Carrefour, Extra, Koch e Ricoy: 3 homens negros mortos e 2 torturados desde 2019

    Supermercados acumulam ataques racistas a homens e jovens negros em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e, agora, no Rio Grande do Sul. Mercados parecem achar que negro “é perigo, não consumidor”, diz especialista

    Protesto na Avenida Paulista, em SP, cobra Carrefour pela morte de João Alberto | Foto: Rogerio de Santis

    A violência contra homens negros praticada em supermercados no Brasil vitimou ao menos três pessoas e teve outras duas torturadas nos últimos dois anos. São crimes em São Paulo, Rio de Janeiro e, agora, no Rio Grande do Sul, com a morte de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos.

    Dois seguranças do supermercado Carrefour, no bairro Passo D’Areia, na zona sul de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, mataram João Alberto na noite de quinta-feira (19/11), véspera do Dia da Consciência Negra.

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    O homem levou um golpe de sufocamento. Suplicou não estar conseguindo respirar aos empregados Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva, não resistiu ao ataque e morreu.

    João Alberto não é a única pessoa a ser morta por um segurança de supermercado. Em 14 de agosto de 2019, Jean Pierre Oliveira se desentendeu com um funcionário da rede de supermercados Koch em Camboriú, em Santa Catarina, levou um golpe de faca e morreu.

    O crime aconteceu durante a noite no bairro Monte Alegre. Nenhuma pessoa que testemunhou a cena soube dizer o motivo do ataque ao homem negro, mas, à época, a PM de Santa Catarina fez questão de destacar que o rapaz tinha “registro por furto”. O segurança fugiu.

    Outra morte ocorreu na rede de supermercados Extra. No dia 14 de fevereiro de 2019, Pedro Gonzaga, jovem negro de 19 anos, levou um golpe no pescoço chamado mata-leão de um segurança do mercado e morreu asfixiado na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro.

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    Testemunhas registraram as cenas do ataque. Na gravação, quem está ao redor alerta o funcionário de que ele “está sufocando” o homem e que Pedro “está roxo”. Nada o impediu de seguir sufocando Pedro, apenas a morte.

    Outros ataques não chegaram à morte, com um homem e um adolescente sendo torturados por funcionários. Em março de 2019, um homem negro de 38 anos foi torturado e filmado por funcionários do mercado Extra do Morumbi, zona sul da cidade de São Paulo.

    O homem, desempregado e despejado da casa onde morava, teria tentado furtar um pedaço de carne para sua família. Os seguranças o pegaram, amarraram, tiraram suas calças e deram choques e vassouradas.

    No mês de setembro do mesmo ano, cena similar ocorreu no supermercado Ricoy, localizado na avenida Yervant Kissijikian, Vila Missionária, também na região sul da capital paulista. Um adolescente negro de 17 anos foi torturado pelos seguranças Valdir Bispo de Santos e David de Oliveira Fernandes.

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    E. tentou roubar uma barra de chocolates e os seguranças viram a cena. O pegaram tentando sair sem pagar, o prenderam em uma sala e gravaram a tortura. Deram golpes de chicote enquanto ele estava com as calças arriadas.

    Enquanto um dos homens agredia o adolescente, o outro gravava a cena com o celular. Em dezembro de 2019, o juiz Carlos Alberto Correia de Almeida considerou que o ato não se enquadrava como tortura. Decidiu absolver a dupla.

    Meses antes, em março daquele ano, Luís Carlos Gomes estava em um supermercado Carrefour em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, quando foi perseguido pelo gerente e pelo segurança do mercado. Ele levou uma garrafada e levou um golpe de sufocamento dos funcionários. Luís é negro e possui dificuldades de locomoção.

    Em agosto de 2020, funcionários de uma unidade do Carrefour no bairro Torre, em Recife (PE), esconderam o corpo de um representantes de vendas que morreu enquanto trabalhava. Cercaram o seu corpo com guarda-sóis, caixas de papelão, engradados de cerveja e tapumes para impedir o fechamento da unidade.

    Casos de racismo também terminaram com um casal com a bolsa revistada e ignorado pela PM quando denunciou a discriminação no Extra Aeroporto, na zona sul de São Paulo, e com um jovem seguido na rede Assaí, em Mauá, na Grande SP. Em setembro desse ano, uma funcionária sofreu racismo e foi demitida ao denunciar, no RJ.

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    Para o advogado criminalista Flavio Campos, integrante da Educafro, os repetidos casos indicam racismo na atuação dos seguranças que trabalham nas redes de supermercados.

    Segundo Campos, há uma ideia de que as pessoas negras não são consumidores, “destinatários do produto ou serviço ofertado” nos locais. Para ele, a visão é de que o negro “é um perigo”.

    “Todos os negros passam por isso. Seguranças fazem questão de te perceber no espaço e mostrar que estão de olho em você, que é um perigo, não um consumidor”, afirma.

    O advogado ressalta que todas as pessoas dos casos citadas são negras. “Qual pretexto para espancar uma pessoa até a morte? Por que vai torturar? A única coisa que relaciona essas pessoas é a cor da pele”, defende.

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    Ele cita como exemplo de falta de indignação o fato das ações da Rede Carrefour na bolsa de valores não apresentar queda apesar da repercussão do assassinato de João Alberto.

    “A importância do que aconteceu para o mercado financeiro é ínfima. Os índices da bolsa estão inabaláveis. A bolsa caminha normalmente como se nada tivesse acontecendo, mesmo se tratando de uma empresa deste tamanho”, lamenta.

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