Comissão Pastoral da Terra lança site sobre massacres no campo

    Levantamento aponta que nos últimos 32 anos, 45 chacinas motivadas por disputa de terra foram registradas no país, resultando na morte de 214 pessoas

    A CPT (Comissão Pastoral da Terra) lançou nesta quinta-feira (10/08) a página “Violência no Campo, Lutar não é crime. Não esqueceremos” para disseminar informações de massacres ocorridos na zona rural de 1985 a 2017. Nos últimos 32 anos, a CPT registrou 45 massacres que, além de matar 214 pessoas em nove estados brasileiros, têm provocado medo entre militantes que brigam na Justiça e em atividades no campo pela terra.

    Outro dado alarmante: apenas este ano, 52 trabalhadores rurais foram executados. O último caso ocorreu na noite do dia 25 de julho, quando Manoel Índio Arruda, de 82 anos e Maria da Lurdes Fernandes Silva, 60, foram assassinados a tiros no Projeto de Assentamento UXI, localizado na zona rural do município de Itupiranga, no Pará.

    O corpo de Maria de Lurdes foi encontrado na área de entrada da casa, com vários disparos. O cadeado da porteira de entrada da casa estava agarrado às mãos dela. Já Manoel, escutando os tiros, se escondeu debaixo da cama, mas também foi alvejado várias vezes. Ambos conseguiram realizar o sonho de ter a área regulamentada pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), em 9 de novembro de 2006, no Assentamento UXI.

    Segundo nota da CPT, Manoel “compareceu por inúmeras vezes no INCRA, na Delegacia de Conflitos Agrários, na Polícia Federal e no Ministério Público Federal para denunciar a aquisição ilegal de parcelas nas proximidades do seu lote, alteração de limites de sua parcela e ameaças”. O INCRA, por sua vez, de acordo com a CPT, o primeiro responsável pelo problema, “foi incapaz, ao longo de todos esses anos, de solucionar o conflito e evitar as mortes. Deixou que um casal de idosos ficasse a mercê da ação de pistoleiros, certamente agindo a serviço de alguém”.

    Normalmente, os crimes não têm repercussão nacional e, por isso, passam despercebidos. A intenção da página é dar publicidade às mortes, contribuindo para a denúncia e arquivo aberto para constante acompanhamento dos crimes e atualização.

    Para a Ponte Jornalismo, o coordenador nacional da CPT, Ruben Siqueira, diagnostica o cenário de violência no campo este ano: “Impunidade. Não há punição, quando há, são para os executores, quase nunca para os mandantes”, avalia.

    Na definição da CPT, massacre é quando três ou mais pessoas são mortas na mesma ocasião. Apenas em 2017, ocorreram três: no Mato Grosso, Pará e em Rondônia. Na linha do tempo desenvolvida pela comunicação da Comissão, e que está disponível no site, é possível visualizar e ter mais detalhes sobre cada massacre.

     

    Além do histórico dos crimes, fotos e vídeos dimensionam a tragédia a que os trabalhadores rurais foram vítimas na página. No dia 24 de maio deste ano, por exemplo, dez acampados – nove homens e uma mulher – no município de Pau D´Arco, no Pará,  foram assassinados. A ação, orquestrada pela Polícia Militar e Polícia Civil do Pará, resultou em um dos casos que mais tiveram repercussão este ano.

    Sob pressão de lideranças dos movimentos sem Terra e da Comissão Pastoral da Terra, onze policiais e dois civis foram presos, mas por pouco tempo. Eles foram soltos no dia 8 de agosto, com a decisão do juiz substituto Jun Kubota. “A investigação avançava, mas eles foram soltos. Eles ameaçam e causam terror nas comunidades vizinhas ao massacre“, explica Ruben Siqueira, que lembra: “Dias depois, uma testemunha do massacre foi assassinada”.

    O site tem, também, um mapa interativo, onde se constata a geografia de massacres: o estado do Pará lidera o ranking. Ali, ocorreram, neste ano, 26 massacres, com 125 pessoas mortas. Com isso, o Estado amarga 58%, ou seja, mais da metade do total de massacres. Rondônia figura em segundo lugar, com 7 massacres e 34 vítimas. Mato Groso contou com 2 massacres e 13 vítimas, e Rio Grande do Sul, também com 2 massacres e 9 vítimas.

    A sequência histórica de massacres no campo no país, infelizmente, não deve parar. Basta ver o desmonte dos direitos, a garantia de direitos aos ruralistas – que negociaram com Temer sua inocência. É preciso acompanhar caso a caso”, finaliza Ruben Siqueira.

    “A sequência histórica de massacres no campo no país, infelizmente, não deve parar. Basta ver o desmonte dos direitos, a garantia de direitos aos ruralistas – que negociaram com Temer sua inocência. É preciso acompanhar caso a caso”, finaliza Ruben Siqueira.

    Outro lado

    A reportagem procurou o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária por e-mail e telefone, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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