‘Cheguei a ser parado 8 vezes no dia’: motoboys relatam perseguições e abusos após latrocínio com falso entregador em SP

Entregadores e motofretistas relatam que chegam a ficar horas parados em abordagens da PM na Operação Sufoco, o que resulta em bloqueamento nos aplicativos

Motociclistas parados em Operação Sufoco, da Polícia Militar de São Paulo | Foto: Divulgação/PM

Motoboys que trabalham como entregadores e fretistas em São Paulo relatam a intensificação de abordagens da Polícia Militar e casos de abusos desde o latrocínio cometido por um homem que usava bolsa de entregador, no dia 25 de abril, na zona sul da capital paulista. 

Na ocasião, o falso entregador Acxel Gabriel de Holanda Peres roubou o celular e matou a tiros o estudante Renan Silva Loureiro. Nove dias depois do crime, o Governo de São Paulo iniciou a Operação Sufoco, “para combater a criminalidade na cidade de São Paulo, em especial crimes patrimoniais, com destaque para os delitos cometidos por falsos entregadores de delivery”. 

Embora o governo paulista, sob gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), diga que a operação é para capturar falsos entregadores, motoboys relatam que as ações da PM estão apenas prejudicando os trabalhadores. 

“O que a gente tem visto é totalmente distorcido do que o governo diz. Quando o ladrão sai para roubar, ele não se importa com a roupa, então não importa se ele coloca ou não uma bag de entregador. O governo está usando o que aconteceu para cometer represálias com os entregadores”, conta o motoboy Ygor Reis, o Charada, de 31 anos, que trabalha na zona norte da cidade de São Paulo. 

Charada é o líder na zona norte do movimento União Motoboys por Motoboys, que tem representantes nas cinco regiões da capital paulista (zonas norte, oeste, leste, sul e central), e afirma que depois que começou a Operação Sufoco, chegou a ser abordado pela PM oito vezes no mesmo dia. 

“Não somos parados tanto por viaturas de ronda, e sim em blitz. E o problema é que a polícia não segue um procedimento padrão, cada um trata de um jeito. Já teve abordagem que fui muito bem tratado e respeitado, mas em outras me chamaram de vagabundo, mandando encostar e abrir as pernas”, conta. 

O motoboy afirma que sua situação nas abordagens fica ainda pior quando ele explica que já respondeu criminalmente. Mesmo que tenha sido por um caso que aconteceu há 13 anos, e já está tudo resolvido, os policiais começam a tratar com truculência, mesmo quando o início da abordagem tenha sido respeitosa. “Também tem a questão da cor, porque sou negro”, conta. 

Ainda com relação à Operação Sufoco, Charada acredita que “os criminosos estão dando risada, porque nenhum ladrão está saindo de motoboy para roubar por saber que tem a operação, então claramente não está rendendo nenhum resultado para a população, somente oprimindo os trabalhadores”.  

O motoboy Gerônimo Lima Gusmão, de 30 anos, também afirma que “a Operação Sufoco vai contra motoboys que estão trabalhando e às vezes tem alguma avaria na moto”. Nesse sentido, os motoboys afirmam que a Polícia Militar também não respeita a Lei 14.229, de 2021, que diz que os veículos parados em blitz não precisam ser apreendidos e guinchados quando não oferecerem riscos para circulação. O motorista tem até 15 dias para regularizar as condições do veículo. 

“Estou na rua com a minha motinha e as operações fazem de tudo para apreender minha moto e prender os motoboys. A impresão que dá é que querem apenas perseguir uma categoria. Se é uma pessoa que não tem uma boa mentalidade, vai roubar mesmo, porque o único trabalho digno que tem é atacado”, diz Gerônimo, que trabalha na zona leste paulistana. 

O motoboy destaca ainda que a Operação Sufoco é “tola”, e acredita que o governo cedeu a uma pressão de forma não inteligente. “Aumentou a abordagem com trabalhador, mas o crime não diminuiu. Então fica só a rivalidade de motoboy contra a polícia. Afinal, o que a polícia quer: tirar os motoboys das ruas?”, questiona. 

O motoboy André Luiz, de 35 anos, afirma que na região de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a intensificação nas abordagens contra motoboys não acontece apenas em blitz. “Aqui, a [está] gente parado e a polícia vem abordar. Algumas vezes chegam esculachando, outras vem mais respeitosamente”. O motoboy afirma que a região concentra um grande número de entregadores que trabalham com aplicativo ligado, e “dificilmente passam um dia sem ser abordados”. 

Outro problema da operação, segundo os motoboys, é que quando acontece uma abordagem, ficam parados por muito tempo mesmo quando estão em meio a uma corrida de entrega. “Já aconteceu de ficar mais de uma hora na blitz com a entrega na mochila. Aí o entregador acaba sendo bloqueado no aplicativo, porque não pode sequer responder ao cliente, pois a polícia não deixa usar o celular. O cliente, então, começa achar que o motoboy roubou o pedido ou está fazendo alguma coisa errada, e acaba o entregador sendo bloqueado.” 

Outro lado 

De acordo com o balanço da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo publicado neste sábado (28), “a Operação Sufoco já deteve mais de 2,8 mil pessoas e vistoriou cerca de 172,3 mil veículos, sendo 61,6 mil motocicletas. Foram apreendidos 7,1 mil automóveis, sendo 3,2 mil motos, e recuperados um total de 427 veículos que haviam sido roubados ou furtados”. 

A Ponte também questionou a pasta, que tem o general João Camilo Pires de Campos à frente, e a Polícia Militar, comandada pelo coronel Ronaldo Vieira, mas não houve retorno até a publicação desta reportagem. 

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