Conselheiros tutelares de MG são presos por desobediência

    Ordem judicial exigia que profissionais fizessem a transferência de dois adolescentes em medida socioeducativa para cidade do interior, mas órgão alega que não é atribuição de conselheiros

    À esquerda, dois dos cinco conselheiros presos aguardando lavratura do B.O. | Foto: Arquivo pessoal

    Um grupo de cinco conselheiros tutelares de Poços de Caldas, em Minas Gerais, foi detidos na tarde desta terça-feira (5/2) por desobediência. O juiz substituto da Vara da Infância e Juventude Robson Luiz Rosa Lima deu ordem de prisão depois que os profissionais se negaram a fazer o “recâmbio de dois adolescentes presos na penitenciária da cidade” para Cristália, a cerca de 1.000 km de distância. Os jovens foram presos por tráfico de drogas cinco dias antes.

    Andréa Benatti, conselheira tutelar da região Sul/Oeste de Poços de Caldas, explica que não é atribuição do Conselho fazer esse tipo de ação. “O Conselho não é jurisdicional, não é submetido ao judiciário, nós temos autonomia e servimos à comunidade. Está na legislação. Nós somos um órgão de proteção, não atuamos em ato infracional, muito menos fora do município. O que nos compete, que é acolher, fazer contato com a família do adolescente, tudo isso a gente fez. A gente solicitou que a secretaria de promoção social com escolta da polícia fizesse o recâmbio”, explica Andréa. “Qualquer coisa além disso foge da nossa atribuição”.

    A conselheira chamou de arbitrariedade o que aconteceu e disse que o juiz havia ameaçado prender os conselheiros em outras oportunidades. “É perseguição política direta ao Conselho Tutelar por um judiciário que não respeita política social”, afirmou à Ponte, por telefone. Quando a ordem de prisão estava sendo cumprida, Andréa chegou a desabafar nas redes sociais: “Quis a vida que meu mandato coincidisse com esse momento político absurdo e insano, onde os direitos estão sendo jogados no latão de lixo e um órgão que representa a comunidade, com poder de requisição ao Estado e não subordinado ao judiciário, ah… isso não pode existir!”, escreveu em um post do Facebook.

    E, segundo Andréa, as violações do sistema não param por aí. Ela destaca o absurdo que gerou a prisão dos conselheiros: o fato de dois adolescentes em conflito com a lei estarem presos em uma cadeia comum, para adultos, e não em uma instituição própria para cumprimento de medida socioeducativa. “A determinação judicial aconteceu pela necessidade de retirar dois adolescentes que estavam detidos no presídio, que já é um absurdo. Isso deveria ser exceção: só em crimes violentos enquanto o jovem aguarda vaga para o socioeducativo. Só que aqui em Poços é praxe adolescente ficar em presídio. É praxe. E o que seria o aguardo excepcional para cumprimento de medida socioeducativa vira rotina o adolescente ficar cinco dias esperando no presídio. A gente já oficiou a Corregedoria do judiciário sobre esse tema, porque os meninos ficam em condições insalubres. Eles dormem na lavanderia, então não é uma excepcionalidade”, critica.

    Andréa também pondera que não há locais para cumprimento de medida socioeducativa na cidade e que o local mais próximo é Juiz de Fora. No final das contas, o tempo que os adolescentes poderiam ficar na penitenciária se esgotou e a administração prisional simplesmente abriu os portões, já que havia determinação judicial para liberdade dos adolescentes caso a transferência não fosse feita.

    “É um erro tentando cobrir o outro. Aí o juiz determina por birra política que vai abrir o portão, soltar os meninos, e pronto. Os meninos saíram sem nenhum acompanhamento e os conselheiros receberam ordem de prisão. O conselheiro plantonista foi conduzido até a delegacia e o colegiado foi junto. É arbitrário em tudo. A gente espera que a conduta desse juiz seja investigada”, afirmou Andréa.

    Depois de passarem o dia todo na delegacia, os cinco conselheiros foram liberados depois de assinar um termo circunstanciado por desobediência. Agora, um processo no Juizado Especial deve ser aberto.

    A Ponte procurou o Tribunal de Justiça de Minas Gerais que informou que o juiz Robson Luiz Rosa Lima deve se pronunciar, em nota, nesta quinta-feira (7/2). A reportagem também procurou o governo mineiro para questionar sobre os apontamentos da conselheira: o fato de adolescentes serem mantidos presos em presídio para adultos e a falta de estrutura para cumprimento de medida socioeducativa, mas, até a publicação desta matéria, não houve retorno.

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