Judiciário paulista remunerou 2.328 magistrados acima do teto constitucional

    Foram R$ 114,3 milhões em salários acima do limite no mês de julho. Excedente foi pago a 91,5% dos juízes do TJSP

    O TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo) gastou R$ 114,3 milhões no mês de julho com salários de magistrados acima do teto constitucional do funcionalismo público, equivalente a R$ 33.763. Ao todo, 2.328 juízes e desembargadores receberam acima do limite, o que corresponde a 91,5% dos magistrados do TJ.

    O levantamento foi realizado pelo portal Poder360 a partir de dados públicos do Judiciário paulista e de outros 14 tribunais de Justiça no país.

    Palácio da Justiça, na Praça da Sé, em São Paulo, sede do Poder Judiciário no estado. | Foto: Reprodução TJSP.

    Se todos os servidores com salário acima do teto no mês de julho tivessem recebido o limite do funcionalismo, a “sobra” de dinheiro seria de R$ 35,7 milhões.

    A explicação para uma remuneração superior à permitida em lei é de que não se trata apenas de salário (que obedece ao teto), mas também do pagamento de vantagens eventuais, vantagens pessoais, gratificações e indenizações.

    O que torna isso possível é uma resolução do (CNJ (Conselho Nacional de Justiça), que fixou o teto do funcionalismo público no salário dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e estabeleceu que os benefícios extras pudessem se somar ao salário, gerando remunerações acima do teto.

    Esses “supersalários” obrigaram a ministra Cármen Lúcia, presidente do CNJ e do STF, a determinar que os TJs enviem ao conselho, todo mês, cópias de contracheques dos magistrados, para acompanhamento e investigação. O próprio Supremo passou a disponibilizar em seu portal a remuneração de todos os seus servidores, incluindo os ministros.

    Em abril desse ano o STF já tinha liberado remunerações acima do teto constitucional para os casos de servidores que acumulem dois cargos públicos.

    Obstáculos à democracia

    Além de contar todo mês com casos de “supersalários”, a justiça paulista também atua de maneira corporativa. No estado, a cumplicidade entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário influencia o andamento e funcionamento da justiça, que passa a operar de forma politizada e colocando obstáculos para a democracia.

    Desembargadores Ivan Sartori e José Renato Nalini, com Geraldo Alckmin, em cerimônia de entrega do “Colar do Mérito Judiciário” ao governador. Homenagem aconteceu em 2013. | Foto: Reprodução Edson Lopes/TJSP.

    Esta é a conclusão da advogada Luciana Zaffalon, em sua tese de doutorado, publicada este ano na FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas). A pesquisadora analisou projetos de lei e documentos do Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público, entre 2012 e 2015, e concluiu que existe uma cumplicidade entre o Judiciário paulista, Governo do Estado e a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

    A força política do PSDB no estado é usada para garantir o andamento e aprovação de interesses corporativos de membros das carreiras jurídicas, segundo Zaffalon. “São os atos de vontade do governador do Estado de São Paulo que tornam possível o funcionamento aristocrático da justiça local, viabilizando a evolução da organização corporativa do poder em detrimento da cidadania”, explica.

    Tal atuação do poder público em São Paulo serve como “blindagem das elites”, de acordo com Zaffalon, que concluiu que o TJSP opera colocando obstáculos ao aprofundamento da democracia, “destinando às classes populares as forças de segurança pública e o sistema prisional, representando, ao fim e ao cabo, uma expressão da luta de classes, com caráter higienista”.

    Pagamento de pessoal

    No Brasil, assim como em muitos países, a maior fatia das despesas do Poder Judiciário é para pagamento de pessoal, como indica o pesquisador Luciano Da Ros, do NUSP (Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira) da UFPR (Universidade Federal do Paraná), no trabalho “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória”, de 2015. Segundo ele, 89% dos gastos do Judiciário brasileiro vão para despesa de pessoal. Nos países europeus, a média é de 70%.

    De acordo com os dados utilizados pelo pesquisador, que são de 2014, há 16.500 magistrados no Brasil, proporção de cerca de 8,2 juízes por 100 mil habitantes.

    O que destoa de outros países é o gasto com a totalidade dos funcionários do Judiciário: servidores, assessores e terceirizados. Essa força de trabalho contabilizava, em 2014, cerca de 412.500 funcionários no país — equivalente a 205 servidores para cada 100 mil habitantes. A proporção é maior que a de outros países pesquisados por Da Ros, como Argentina (150), Alemanha (66,9), Portugal (58,3), Chile (42,1), Colômbia (41,6), Itália (40,5) e Inglaterra (30,6).

    Esses dados levaram o pesquisador a considerar que o orçamento destinado ao Poder Judiciário brasileiro é “o mais alto por habitante dentre todos países federais do hemisfério ocidental”.

    As despesas totais do judiciário somaram R$ 62,3 bilhões em 2013, valor que saltou para R$ 79,2 bilhões em 2015, a um ritmo de crescimento de 4,7% no período de 2011 a 2015, segundo o relatório “Justiça em Números”, publicado pelo CNJ em 2016. O relatório atualizado, divulgado nesta segunda (04/09), indica o valor de R$ 84,8 bilhões com as despesas totais — o que representa um crescimento de 0,4% em relação ao ano de 2015.

    Conforme aponta o relatório, essa despesa equivale a 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, ou a 2,6% dos gastos totais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

    Salários

    Em nota pública do Tribunal de Justiça de São Paulo, o presidente da instituição, Paulo Dimas de Bellis Mascaretti, afirmou que a remuneração de todos os magistrados observa “estritamente o teto constitucional”.

    “Outras verbas porventura agregadas, em regra, de forma episódica, a este valor são pagas nos exatos termos da lei e de resoluções editadas pelo Conselho Nacional de Justiça; não se tratando, como muitas vezes se afirma, de ‘penduricalhos’ despropositados”, diz a nota, segundo a qual as outras verbas agregadas aos salários referem-se a vantagens eventuais, vantagens pessoais, gratificações e indenizações.

    Com a intenção de barrar o pagamento de “supersalários” aos servidores públicos no Brasil, tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei.

    Já aprovado no Senado, o PL 6726/16 visa a efetivar o teto constitucional de salário aos agentes públicos, determinando que o limite de rendimentos aplica-se a todas as remunerações recebidas pelo servidor, independente de cargo ou das distintas fontes de pagamento. A proposta aguarda instalação de comissão temporária na Câmara dos Deputados para analisar o tema.

    O PL 6752/16 prevê o enquadramento em ato de improbidade administrativa quando houver pagamento acima do teto, prevendo que o servidor devolva o excedente de recursos recebidos. O projeto tramita na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados.

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