Brasileiros pedem libertação de angolanos presos por ler livro sobre democracia

    Mães de Maio, Cooperifa e outros militantes das periferias brasileiras protestam contra a prisão de 15 jovens angolanos, na cadeia há mais de quatro meses
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    Ativistas brasileiros e angolanos se unem para pedir libertação de jovens

    Danilo Dara (*), especial para a Ponte Jornalismo

    O regime do presidente angolano José Eduardo dos Santos, no poder há mais de 36 anos, mantém atualmente quinze rappers e ativistas do país presos há mais de 120 dias. A legislação de Angola, em teoria, não permite que pessoas fiquem presas durante todo este período sem julgamento, no entanto eles seguem detidos. Quatorze dos jovens foram presos em 20 de junho deste ano, em “flagrante delito”, quando participavam de um grupo de estudos aberto numa livraria, onde discutiam o livro Da ditadura à democracia, do pacifista americano Gene Sharp. Outro deles foi preso do dia seguinte, e duas jovens foram adicionadas como rés e, atualmente, respondem ao processo em liberdade.

    Dentre os presos está Henrique Luaty da Silva Beirão, de 33 anos, que, após passar 85 dias numa cela solitária, com direito a apenas uma hora de sol por dia, resolveu fazer uma greve de fome, que já dura 29 dias. Conforme descreveram recentemente as jornalistas brasileiras Eliza Capaí e Natália Viana, em matéria da Agência Pública sobre as prisões:

    Filho de um importante aliado do presidente e alto membro do partido governista, o MPLA, Luaty Beirão ficou famoso pelo programa de rap que comandava na Rádio LAC. Conhecido como Ikonoclasta, o músico é uma inspiração para dezenas de jovens insatisfeitos com o regime de José Eduardo dos Santos – ou “Kota Zedu” como dizem, uma deferência de respeito pela idade do presidente, que completou 73 anos. Eles aderem ao rap como forma de protesto e de informação. São rapazes conhecidos por nomes como “Albano Liberdade”, “Mbanza Hanza”, “Cheik Hata” ou “Nicola Radical” e que têm entre seus ídolos os Racionais MCs. Através do rap, tentam chamar atenção para os incomensuráveis problemas de Angola; em shows realizados nos musseques – a versão angolana das favelas – e nas frequências de rádio. Segundo maior exportador de petróleo da África, Angola tem cerca de 36% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, e possui a pior taxa de mortalidade infantil do mundo.

    Nos últimos dias, com o prolongamento das greves de fome tanto de Luaty Beirão (há 29 dias sem comer) como do rapper Bingocabingo (há 12 dias em jejum), e o agravamento das condições de saúde de ambos, multiplicaram-se os atos de solidariedade aos presos por Angola, Portugal e diversas outras partes do mundo, formando-se uma crescente campanha internacional pela vida dos grevistas, pela liberdade dos 15 rappers ativistas, e por mudanças democráticas no regime angolano.

    O escritor Sérgio Vaz, do sarau Cooperifa

    Radicados no Brasil, e integrantes da rede de solidariedade internacional de solidariedade e pela liberdade aos presos de Angola, os angolanos Agostinho Francisco Martinho e Osvaldo António Kassindula Gomes (Príncepe Lua) já conseguiram articular o apoio do Núcleo 14 de Maio de resistência negra, do Movimento Independente Mães de Maio, do Sarau da Cooperifa, e de diversos rappers brasileiros à Campanha Internacional por #LiberdadeJá aos seus 15 ativistas conterrâneos. Em consonância com o que começa a ser feito em diversas partes do mundo, planejam para os próximos dias vigílias, em locais simbólicos aqui no Brasil, pela liberdade dos rappers africanos. Ambos falaram com exclusividade para a Ponte:

    Falem um pouco da sua trajetória, como/por que chegaram aqui no Brasil?

    Agostinho Martinho – Meu nome é Agostinho Francisco Martinho, cheguei aqui no Brasil por razões de saúde, não minha, mas de um familiar. Vim acompanhar o seu tratamento, cuidá-la, porque a saúde pública em Angola é quase que inexistente e a particular é muito cara e com poucas recursos humanos e tecnológicos. A minha família associou este cuidado à possibilidade de me formar no curso superior. Hoje sou formado em Arquitetura e Urbanismo. O que me move na política é a solidariedade. Em Angola eu era pouco interventivo porque não tinha meios nem companheiros, mas comecei militando mais precisamente aqui no Brasil com o trágico acontecimento do assassinato da minha compatriota Zulmira Cardoso. A partir daí conheci pessoas como Hugo Ferreira, Cleyton Borges e tantos outros amigos que estão a construir este novo homem com uma nova visão de mundo.

    Osvaldo António – Meu nome é Osvaldo António Kassindula Gomes, sou natural de Benguela-Angola. Não sei se é correto dizer que tenho uma trajetória politica (risos). Mas, desde que me conheço por gente, não sou de deixar barato nenhuma injustiça e isso me levou ao ativismo cívico. Comecei a participar em manifestações em Angola desde 2011. Não parei e não pretendo parar enquanto essa for a única maneira de ser ouvido no meu país e no mundo, em todos os lugares onde o diálogo não for possível. Cheguei ao Brasil para para fazer a graduação e nesse momento sou estudante do curso de administração.

    Como vocês analisam os abusos e violações de direitos humanos do atual regime angolano?

    Agostinho – A situação atual em Angola é muito complicada. Eu considero um Estado de sítio. O governo e todas as suas instituições são 99,9% partidarizados, não dando possibilidade para a população nem outros partidos contribuírem para a construção e o desenvolvimento do país. Ainda se colocam como os únicos que têm a capacidade de fazer algum bem para Angola. Quanto à questão de direitos humanos, pode-se dizer que não existe, partindo da ideia que as autoridades não permitam sequer que a população pense. Os caras querem proibir, além de pensarmos, de sentirmos, de ter sentimento de solidariedade com nossos amigos e familiares. Toda ação solidária é tambem fortemente reprimida com balas de chumbo, jatos de águas, cacetetes, até cachorros jogam para cima de mulheres. Realmente é muito angustiante.

    Osvaldo – Apesar de a comunidade internacional tapar os olhos pra isso, as violações dos direitos humanos em Angola são uma questão antiga. Desses exemplos temos o até agora sem culpado crime contra a humanidade de 27 de maio de 1977. Desde então só vem piorando, pois o regime vem intensificando a violência em todas as suas formas para quem pensa diferente.

    O que levou os 15 ativistas à prisão em junho? 

    Osvaldo – Os jovens hoje presos no caso 15+1 encontravam-se a fazer o estudo do livro Da Ditadura à Democracia, de Gene Sharp. O governo angolano sentiu-se perturbado com isso e procedeu a prisão dos mesmos. Três deles estão em greve de fome e um deles já leva 28 dias, que é o Luaty Beirão. O outro que é o Bingongo, que está a lhe ser negada assistência médica. A situação de todos é critica, porque cadeia não é lugar de gente.

    Qual a importância da solidariedade internacional neste momento, e de que maneira você acredita que os movimentos sociais brasileiros podem ajudar a resistência em Angola?

    Agostinho – A solidadriedade de outros povos serve como um instrumento de ataque contra este governo opressor. Acredito, sim, que os movimentos sociais brasileiros possam ajudar principalmente nesta questão de resistência, porque é isso que eles não querem que os angolanos aprendam. O nosso povo anda muito fragilizado quando o assunto é reivindicação.

    Osvaldo – A solidariedade nesse momento é muito importante para dar visibilidade às lutas contra as arbitrariedades que o governo angolano pratica, de modo mostrar ao mundo e sem maquiagem o que realmente se passa em Angola. Um país que se diz democrático não pode ter relações com ditaduras como a nossa. Os movimentos sociais podem ajudar de diversas maneiras a nossa resistência. Primeiro, na mobilização de ouras nações. Segundo, na participação em atos públicos cá no Brasil e também numa maneira de pressionar o governo brasileiro a se pronunciar sobre o assunto.

    Quais as próximas principais atividades de solidariedade que estão sendo planejadas, em Angola, pelo mundo e aqui no Brasil?

    Osvaldo – Temos em carteira algumas atividades, tais como a vigília de domingo na Igreja Católica que está situada em frente à Igreja Universal no Brás. Nesse momento, não há uma ligação grande entre os movimentos pelo mundo, mas estamos a criar condições para essa sincronização.

    (*) Danilo Dara é historiador e militante do grupo Mães de Maio

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