Condenado por roubo que não cometeu, motorista negro ainda ficou 16 dias preso após ser absolvido

    Cláudio Eduardo Leandro Rocha comemora absolvição: “Não posso recuperar o que foi interrompido, mas agora tenho que levantar a cabeça e seguir em frente”

    Cláudio foi solto 16 dias após decisão judicial de inocentá-lo | Foto: Arquivo pessoal

    O motorista Cláudio Eduardo Leandro Rocha, 40 anos, esperou muito para rever sua família. Esperou mais de um ano para ser absolvido por um crime que ele tinha provas de que não havia cometido. Também precisou esperar 16 dias para que a decisão de absolvição e consequente libertação da prisão fosse cumprida. Preso desde 26 de julho de 2019, Cláudio foi condenado por roubo e cumpria pena na Penitenciária de Potim, no interior de São Paulo.

    Segundo o Ministério Público, Cláudio havia roubado uma igreja às 8h do dia 16 de julho de 2019, em São Miguel, zona leste da cidade de São Paulo. A Justiça considerou as alegações do MP suficientes e até mesmo mais fortes do que as provas levadas pela defesa do motorista, que apontavam que um vídeo mostrava que, na hora do crime, ele estava a 30 quilômetros do local.

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    Somente na segunda-feira (17/8), Cláudio foi libertado e pode rever Sabrina Moura de Oliveira, sua esposa, e seus três filhos — dois com a ex-companheira e um com Sabrina. Em entrevista à Ponte, Cláudio afirmou se sentir bem agora que está em casa e agradeceu a nossa reportagem. “Se não fosse por vocês, eu não estaria na rua”.

    “Não foi fácil, mas deu tudo certo. Agora é cuidar das crianças, da família e vencer mais um obstáculo. Fiquei preso por algo que eu não fiz”, lamenta. “Eu tive muita sorte lá dentro, porque está empestado de tuberculose, celas superlotadas, atendimento médico ruim. Foi Deus que não deixou nada acontecer comigo”.

    Ele contou como foram os dias intermináveis desde que soube que seria solto, mas esperava o presídio autorizar sua liberdade. “Foi complicado segurar a ansiedade, ficar em um lugar como aquele, longe da família”, lembra.

    Leia também: Há 8 meses, Cláudio tem provas de que não cometeu um roubo, mas foi preso e condenado

    Lidar com a parte psicológica, confessa Cláudio, foi a parte mais difícil. “Eu passei por opressão, medo de ficar doente, passei fome, frio. Mas consegui tirar de letra, fiquei lendo para me fortalecer. Se não a gente fica com a mente perturbada”.

    O sono ainda está desregulado, mesmo dois dias depois de ter saído da prisão. “Só quem tá lá dentro mesmo para saber do peso. Tem muita gente lá que é inocente, que foi injustiçado. Se você já foi preso eles acham que a gente não presta”, desabafa.

    Cláudio lembra o choque de saber que seria preso por um crime que ele não tinha cometido. “Quando me falaram que iam me reconhecer, eu fiquei tranquilo, porque sabia que não tinha feito nada de errado. Tava convicto que nada de errado ia acontecer.”, lembra.

    Cláudio e Sabrina querem olhar para frente após absolvição do motorista | Foto: Arquivo pessoal

    “Eu sabia que ia demorar para provar que eu era inocente. Tudo o que eu conquistei aqui fora, minha família tranquila… eu sabia que eu ia sair, porque eu fui verdadeiro desde o primeiro álibi. Mas eu fui preso pelo meu antecedente. Eu nunca parei de lutar, de provar que eu era inocente”, relata, emocionado.

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    Agora, Cláudio quer olhar para frente: “Continuar minha vida, dar o melhor de mim para a minha família”. “Se for preciso eu vendo água no farol, trabalho no que for preciso para não passar por isso de novo. Eu não posso recuperar o que foi interrompido. Mas agora tenho que levantar a cabeça, seguir em frente, e cuidar de mim, da minha família”.

    Sabrina conta que a ficha ainda não caiu agora que o marido está em casa. “Foi diferente ver ele agora. A última vez que eu vi, em março, ele estava mais forte, com um semblante diferente. Me impactou ver como ele está agora. Não tem como apagar ou esquecer, mas vamos viver de hoje em diante”, finaliza Sabrina.

    Outro lado

    A Ponte questionou a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo sobre a demora de 16 dias para a liberação de Cláudio, mesmo após decisão judicial de absolvição e expedição de alvará de soltura.

    Em nota a pasta informou que “o intervalo de tempo para soltura de Cláudio Eduardo Leandro se deu pois havia pendências no processo do réu que tiveram de ser esclarecidas pela direção da unidade”.

    Em resposta aos presos com tuberculose, a SAP informou que “existem 16 casos na unidade em tratamento contínuo (0,89% da população da unidade), sendo que todos seguem medicados e sem possibilidade disseminação aos demais reeducandos. Isso porque após 15 dias de tratamento, a enfermidade não é mais transmitida pelo paciente”.

    Atualização às 16h do dia 21 de agosto para inclusão do posicionamento da SAP

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