Comoção e revolta marcam enterro de motorista clandestino morto por perito

    Transporte irregular foi alternativa para Fabiano sustentar sua família. Após fugir de viaturas da GCM e do Instituto de Criminalística para não ter o carro apreendido, foi baleado pelas costas

    Fabiano Manoel Inacio, 35, foi enterrado no sábado (08/04) – Foto: Renan Xavier e Bruno Arib, especial para a Ponte

    O pequeno I. M. F. (iniciais) completa oito anos neste sábado (08/04). No entanto, não comemorou a data. Seu único pedido, que ele repetia aos prantos no cemitério Morada da Paz, em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, é irrealizável. “Eu quero meu pai”, dizia. Mas o motorista de lotação Fabiano Manoel Inácio, 35 anos, foi morto com um tiro pelas costas disparado por um perito da Polícia Científica, na manhã da última quinta-feira (06/04).

    “Ele era trabalhador e honesto. Mal tinha tempo para dormir. Nos últimos dias, rodava praticamente sem descanso para pagar o enxoval do filho que estou esperando. Mas morreu sem sequer conhecê-lo. Isso não pode ficar impune”, protestou Lucileide Fernandes da Cruz, 29 anos, esposa da vítima, grávida de sete meses.

    Enterro de Fabiano reuniu familiares e amigos, todos revoltados com o que aconteceu – Foto: Renan Xavier e Bruno Arib, especial para a Ponte

    Ela relata ainda que na madrugada de sua morte, Fabiano a acordou por volta das 3h. “Vai se chamar Fabianinho”, anunciou. Acabara de despertar com a ideia fixa de batizar o futuro caçula com seu nome. Às 5h30, ele tomou banho e foi trabalhar. Às 11h, foi morto pelo perito da Polícia Científica Gabriel Guerra da Silva Araújo, de 24 anos, depois de uma perseguição que também envolveu duas viaturas da GCM (Guarda Civil Municipal) de Itaquaquecetuba.

    Com duas autuações administrativas por transporte irregular, Fabiano decidiu fugir de uma abordagem da GCM para não ter o carro apreendido. O motorista só parou na Rua das Acácias, no bairro Jardim Odete, devido ao trânsito. Foi quando o agente o alcançou e disparou ao notar “em uma das mãos algo parecido com uma arma”, segundo o próprio policial relatou na delegacia.

    Filho de Fabiano completou 8 anos do dia do enterro; esposa do motorista está grávida de 7 meses – Foto: Renan Xavier e Bruno Arib, especial para a Ponte

    Porém, para a multidão de amigos, familiares e conhecidos que compareceram ao enterro do motorista clandestino nesta manhã, a versão do agente de segurança é falsa e Fabiano não portava nenhuma arma.

    Há anos desempregado, o motorista, que nunca cursou o ensino médio, deu de cara com as portas fechadas do mercado formal. Foi no transporte clandestino, levando pessoas a seu destino por R$ 3,80 que encontrou alternativa para sustentar esposa, três enteados e a filha.

    Familiares amigos denunciam a letalidade policial durante enterro de Fabiano – Foto: Renan Xavier e Bruno Arib, especial para a Ponte

    Todos eles dividiam um único cômodo na casa da mãe de Fabiano, Ivanilda do Nascimento. Sem a renda do motorista, a família não sabe como irá sobreviver a partir de agora. “Só restou minha pensão. São R$ 1 mil para o mês. Não sei como faremos”, lamentou Ivanilda. Mas fez questão de deixar um recado para o policial que matou seu filho: “Quero dizer a esse moço que eu o perdoo”.

    Protesto

    Logo após o sepultamento de Fabiano, parentes e amigos da vítima realizaram uma marcha que partiu do cemitério no Jardim São Paulo até o Centro de Itaquaquecetuba.

    Munido de diversos cartazes, o grupo percorreu ruas da movimentada região comercial. Sob os olhares atentos de lojistas e transeuntes, os manifestantes pediam justiça, sempre exaltando Fabiano como trabalhador e honesto.

    A passeata seguiu pacífica até o encontro com equipes da GCM, em frente à Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda, na Praça Padre João Álvares. Neste ponto, os manifestantes avançaram contra as viaturas, convictos de que a morte ocorreu por conta da perseguição iniciada por agentes da Guarda.

    Familiares amigos denunciam a letalidade policial durante enterro de Fabiano – Foto: Renan Xavier e Bruno Arib, especial para a Ponte

    Acuados, os guardas municipais chegaram a sacar pistolas. Em um momento mais tenso, um ônibus da GCM avançou contra um manifestante que obstruía a passagem. Tudo isso foi flagrado pela reportagem, em vídeo. Os veículos deixaram a praça instantes depois do início de tumulto.

    Mais calmo, o grupo concentrou o protesto em frente à Base da GCM, na Rua Dirce Passos, e finalizou a marcha em um posto de gasolina na Estrada de Santa Isabel. Lá, os manifestantes encontraram-se, por acaso, com o prefeito de Itaquaquecetuba, Mamoru Nakashima (PSDB).

    Cobrado pela família de Fabiano sobre a participação da GCM no episódio, o tucano se comprometeu a recebê-los em seu gabinete na segunda-feira (10/04) e, depois, apresentar as possíveis provas da execução à Secretaria de Segurança Pública.

    Perito atirou após ver “em uma das mãos algo parecido com uma arma” – Foto: Reprodução/Ponte Jornalismo

    A morte de Fabiano ocorreu na mesma semana que o Ministério Público de São Paulo pediu à Prefeitura de Itaquaquecetuba o afastamento do secretário municipal de Segurança Urbana, Alexandre Siqueira, e de mais dois membros do alto comando da Guarda Civil. Os servidores são investigados por envolvimento em suposta fraude no pagamento irregular de horas-extras.

    Outro lado

    A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre qual equipe realizou a perícia no local do crime. Segundo testemunhas, os próprios agentes da Polícia Científica envolvidos na perseguição realizaram a perícia. O questionamento foi ignorado pela assessoria de imprensa terceirizada pela empresa CDN Comunicação, da pasta que tem a frente o secretário Mágino Alves Barbosa Filho.

    Em nota, a SSP limitou-se a dizer que a Superintendência da Polícia Técnico-Científica informa que o caso está sendo investigado pela Polícia Civil de Mogi das Cruzes, por meio de inquérito policial, e pela Corregedoria da Polícia Civil.

    Segundo a nota: “O perito e o fotógrafo foram afastados preventivamente para exercer serviços administrativos até a conclusão da apuração. Eles participaram da perseguição atendendo pedido da guarda municipal”.

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