Caso de PM que matou homem a tiros em cinema mostra que armas não diminuem violência

    Especialista do Fórum Brasileiro de Segurança Pública comenta assassinato dentro de sala de cinema cheia de crianças no Mato Grosso do Sul: ‘A gente precisa pensar que, ao contrário do que se vende, arma não traz segurança’. Há um mês, ator foi morto a tiros pelo pai da namorada, que não aceitava a relação

    PM Dijavan Batista dos Santos e entrada do cinema onde ocorreu o assassinato em Dourados (MS) | Foto: reprodução

    Imagine a cena. Diversas crianças assistindo a um dos super-heróis mais amados do mundo em seu novo longa-metragem, “Homem-aranha: Longe casa”, quando dois disparos de arma de fogo são ouvidos. O que poderia ter sido mais uma cena do novo filme da Marvel, aconteceu dentro da sala de um cinema na cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul.

    Segundo o site de notícias Metrópoles, a polícia afirmou que uma discussão por causa de uma cadeira teria motivado o policial militar ambiental Dijavan Batista dos Santos efetuar dois disparos contra Júlio Cesar Cerveira Filho na última segunda-feira (8/7). Um dos tiros atingiu o peito de Júlio Cesar, que morreu antes de o Corpo de Bombeiro chegar ao local. Dijavan foi preso em flagrante e levado para a 2ª Delegacia de Polícia de Dourados.

    O crime dentro do cinema acontece exatamente um mês depois de outro assassinato com arma de fogos. Era domingo (9/6), quando o ator Rafael Henrique Miguel, 22 anos, foi morto a tiros no bairro de Pedreira, na zona sul de São Paulo. Seus pais, João Alcisio Miguel, 52 anos, e Miriam Selma Miguel, 50, também foram mortos. O autor dos disparos é Paulo Cupertino Matias, pai da namorada de Rafael. Segundo informações do G1, Rafael e seus pais foram até a casa de Paulo para conversar sobre o namoro do jovem com Isabela Tibcheran, 18 anos. Mas, quando chegaram no local, foram surpreendidos por Paulo, que estava armado, que atirou nas vítimas e fugiu.

    Em entrevista à Ponte, Isabel Figueiredo, advogada e conselheira do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública), analisa com preocupação os dois episódios. Para Isabel, ambos os casos são fruto do fortalecimento do discurso pró-armamentista do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

    “Quando a gente tem essa escalada desse discurso pró-arma, desse incentivo da arma, passamos a ter esse risco: a presença da arma de fogo em lugares que não deveriam ter medo. A gente começa a ter a presença da arma como solução de conflitos cotidianos. É a briga de trânsito, é a discussão sobre o número da cadeira no cinema. Eu não devia ter medo de ir ao bar conversar com os meus amigos e ter alguém armado. Eu não devia ter medo de ir ao cinema e ter alguém armado. São coisas que não deveriam fazer parte de uma convivência em sociedade. Mas os casos estão se tornando mais comuns por causa dessa louvação ao discurso da arma”, argumenta Figueiredo.

    Isabel lembra também que, em abril deste ano, um homem sacou uma arma dentro de um cinema em Salvador (BA), durante a exibição de outro filme da Marvel, “Os Vingadores – Ultimato”. O local, até pelo tema do filme, estava repleto de crianças. A motivação foi a mesma: uma discussão por causa de um assento marcado. Mas, nessa ocasião, ninguém foi feriado.

    Para a conselheira do FBSP, o caso do assassinato dentro do cinema se agrava ainda mais por ter sido praticado por um policial. “A gente tem uma demanda justa para que os profissionais de segurança pública andem armados, mesmo fora de serviço, porque eles são profissionais que estão em situação de risco, tem legitimidade, mas não deveria ser comum a gente ver esse tipo de coisa acontecendo. Há necessidade do controle até dentro dessas categorias, que tem o porte de arma ampliado. Qual equilíbrio emocional de uma pessoa que vai armada ao cinema e mais do que isso é capaz de sacar a arma no cinema? Os exames psicológicos deveriam ser feitos com mais frequência”, defende Isabel.

    Figueiredo ainda crava que o porte de arma não apenas não diminui a violência, como aumenta o número de crimes. “Pesquisas mostram que esse argumento da legítima defesa não é real, a presença da arma em uma situação em que você está sendo a vítima fica mais grave. A tendência é que a situação se agrave com a presença da arma. A gente precisa pensar que, ao contrário do que se vende, arma não traz segurança”, finaliza Isabel.

    Em nota pública, divulgada em uma rede social, a assessoria do Shopping Avenida Center lamentou o ocorrido. “Diante do fatídico evento ocorrido na tarde do dia 8/7/2019, no interior de uma das salas do cinema, a administração do Shopping Avenida Center Dourados vem a público esclarecer que lamenta profundamente e se solidariza manifestando pesar às famílias envolvidas. Por fim, esclarecemos ainda que o Shopping Avenida Center Dourados, de imediato, adotou todas as medidas necessárias, acionando os órgãos competentes e se colocando à disposição para contribuir no que for necessário para o devido levantamento e apuração dos fatos”, diz nota.

    Procuradas pela reportagem, a Polícia Civil e a SSP (Secretaria de Segurança Pública) de Mato Grosso do Sul não se manifestaram até a publicação da reportagem.

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