechadas para os negros e existe muita disposta a tudo para que elas continuem assim.
O combate ao racismo e à violência policial nunca esteve na agenda da indústria do entretenimento, mas isto parece estar mudando, e em grande estilo, graças à ousadia e rebolado da cantora Beyoncé.
A apresentação da cantora na final do Superbowl com uma coreografia arrasadora para a música Formation teve o impacto de uma bomba de 100 megatons no racismo institucionalizado.
Os jogadores que ganham o Superbowl recebem um anel cravejado de pedras preciosas como lembrança da vitória. Beyoncé e as suas dançarinas Black Panthers fizeram por merecer um anel também.
A reação contra a cantora que ousou enviar o dedo na ferida sem dó veio rapidamente. Foram milhões de mensagens de apoio, mas também tiveram protestos de setores conservadores. Mais uma vez a cantora acertou em cheio, pois enfiou a carapuça na cabeça dos reacionários.
O protesto marcado contra a cantora em frente à sede da liga de futebol americano contou com três gatos pingados. E este foi o placar final. Milhões de Black Panthers rugindo pelo mundo contra o racismo vs. três gatos pingados fazendo mimimi.
Foi um touchdown importante, mas não pode parar por aí. Um passo importante foi dado e não pode haver retrocesso.
Para entender melhor o impacto do furacão Beyoncé e a sua Formation, eu conversei com a Daniela Rodrigues, empresário e produtora do rapper Rashid. Ela é uma das mulheres mais importantes e influentes na cena de hip-hop atual do Brasil. Daniela é engajada na luta contra o racismo e pelo empoderamento das mulheres na sociedade.
Ponte: O que você achou da referências estética aos Black Panthers?
Daniela Rodrigues: Muito importante. Porque em pleno 2016 estamos vivendo em vários países um momento muito tenso de intolerância. Os conservadores, racistas, machistas e homofóbicos estão cada vez mais a vontade para demonstrar todos os preconceitos e ignorância que eles alimentam dentro deles.
Buscar a referência dos Black Panthers e apresentar em um programa com o alcance do Superbowl é lembrar ao mundo inteiro que já trocamos essa ideia antes e que quando foi necessário soubemos lutar pelos nossos direitos. É mostrar que iremos nos unir e, se necessário, novamente bater de frente.
O que você achou do tom contundente da música em relação à violência policial no EUA?
Necessário e muito importante uma artista da grandiosidade da Beyoncé se posicionar, apontar o problema, demonstrar indignação e colocar o dedo na ferida em quem prefere fingir que não é com ele.
Só teremos uma mudança real quando todos entenderem que o racismo não é problema dos negros, o racismo é um problema de todo ser humano que caminha sobre a terra. Ser conivente e permanecer mudo perante tudo que vem acontecendo com a gente, aqui e lá, não faz o mínimo sentido.
Ter uma mulher liderando um movimento tão importante pra cultura negra é um marco no hip-hop?
Sim, sempre é um marco ver uma mulher em destaque dessa forma. Temos e sempre tivemos muitas mulheres no hip hop e na música negra como um todo abordando esses assuntos. Mas talvez essa seja a primeira vez que uma mulher com o alcance massivo da Beyonce tenha se posicionado de forma tão clara e em um canal de tanto alcance quanto o Superbowl.
O que você achou da reação dos conservadores que querem boicotá-la após a apresentação no Superbowl?
Isso só prova que ela fez a coisa certa, que ela conseguiu colocar o dedo na ferida. E além disso, a Beyonce não foi nada além de coerente com o discurso, o clipe e a apresentação da música nova. Portanto, não acho que eles teriam engajamento suficiente para um boicote efetivo, pelo contrário, é um marketing muito positivo para a causa, a música e a própria Beyoncé.